sábado, 1 de dezembro de 2012

Recurso hierarquico necessário: trauma resolvido ou por resolver? (Parte II)


VI. No plano do direito a constituir, a questão toma contornos distintos, justificando-se portanto a análise em sede específica.
Neste ponto pretende-se, portanto, aferir da validade de eventuais leis avulsas que consagrem um regime de recurso hierárquico necessário e que entrem em vigor após a reforma de 2003. Restringir-nos-emos à análise da problemática a partir de dois planos relativos à validade das ditas leis, um face ao CPTA, outro face à Constituição.

Analisando o primeiro plano, tendente à compatibilização entre as referidas leis e o CPTA, podemos partir desde logo da, já referida, relação de especialidade existente entre ambas. Ora se antes, tal como já referido, ter-se-ia que rejeitar este argumento quanto às leis anteriores à entrada em vigor do CPTA, não mais se o poderá fazer quanto aquelas que sejam posteriores àquela data. É inegável que a surgirem, tais leis estariam necessariamente numa relação de especialidade (senão mesmo de excepcionalidade) face às normas gerais estabelecidas no CPTA, desde logo porque sendo de âmbito mais restrito que a regra, estas sem contrariar substancialmente o princípio naquela contido, a adaptam a um domínio particular. Esta relação de especialidade verificar-se-ia no essencial, e apenas directamente, quanto às normas constantes dos artigos 51.º, n.º 1 e 59.º, n.º 5, podendo contudo ter efeitos indirectos no preenchimento da previsão de normas como – mas não só – o artigo 54.º; 59.º, n.º 4, e 112.º todos do CPTA. Por via destas considerações reputa-se improcedente o argumento de que, após a reforma do contencioso, quaisquer «normas que estabelecessem a necessidade do recurso hierárquico, ainda que a titulo especial, para além da respectiva inconstitucionalidade, [...] (não teriam) qualquer efeito útil, já que tal “categoria” seria desprovida de consequências contenciosas»[1]. Bastaria aqui reafirmar que tratando-se, como para tal o autor parece apontar, de uma relação de especialidade, desta resulta precisamente a “inaplicabilidade” – quando conflituantes – das normas gerais em prol das normas especiais, pelo que não haveria falta de efeito útil pois não se aplicariam as normas do CPTA que o implicassem, bem como não caducariam aquelas por falta de objecto[2], pelos mesmos motivos.
Ainda no âmbito deste primeiro plano, podemos afirmar que essa relação de especialidade que se pretende provar, poderia ser corroborada pelo argumento de que tendo sido – as referidas leis –  emanadas após a entrada em vigor do CPTA, estas demonstram uma vontade expressa do legislador em derrogar o regime geral quanto às matérias abrangidas pelos seus âmbitos. De resto, todos os argumentos a favor da manutenção em vigor das leis anteriores ao CPTA, que foram rejeitados pela determinação da improcedência do argumento da especialidade, retomam aqui plena aplicação.

No que ao segundo plano diz respeito, maiores problemas se levantam quanto a esta compatibilização a que se pretende proceder, uma vez que uma parte significativa da doutrina tende ainda a considerar a violação do direito de acesso à justiça (art.º 20.º, n.º 1 CRP), como consequência da consagração de recursos hierárquicos necessários (a titulo excepcional). Deparamo-nos portanto com uma – potencial – inconstitucionalidade das leis em apreço, a qual doravante nos propomos analisar (e como infra se concluirá, a afastar).
A questão relativa à constitucionalidade, em geral, de todo o regime do recurso hierárquico necessário era já, como referido supra, debatida na doutrina antes da reforma do contencioso administrativo e após a reforma constitucional de 1989, tendo aliás parte desta concluído pela inconstitucionalidade superveniente do art.º 25.º, n.º 1 LPTA. Ainda ai a Jurisprudência na sua grande maioria – senão mesmo em unanimidade – considerava constitucionais tanto o referido artigo da LPTA, como as leis avulsas que consagrassem recursos hierárquicos necessários[3], com base essencialmente no argumento da falta de vocação da Constituição para reger e estabelecer os pressupostos de que possa depender a impugnação de actos administrativos.
Colocada a questão quanto à inconstitucionalidade dos recursos hierárquicos necessários, penso poder tratar-se a mesma segundo duas grandes posições: uma primeira que não veja neste tipo de recurso hierárquico uma concreta violação do direito à tutela jurisdicional efectiva (art.º 268.º, n.º 4 CRP), portanto isentando-se de averiguar a conformidade constitucional daquele; e uma segunda que declare aquele como consubstanciando sempre uma violação do referido direito pelo que, só através do regime de restrição dos direitos, liberdades e garantias, poderia ser constitucional.
Penso ser a primeira a posição mais correcta, pois apesar do recurso hierárquico necessário implicar “em certa medida” a inimpugnabilidade do acto do inferior hierárquico, a verdade é que tal não viola directamente a constituição uma vez que não se restringe – senão indirectamente – o direito de impugnação contenciosa. Isto porque se é verdade que o acto em concreto é inimpugnável, o mesmo já não se poderá afirmar quanto aos seus efeitos, que uma vez que se suspendem com a interposição do recurso (art.º 170.º, n.º 1 CPA), estes só se poderiam fazer sentir caso o superior hierárquico declarasse improcedente o recurso. Ora é precisamente aqui que se colocar a tónica, pois se o que importa é a defesa dos direitos dos particulares, legal e constitucionalmente consagrados, os mesmos só poderiam ser lesados através dos efeitos do acto administrativo em causa, os quais nunca se tornam definitivos, nem se consolidam na ordem jurídica, pois são plenamente salvaguardados quer pelo efeito suspensivo aquando da interposição do recurso hierárquico, quer posteriormente pela impugnabilidade contenciosa do acto de decisão daquele recurso. Trata-se de uma visão tendente a superar o velho dogma de ponderar apenas o acto stricto sensu e a sua impugnabilidade contenciosa recorrendo para tal ao substrato material que lhe subjaz – os seus efeitos. Será então irrelevante – para o paradigma que se pretende defender –  que o acto seja imediatamente impugnável jurisdicionalmente ou não, uma vez que os seus efeitos são “bloqueáveis” pelo particular desde o momento em que é praticado por meio da impugnação administrativa. Por esta via, os direitos e interesses substantivos legalmente consagrados que se visam proteger pela garantia de acesso à justiça, encontram-se plenamente protegidos na sua vertente negativa, entenda-se, na proibição da sua violação ou restrição[4].
Não se diga que o importante é somente a impugnabilidade do acto e não dos seus efeitos, pois desde logo o art.º 51.º, n.º 1 CPTA estabelece como critério geral a eficácia externa dos actos, o que implica que mais uma vez se centrou a problemática da violação dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares em volta dos efeitos dos actos administrativos, efeitos (negativos) esses que se pretende demonstrar que não ocorrem nos casos de recursos hierárquicos necessários. Portanto, e em termos objectivos, o particular nada sofre em que lhe seja imposta a via administrativa de impugnação para que possa recorrer à via contenciosa, uma vez que se pretendia ab initio impugnar o acto, os efeitos decorrentes da interposição do recurso hierárquico são os mesmos que os de interposição de acção de impugnação contenciosa – pelo menos na sua pendência – sendo aliás mais favorável a primeira, uma vez que implica um esforço económico manifestamente inferior (desnecessidade de patrocínio judiciário) e a suspensão da eficácia do acto.
Discordo portanto do argumento apresentado por André Salgado de Matos de que o recurso hierárquico necessário “implica a inimpugnabilidade absoluta do acto administrativo do subalterno” com base no facto do  acto do superior hierárquico se tratar de “uma mera confirmação que, nos termos gerais da teoria do acto administrativo, não envolve uma consumpção do acto administrativo confirmado”, concluindo que o acto do subalterno “não pode considerar-se sequer como mediatamente impugnável”[5]. Não se coloca em causa a validade jurídica do argumento, porém apenas uma visão excessivamente teórica poderá negar que ao se impugnar o acto confirmativo do superior hierárquico, não se está de igual forma a impugnar – pelo menos – os efeitos decorrentes do acto do subalterno. É manifesto que tanto a validade como a eficácia deste decorrem directamente da validade ou não daquele, aliás sempre se poderá afirmar que o acto confirmativo do superior hierárquico é integrativo da eficácia externa plena do acto do subalterno. Acresce que este argumento, não pondera a possibilidade do acto do superior hierárquico ser o deferimento do recurso – leia-se, a revogação do acto recorrido – caso no qual a tutela mais do que suficiente dos direitos e interesses legalmente protegidos do particular foi assegurada – ainda que não pela via jurisdicional, mas pela via administrativa.
Mais, não se afirme que o direito de acesso à justiça é violado pela preclusão do direito a impugnar contenciosamente o acto uma vez decorrido o prazo para o recurso hierárquico (30 dias pela regra geral do art.º 168.º, n.º 1 CPA), pois se tal seria abstractamente verdade, o que se pode afirmar a titulo de solução, é que não o seria se o legislador estabelecesse prazo igual ao da impugnação contenciosa (3 meses, cfr. art.º 58.º, n.º 2 al. b) CPTA) para a impugnação administrativa – medida que me parece facilmente adoptável nas próprias leis avulsas. Neste caso se o particular pretendia a impugnação do acto contenciosamente, tê-lo-ia feito no mesmo prazo a que se admite o recurso hierárquico, pelo que não se pode afirmar que existe uma perda efectiva das garantias de defesa do particular face à administração. A figura do recurso hierárquico necessário, seria apenas, no plano temporal, um diferimento do direito de acesso à justiça do particular, do qual aliás não decorrem quaisquer efeitos negativos, observada a suspensão da eficácia do acto recorrido (art.º 170.º, n.º 1 CPA). O particular que pretendesse ab initio impugnar jurisdicionalmente o acto administrativo, sempre teria o ónus de controlar o prazo dentro do qual tal diligência poderia ser requerida, pelo que se pressupõe que tendo conhecimento deste, igualmente do prazo de recurso hierárquico conheceria, para efeitos de interposição atempada, do mesmo.
A garantia constitucional do direito a uma tutela jurisdicional efectiva não implica necessariamente a consagração pelo legislador ordinário da impugnabilidade imediata de todo e qualquer acto lesivo de direito ou interesses legalmente protegidos[6]. Sigo portanto o argumento quase unânime na Jurisprudência e que alguns autores apresentam, no sentido de afirmar que a Constituição não tem uma concreta vocação para definir ou delimitar os pressupostos processuais das acções em tribunais administrativos[7], não parecendo ter fundamento bastante um argumento que da alteração do texto do artigo 268.º, n.º 3 CRP, retire de forma directa, uma necessária alteração dos pressupostos processuais exigíveis para a acção de impugnação de actos administrativos. Mais não se trata do que a concretização, neste domínio especifico, do entendimento geral de que, o legislador dispõe de uma ampla margem de liberdade na conformação dos pressupostos de que depende o acesso à justiça[8].
Assim do ponto de vista constitucional, a consagração de recursos hierárquicos necessários, não se poderia considerar mais do que um (mero) condicionamento[9], por oposição a uma (efectiva) restrição, do direito de tutela jurisdicional efectiva (art.º 268.º, n.º 4 CRP). Para tanto é sugestiva a noção de condicionamento, que se traduz «num requisito de natureza cautelar de que se faz depender o exercício de algum direito, como a prescrição de um prazo (para o seu exercício) ou de promoção de registo», pelo que este «não reduz o âmbito do direito, apenas implica, umas vezes, uma disciplina ou uma limitação da margem de liberdade do seu exercício, outras vezes um ónus»[10]. Ora o que mais se poderá considerar a interposição de recurso hierárquico e portanto o esgotamento dos meios administrativos de impugnação, senão um ónus. Logo pode-se afirmar que fica – de certa forma – enfraquecido o argumento de inconstitucionalidade do recurso hierárquico por restrição do direito à tutela jurisdicional plena, parecendo aliás ser esta a conclusão do Tribunal Constitucional ao afirmar que «a tutela jurisdicional efectiva dos administrados não resulta, nem inviabilizada, nem sequer restringida pela previsão de tal via hie­rárquica necessária, como meio de, em primeira linha, tentar obter a satisfação do interesse do administrado pela revisão do acto administra­tivo praticado pelo órgão subalterno da Administração, previamente ao sempre assegurado recurso jurisdicional. Trata‑se, apenas, de um condicio­namento legítimo do direito de recurso contencioso, ficando sempre ressalvada a garantia de tutela judicial em todos os casos concretos»[11], donde a não «violação dos artigos 17.º e 18.º da Constituição (desde logo porque, como vimos, a garantia do artigo 268.º, n.º 4, não é posta em causa, mas apenas con­dicionada em obediência a interesses legítimos de unidade e eficácia da acção administrativa)».
É porém deduzido contra este argumento, o facto de um condicionamento não corresponder a algo menos grave que uma restrição, diminuindo a dimensão jusfundamental do recurso hierárquico necessário.  Alega-se que a distinção entre restrição e condicionamento corresponde a matéria exclusivamente doutrinal, sem relevância para efeitos constitucionais, tendo em conta o escopo geral de garantia dos direitos fundamentais do art.º 18.º CRP. Um condicionamento reclamaria, por isso, as mesmas necessidades de protecção dos direitos fundamentais quanto uma restrição, donde a aplicação do artigo 18.º CRP. No que à doutrina constitucional contende, a distinção que os autores realizam a este respeito demonstra inequivocamente a vontade de diferenciar, para efeitos de sujeição ao regime de restrição de direitos, liberdades e garantias, as duas figuras em questão, tanto que por vezes é feita uma distinção de várias outras figuras afins da restrição, mas que com ela não se confundem, como sejam os limites, a regulamentação, a concretização legislativa, a auto-ruptura da Constituição, o dever e a suspensão.  Mais se afirma, que o próprio Tribunal Constitucional, apoia esta visão pelo facto de submeter à reserva de lei a criação de recursos hierárquicos necessários[12], mas assim não o será, pois é este mesmo tribunal que repetidamente tem vindo a afirmar que não vê nas actuais leis que consagram o recurso hierárquico necessário uma concreta violação do art.º 268.º, n.º 2, nem do art.º 18.º ambos da CRP.
O que por outro lado se verifica é que a distinção entre restrição e condicionamento não implica, sempre, uma diferença de sujeição aos comandos do art.º 18 CRP. A sujeição dos condicionamentos ao regime de restrição de direitos, liberdades e garantias encontra posições divergentes na doutrina, sendo que alguns autores referem que estes se encontram plenamente sujeitos à totalidade deste regime mais rígido[13], outros considerando porém que os condicionamentos só parcialmente se reconduzem a verdadeiras restrições, pelo que concluem pela aplicação , apenas parcial, do regime do art.º 18.º CRP a estes[14]. Pela nossa parte, tomamos a segunda posição como prevalecente, pelo que os condicionamentos, neste caso o recurso hierárquico necessário teria que respeitar, nomeadamente, a reserva de lei e o princípio da proporcionalidade (na sua tripla vertente) imposta pelo art.º 18.º CRP.
Pelo que seria agora necessário perguntar de onde poderia derivar a restrição – se assim a considerarmos – ,pelo recurso hierárquico necessário, ao direito à tutela jurisdicional efectiva e de acesso à justiça, uma vez que o art.º 18.º, n.º 2 CRP apenas permite restrições destes direitos «nos casos expressamente previstos na Constituição». Admite-se que possam servir de base para esta restrição, dois princípios fundamentais da organização administrativa com reflexo constitucional, o princípio hierárquico (art.º 271.º e 199.º al. d) CRP) e o princípio da unidade da acção administrativa (art.º 267.º, n.º 2 CRP). Em abstracto ambos os princípios poderiam justificar a restrição do direito à tutela jurisdicional efectiva. O primeiro – princípio hierárquico – nos casos em que se manifeste com maior intensidade, por forma a assegurar que o superior hierárquico profira – quando necessário – a “última palavra” sobre todas as decisões tomadas pelos subalternos, bem como por ser o superior hierárquico o orgão funcionalmente mais competente e adequado para a aplicação de penas disciplinares ou simplesmente para concluir da validade do acto e consequentemente praticar o acto substitutivo devido. O segundo – princípio da unidade da acção administrativa – por assegurar que a decisão final quanto a certas matérias – e por extensão, que o controlo interno da legalidade – é ainda tomada dentro da Administração Pública, uma vez que a impugnação contenciosa deve-se já a um controlo jurisdicional e não administrativo. Ou seja trata-se portanto da defesa de um controlo intra-administrativo que se pretende manter no seio da Administração Pública. Dir-se-ia que estes princípios não seriam contudo atendíveis uma vez que o art.º 18.º, n.º 2 CRP refere que tais restrições teriam necessariamente que estar «expressamente previstas» na Constituição, o que não se verificaria nos princípios pois enquanto conjuntos sistematizados de soluções derivados de um conjunto de normas não se podem considerar previstos expressamente na Constituição. Porém é hoje posição maioritária na doutrina a conclusão de que as restrições não se cingem só às explicitamente consagradas na Constituição, reconhecendo, os autores, que necessariamente existem restrições implícitas à Constituição «derivadas também elas da necessidade de salvaguardar “outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos” e, fundadas não já em preceitos, mas sim em princípios constitucionais»[15]. Pelo que poderiam estes princípios dar cobertura constitucional bastante para que tal restrição ocorresse.
Tudo considerado e em termos de conclusão, teremos agora que proceder a uma ponderação abstracta da constitucionalidade das leis que posteriormente a reforma do contencioso de 2003, venham a consagrar regimes de recurso hierárquico necessário, para tal cumprindo a tarefa a que nos propusemos, de harmonizar o direito a constituir. Enumeramos, portanto, os critérios que a nosso ver teriam (ou deveriam) de ser respeitados para que as referidas leis não incorressem em questões de constitucionalidade. Assim os respectivos regimes teriam que cumulativamente:
-  Respeitar a reserva de lei, tal como imposta pelo art.º 18.º, n.º 2, 1ª parte CRP, na sua dupla vertente de precedência de lei e reserva de densificação normativa. A primeira implicaria que o recurso hierárquico necessário teria que ser estabelecido por lei (art.º 112.º, n.º 1 CRP), seja da Assembleia da República ou um decreto-lei autorizado do governo (art.º 198.º, n.º 1, al. b) CRP). A segunda implicaria que o grau de densidade normativa, dos referidos regimes, deveria ser o maior possível;
-  Ser precedidos de uma concreta ponderação dos direitos e interesses legal e constitucionalmente consagrados, de forma a que pressuponham a salvaguarda de um ou alguns direitos ou princípios com reflexo constitucional (art.º 18.º, n.º 2, in fine). Neste âmbito seriam portanto relevantes as considerações acima realizadas quanto aos princípios que aqui poderiam prevalecer, como o princípio da hierarquia ou o princípio da unidade da acção administrativa;
-  Manter o efeito suspensivo sobre os efeitos do acto recorrido, como actualmente consagrado pelo art.º 170.º, n.º 1 CPA[16], reforçando a sua aplicação nos casos regulados expressamente;
-  Respeitar o princípio da proporcionalidade na sua tripla vertente de adequação, necessidade e proporcionalidade stricto sensu, aquando da ponderação referida no ponto anterior, sendo tal o alcance da 2ª parte do art.º 18.º, n.º 2 CRP[17]. Assim o recurso hierárquico será adequado se o orgão administrativo competente para dele decidir estiver, pelas suas características e pelo âmbito da sua competência, em condições de assegurar o exercício do poder de controlo nos termos funcionalmente mais adequados e a uniformidade da actuação administrativa. Será, este, também necessário na medida em que não exista outro meio menos gravoso (no seio da administração) para assegurar que o superior hierárquico se pronuncia em última instância sobre as decisões tomadas pelos subalternos, de forma a poder exercer o já referido poder de controlo. Por último, este, será razoável, caso as vantagens que ele representa para a prossecução dos interesses/princípios que se pretendem fazer valer sejam mais valiosas que a afectação que ele implica nos direitos fundamentais dos particulares;
-  Consagre, a título conveniente, um prazo para a interposição do recurso hierárquico necessário, igual ao que se encontra estabelecido para as impugnações contenciosas, portanto de 3 meses (art.º 58.º, n.º 2, al. b) CPTA), pelos motivos expostos supra;
-  Concretize, a título conveniente, uma compatibilização com o regime processual resultante dos artigos 51.º e seguintes do CPTA, nos termos já debatidos supra.


Bibliografia:
De necessário a útil: a metamorfose do recurso hierárquico no novo contencioso administrativo, Vasco Pereira da Silva, in Cadernos de Justiça Administrativa n.º 47.

Excepções ao princípio da facultatividade das impugnações administrativas, Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Cadernos de Justiça Administrativa n.º 85;

Recursos hierárquicos necessários previstos em leis especiais: o recurso em matéria disciplinar no âmbito da GNR, André Salgado de Matos, in Cadernos de Justiça Administrativa n.º 87,

Manual de Processo Administrativo, Mário Aroso de Almeida, Almedina, 2012

Direito Administrativo Geral, Tomo III, Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Dom Quixote, 2009

A Justiça Administrativa, José Vieira de Andrade, Almedina, 2012



[1] Neste sentido, Vasco Pereira da Silva, De necessário a útil..., p.27
[2] No sentido da sua caducidade, cfr. nota anterior.
[3] Neste sentido, por exemplo, Ac. TC n.º 425/99.
[4] Em sentido contrário, andré Salgado de Matos, Recursos hierárquicos necessários previstos em leis especiais..., p. 51
[5] Cfr. nota anterior.
[6] Neste sentido, Ac. TC n.º 564/2008, confirmando a posição já firmada pelo Ac. TC n.º 425/99.
[7] Neste sentido, Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, pp. 303-304.
[8] Cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada, tomo III, p.614.
[9] Neste sentido, Vieira de Andrade, Em defesa do recurso hierárquico, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 0, 1996, pp. 18-20. Em sentido contrário, andré Salgado de Matos, Recursos hierárquicos necessários previstos em leis especiais..., nota de rodapé n.º 18.
[10] Cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada, tomo I, p.159.
[11] Cfr. Ac. TC 564/2008, P. n.º 765/08.
[12] Cfr. Acs. TC n.º 161/99 de 10/3 e n.º 44/2003 de 29/1.
[13] Neste sentido, Jorge Reis Novais, As restrições aos direitos fundamentais..., pp 227 e 247; e andré Salgado de Matos, Recursos hierárquicos necessários previstos em leis especiais..., p. 54.
[14] Neste sentido, Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada, tomo I, p.162, afirmando que «os princípios ou subprincípios ligados a este carácter restritivo das restrições valem também para os condicionamentos»; e demonstrando implicitamente tomar esta posição, Vieira de Andrade, Em defesa do recurso hierárquico, pp. 18-20.
[15] Cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada, tomo I, p.161. Neste sentido veja-se, igualmente, a obra de referência na matéria, Jorge Reis Novais, As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição, em especial, pp. 569-602.
[16] Neste sentido, Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada, tomo III, p.614.
[17] Neste sentido, Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, p. 304.

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