VI. No plano do direito a constituir, a questão
toma contornos distintos, justificando-se portanto a análise em sede
específica.
Neste
ponto pretende-se, portanto, aferir da validade de eventuais leis avulsas que
consagrem um regime de recurso hierárquico necessário e que entrem em vigor
após a reforma de 2003. Restringir-nos-emos à análise da problemática a partir
de dois planos relativos à validade
das ditas leis, um face ao CPTA, outro face à Constituição.
Analisando
o primeiro plano, tendente à
compatibilização entre as referidas leis e o CPTA, podemos partir desde logo
da, já referida, relação de especialidade existente entre ambas. Ora se antes,
tal como já referido, ter-se-ia que rejeitar este argumento quanto às leis
anteriores à entrada em vigor do CPTA, não mais se o poderá fazer quanto
aquelas que sejam posteriores àquela data. É inegável que a surgirem, tais leis
estariam necessariamente numa relação de especialidade (senão mesmo de
excepcionalidade) face às normas gerais estabelecidas no CPTA, desde logo
porque sendo de âmbito mais restrito que a regra, estas sem contrariar
substancialmente o princípio naquela contido, a adaptam a um domínio particular.
Esta relação de especialidade verificar-se-ia no essencial, e apenas
directamente, quanto às normas constantes dos artigos 51.º, n.º 1 e 59.º, n.º
5, podendo contudo ter efeitos indirectos no preenchimento da previsão de
normas como – mas não só – o artigo 54.º; 59.º, n.º 4, e 112.º todos do CPTA.
Por via destas considerações reputa-se improcedente o argumento de que, após a
reforma do contencioso, quaisquer «normas que estabelecessem a necessidade do
recurso hierárquico, ainda que a titulo especial, para além da respectiva
inconstitucionalidade, [...] (não teriam) qualquer efeito útil, já que tal
“categoria” seria desprovida de consequências contenciosas»[1].
Bastaria aqui reafirmar que tratando-se, como para tal o autor parece apontar,
de uma relação de especialidade, desta resulta precisamente a “inaplicabilidade”
– quando conflituantes – das normas gerais em prol das normas especiais, pelo
que não haveria falta de efeito útil pois não se aplicariam as normas do CPTA
que o implicassem, bem como não caducariam aquelas por falta de objecto[2],
pelos mesmos motivos.
Ainda
no âmbito deste primeiro plano, podemos afirmar que essa relação de
especialidade que se pretende provar, poderia ser corroborada pelo argumento de
que tendo sido – as referidas leis –
emanadas após a entrada em vigor do CPTA, estas demonstram uma vontade
expressa do legislador em derrogar o regime geral quanto às matérias abrangidas
pelos seus âmbitos. De resto, todos os argumentos a favor da manutenção em
vigor das leis anteriores ao CPTA, que foram rejeitados pela determinação da
improcedência do argumento da especialidade, retomam aqui plena aplicação.
No
que ao segundo plano diz respeito,
maiores problemas se levantam quanto a esta compatibilização a que se pretende
proceder, uma vez que uma parte significativa da doutrina tende ainda a
considerar a violação do direito de acesso à justiça (art.º 20.º, n.º 1 CRP),
como consequência da consagração de recursos hierárquicos necessários (a titulo
excepcional). Deparamo-nos portanto com uma – potencial – inconstitucionalidade
das leis em apreço, a qual doravante nos propomos analisar (e como infra se concluirá, a afastar).
A
questão relativa à constitucionalidade, em geral, de todo o regime do recurso
hierárquico necessário era já, como referido supra, debatida na doutrina antes da reforma do contencioso
administrativo e após a reforma constitucional de 1989, tendo aliás parte desta
concluído pela inconstitucionalidade superveniente do art.º 25.º, n.º 1 LPTA.
Ainda ai a Jurisprudência na sua grande maioria – senão mesmo em unanimidade – considerava
constitucionais tanto o referido artigo da LPTA, como as leis avulsas que
consagrassem recursos hierárquicos necessários[3],
com base essencialmente no argumento da falta de vocação da Constituição para
reger e estabelecer os pressupostos de que possa depender a impugnação de actos
administrativos.
Colocada
a questão quanto à inconstitucionalidade dos recursos hierárquicos necessários,
penso poder tratar-se a mesma segundo duas grandes posições: uma primeira que
não veja neste tipo de recurso hierárquico uma concreta violação do direito à tutela jurisdicional efectiva (art.º
268.º, n.º 4 CRP), portanto isentando-se de averiguar a conformidade
constitucional daquele; e uma segunda que declare aquele como consubstanciando
sempre uma violação do referido direito pelo que, só através do regime de
restrição dos direitos, liberdades e garantias, poderia ser constitucional.
Penso
ser a primeira a posição mais correcta, pois apesar do recurso hierárquico
necessário implicar “em certa medida” a inimpugnabilidade do acto do inferior
hierárquico, a verdade é que tal não viola directamente a constituição uma vez
que não se restringe – senão indirectamente – o direito de impugnação
contenciosa. Isto porque se é verdade que o acto em concreto é inimpugnável, o
mesmo já não se poderá afirmar quanto aos seus efeitos, que uma vez que se
suspendem com a interposição do recurso (art.º 170.º, n.º 1 CPA), estes só se
poderiam fazer sentir caso o superior hierárquico declarasse improcedente o
recurso. Ora é precisamente aqui que se colocar a tónica, pois se o que importa
é a defesa dos direitos dos particulares, legal e constitucionalmente
consagrados, os mesmos só poderiam ser lesados através dos efeitos do acto
administrativo em causa, os quais nunca se tornam definitivos, nem se
consolidam na ordem jurídica, pois são plenamente salvaguardados quer pelo efeito
suspensivo aquando da interposição do recurso hierárquico, quer posteriormente
pela impugnabilidade contenciosa do acto de decisão daquele recurso. Trata-se
de uma visão tendente a superar o velho dogma de ponderar apenas o acto stricto
sensu e a sua impugnabilidade contenciosa recorrendo para tal ao substrato
material que lhe subjaz – os seus efeitos. Será então irrelevante – para o
paradigma que se pretende defender – que
o acto seja imediatamente impugnável jurisdicionalmente ou não, uma vez que os
seus efeitos são “bloqueáveis” pelo particular desde o momento em que é
praticado por meio da impugnação administrativa. Por esta via, os direitos e
interesses substantivos legalmente consagrados que se visam proteger pela
garantia de acesso à justiça, encontram-se plenamente protegidos na sua
vertente negativa, entenda-se, na proibição da sua violação ou restrição[4].
Não
se diga que o importante é somente a impugnabilidade do acto e não dos seus
efeitos, pois desde logo o art.º 51.º, n.º 1 CPTA estabelece como critério
geral a eficácia externa dos actos, o que implica que mais uma vez se centrou a
problemática da violação dos direitos e interesses legalmente protegidos dos
particulares em volta dos efeitos dos actos administrativos, efeitos
(negativos) esses que se pretende demonstrar que não ocorrem nos casos de
recursos hierárquicos necessários. Portanto, e em termos objectivos, o
particular nada sofre em que lhe seja imposta a via administrativa de
impugnação para que possa recorrer à via contenciosa, uma vez que se pretendia ab initio impugnar o acto, os efeitos
decorrentes da interposição do recurso hierárquico são os mesmos que os de
interposição de acção de impugnação contenciosa – pelo menos na sua pendência –
sendo aliás mais favorável a primeira, uma vez que implica um esforço económico
manifestamente inferior (desnecessidade de patrocínio judiciário) e a suspensão
da eficácia do acto.
Discordo
portanto do argumento apresentado por André
Salgado de Matos de que o recurso
hierárquico necessário “implica a inimpugnabilidade absoluta do acto
administrativo do subalterno” com base no facto do acto do superior hierárquico se tratar de
“uma mera confirmação que, nos termos gerais da teoria do acto administrativo,
não envolve uma consumpção do acto administrativo confirmado”, concluindo que o
acto do subalterno “não pode considerar-se sequer como mediatamente impugnável”[5].
Não se coloca em causa a validade jurídica do argumento, porém apenas uma visão
excessivamente teórica poderá negar que ao se impugnar o acto confirmativo do
superior hierárquico, não se está de igual forma a impugnar – pelo menos – os
efeitos decorrentes do acto do subalterno. É manifesto que tanto a validade
como a eficácia deste decorrem directamente da validade ou não daquele, aliás
sempre se poderá afirmar que o acto confirmativo do superior hierárquico é
integrativo da eficácia externa plena do acto do subalterno. Acresce que este
argumento, não pondera a possibilidade do acto do superior hierárquico ser o
deferimento do recurso – leia-se, a revogação do acto recorrido – caso no qual
a tutela mais do que suficiente dos direitos e interesses legalmente protegidos
do particular foi assegurada – ainda que não pela via jurisdicional, mas pela
via administrativa.
Mais,
não se afirme que o direito de acesso à justiça é violado pela preclusão do
direito a impugnar contenciosamente o acto uma vez decorrido o prazo para o
recurso hierárquico (30 dias pela regra geral do art.º 168.º, n.º 1 CPA), pois
se tal seria abstractamente verdade, o que se pode afirmar a titulo de solução,
é que não o seria se o legislador estabelecesse prazo igual ao da impugnação
contenciosa (3 meses, cfr. art.º 58.º, n.º 2 al. b) CPTA) para a impugnação
administrativa – medida que me parece facilmente adoptável nas próprias leis
avulsas. Neste caso se o particular pretendia a impugnação do acto contenciosamente,
tê-lo-ia feito no mesmo prazo a que se admite o recurso hierárquico, pelo que
não se pode afirmar que existe uma perda efectiva das garantias de defesa do
particular face à administração. A figura do recurso hierárquico necessário,
seria apenas, no plano temporal, um diferimento do direito de acesso à justiça
do particular, do qual aliás não decorrem quaisquer efeitos negativos,
observada a suspensão da eficácia do acto recorrido (art.º 170.º, n.º 1 CPA). O
particular que pretendesse ab initio
impugnar jurisdicionalmente o acto administrativo, sempre teria o ónus de
controlar o prazo dentro do qual tal diligência poderia ser requerida, pelo que
se pressupõe que tendo conhecimento deste, igualmente do prazo de recurso hierárquico
conheceria, para efeitos de interposição atempada, do mesmo.
A
garantia constitucional do direito a uma tutela
jurisdicional efectiva não implica necessariamente a consagração pelo
legislador ordinário da impugnabilidade imediata de todo e qualquer acto lesivo
de direito ou interesses legalmente protegidos[6].
Sigo portanto o argumento quase unânime na Jurisprudência e que alguns autores
apresentam, no sentido de afirmar que a Constituição não tem uma concreta
vocação para definir ou delimitar os pressupostos processuais das acções em
tribunais administrativos[7],
não parecendo ter fundamento bastante um argumento que da alteração do texto do
artigo 268.º, n.º 3 CRP, retire de forma directa, uma necessária alteração dos
pressupostos processuais exigíveis para a acção de impugnação de actos
administrativos. Mais não se trata do que a concretização, neste domínio
especifico, do entendimento geral de que, o legislador dispõe de uma ampla
margem de liberdade na conformação dos pressupostos de que depende o acesso à
justiça[8].
Assim
do ponto de vista constitucional, a consagração de recursos hierárquicos
necessários, não se poderia considerar mais do que um (mero) condicionamento[9],
por oposição a uma (efectiva) restrição, do direito de tutela jurisdicional efectiva (art.º 268.º, n.º 4 CRP). Para tanto
é sugestiva a noção de condicionamento, que se traduz «num requisito de
natureza cautelar de que se faz depender o exercício de algum direito, como a
prescrição de um prazo (para o seu exercício) ou de promoção de registo», pelo
que este «não reduz o âmbito do direito, apenas implica, umas vezes, uma
disciplina ou uma limitação da margem de liberdade do seu exercício, outras
vezes um ónus»[10]. Ora o
que mais se poderá considerar a interposição de recurso hierárquico e portanto
o esgotamento dos meios administrativos de impugnação, senão um ónus. Logo pode-se
afirmar que fica – de certa forma – enfraquecido o argumento de inconstitucionalidade
do recurso hierárquico por restrição do direito à tutela jurisdicional plena, parecendo aliás ser esta a conclusão do
Tribunal Constitucional ao afirmar que «a tutela jurisdicional efectiva dos
administrados não resulta, nem inviabilizada, nem sequer restringida pela
previsão de tal via hierárquica necessária, como meio de, em primeira linha,
tentar obter a satisfação do interesse do administrado pela revisão do acto
administrativo praticado pelo órgão subalterno da Administração, previamente
ao sempre assegurado recurso jurisdicional. Trata‑se, apenas, de um condicionamento
legítimo do direito de recurso contencioso, ficando sempre ressalvada a
garantia de tutela judicial em todos os casos concretos»[11],
donde a não «violação dos artigos 17.º e 18.º da Constituição (desde logo
porque, como vimos, a garantia do artigo 268.º, n.º 4, não é posta em causa,
mas apenas condicionada em obediência a interesses legítimos de unidade e eficácia
da acção administrativa)».
É
porém deduzido contra este argumento, o facto de um condicionamento não corresponder a algo menos grave que uma
restrição, diminuindo a dimensão jusfundamental do recurso hierárquico
necessário. Alega-se que a distinção
entre restrição e condicionamento corresponde a matéria exclusivamente
doutrinal, sem relevância para efeitos constitucionais, tendo em conta o escopo
geral de garantia dos direitos fundamentais do art.º 18.º CRP. Um condicionamento reclamaria, por isso, as
mesmas necessidades de protecção dos direitos fundamentais quanto uma
restrição, donde a aplicação do artigo 18.º CRP. No que à doutrina
constitucional contende, a distinção que os autores realizam a este respeito
demonstra inequivocamente a vontade de diferenciar, para efeitos de sujeição ao
regime de restrição de direitos, liberdades e garantias, as duas figuras em questão,
tanto que por vezes é feita uma distinção de várias outras figuras afins da
restrição, mas que com ela não se confundem, como sejam os limites, a regulamentação, a concretização legislativa, a
auto-ruptura da Constituição, o dever e a suspensão. Mais se afirma,
que o próprio Tribunal Constitucional, apoia esta visão pelo facto de submeter
à reserva de lei a criação de recursos hierárquicos necessários[12],
mas assim não o será, pois é este mesmo tribunal que repetidamente tem vindo a afirmar
que não vê nas actuais leis que consagram o recurso hierárquico necessário uma
concreta violação do art.º 268.º, n.º 2, nem do art.º 18.º ambos da CRP.
O
que por outro lado se verifica é que a distinção entre restrição e condicionamento
não implica, sempre, uma diferença de sujeição aos comandos do art.º 18 CRP. A
sujeição dos condicionamentos ao
regime de restrição de direitos, liberdades e garantias encontra posições
divergentes na doutrina, sendo que alguns autores referem que estes se
encontram plenamente sujeitos à totalidade deste regime mais rígido[13],
outros considerando porém que os condicionamentos
só parcialmente se reconduzem a verdadeiras restrições,
pelo que concluem pela aplicação , apenas parcial, do regime do art.º 18.º CRP
a estes[14].
Pela nossa parte, tomamos a segunda posição como prevalecente, pelo que os condicionamentos, neste caso o recurso
hierárquico necessário teria que respeitar, nomeadamente, a reserva de lei e o
princípio da proporcionalidade (na sua tripla vertente) imposta pelo art.º 18.º
CRP.
Pelo
que seria agora necessário perguntar de onde poderia derivar a restrição – se
assim a considerarmos – ,pelo recurso hierárquico necessário, ao direito à tutela jurisdicional efectiva e de
acesso à justiça, uma vez que o art.º 18.º, n.º 2 CRP apenas permite restrições
destes direitos «nos casos expressamente previstos na Constituição». Admite-se
que possam servir de base para esta restrição, dois princípios fundamentais da
organização administrativa com reflexo constitucional, o princípio hierárquico
(art.º 271.º e 199.º al. d) CRP) e o princípio da unidade da acção
administrativa (art.º 267.º, n.º 2 CRP). Em abstracto ambos os princípios
poderiam justificar a restrição do direito à tutela jurisdicional efectiva. O primeiro – princípio hierárquico –
nos casos em que se manifeste com maior intensidade, por forma a assegurar que
o superior hierárquico profira – quando necessário – a “última palavra” sobre
todas as decisões tomadas pelos subalternos, bem como por ser o superior
hierárquico o orgão funcionalmente mais competente e adequado para a aplicação
de penas disciplinares ou simplesmente para concluir da validade do acto e
consequentemente praticar o acto substitutivo devido. O segundo – princípio da
unidade da acção administrativa – por assegurar que a decisão final quanto a
certas matérias – e por extensão, que o controlo interno da legalidade – é
ainda tomada dentro da Administração Pública, uma vez que a impugnação
contenciosa deve-se já a um controlo jurisdicional e não administrativo. Ou
seja trata-se portanto da defesa de um controlo intra-administrativo que se
pretende manter no seio da Administração Pública. Dir-se-ia que estes
princípios não seriam contudo atendíveis uma vez que o art.º 18.º, n.º 2 CRP
refere que tais restrições teriam necessariamente que estar «expressamente
previstas» na Constituição, o que não se verificaria nos princípios pois
enquanto conjuntos sistematizados de soluções derivados de um conjunto de
normas não se podem considerar previstos expressamente na Constituição. Porém é
hoje posição maioritária na doutrina a conclusão de que as restrições não se
cingem só às explicitamente consagradas na Constituição, reconhecendo, os
autores, que necessariamente existem
restrições implícitas à Constituição «derivadas também elas da necessidade de
salvaguardar “outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos” e,
fundadas não já em preceitos, mas sim em princípios constitucionais»[15].
Pelo que poderiam estes princípios dar cobertura constitucional bastante para
que tal restrição ocorresse.
Tudo
considerado e em termos de conclusão, teremos agora que proceder a uma
ponderação abstracta da constitucionalidade das leis que posteriormente a
reforma do contencioso de 2003, venham a consagrar regimes de recurso
hierárquico necessário, para tal cumprindo a tarefa a que nos propusemos, de
harmonizar o direito a constituir. Enumeramos, portanto, os critérios que a
nosso ver teriam (ou deveriam) de ser respeitados para que as referidas leis
não incorressem em questões de constitucionalidade. Assim os respectivos
regimes teriam que cumulativamente:
-
Respeitar a reserva de lei, tal como
imposta pelo art.º 18.º, n.º 2, 1ª parte CRP, na sua dupla vertente de precedência de lei e reserva de densificação normativa. A
primeira implicaria que o recurso hierárquico necessário teria que ser
estabelecido por lei (art.º 112.º, n.º 1 CRP), seja da Assembleia da República
ou um decreto-lei autorizado do governo (art.º 198.º, n.º 1, al. b) CRP). A
segunda implicaria que o grau de densidade normativa, dos referidos regimes,
deveria ser o maior possível;
- Ser precedidos de uma concreta ponderação dos
direitos e interesses legal e constitucionalmente consagrados, de forma a que
pressuponham a salvaguarda de um ou alguns direitos ou princípios com reflexo
constitucional (art.º 18.º, n.º 2, in
fine). Neste âmbito seriam portanto relevantes as considerações acima
realizadas quanto aos princípios que aqui poderiam prevalecer, como o princípio
da hierarquia ou o princípio da unidade da acção administrativa;
- Manter o efeito suspensivo sobre os efeitos
do acto recorrido, como actualmente consagrado pelo art.º 170.º, n.º 1 CPA[16],
reforçando a sua aplicação nos casos regulados expressamente;
- Respeitar o princípio da proporcionalidade na
sua tripla vertente de adequação, necessidade e proporcionalidade stricto sensu, aquando da ponderação referida no
ponto anterior, sendo tal o alcance da 2ª parte do art.º 18.º, n.º 2 CRP[17].
Assim o recurso hierárquico será adequado se o orgão administrativo competente
para dele decidir estiver, pelas suas características e pelo âmbito da sua competência,
em condições de assegurar o exercício do poder de controlo nos termos
funcionalmente mais adequados e a uniformidade da actuação administrativa.
Será, este, também necessário na medida em que não exista outro meio menos
gravoso (no seio da administração) para assegurar que o superior hierárquico se
pronuncia em última instância sobre as decisões tomadas pelos subalternos, de
forma a poder exercer o já referido poder de controlo. Por último, este, será
razoável, caso as vantagens que ele representa para a prossecução dos
interesses/princípios que se pretendem fazer valer sejam mais valiosas que a
afectação que ele implica nos direitos fundamentais dos particulares;
- Consagre, a título conveniente, um prazo para
a interposição do recurso hierárquico necessário, igual ao que se encontra
estabelecido para as impugnações contenciosas, portanto de 3 meses (art.º 58.º,
n.º 2, al. b) CPTA), pelos motivos expostos supra;
- Concretize, a título conveniente, uma
compatibilização com o regime processual resultante dos artigos 51.º e
seguintes do CPTA, nos termos já debatidos supra.
Bibliografia:
De
necessário a útil: a metamorfose do recurso hierárquico no novo contencioso
administrativo, Vasco Pereira da Silva, in
Cadernos de Justiça Administrativa n.º 47.
Excepções
ao princípio da facultatividade das impugnações administrativas, Carlos Alberto
Fernandes Cadilha, in Cadernos de Justiça Administrativa n.º 85;
Recursos
hierárquicos necessários previstos em leis especiais: o recurso em matéria
disciplinar no âmbito da GNR, André Salgado de Matos, in Cadernos de Justiça
Administrativa n.º 87,
Manual
de Processo Administrativo, Mário Aroso de Almeida, Almedina, 2012
Direito
Administrativo Geral, Tomo III, Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de
Matos, Dom Quixote, 2009
A
Justiça Administrativa, José Vieira de Andrade, Almedina, 2012
[1] Neste sentido, Vasco Pereira da Silva, De
necessário a útil..., p.27
[3] Neste sentido, por exemplo, Ac. TC n.º
425/99.
[4] Em sentido contrário, andré Salgado de Matos, Recursos hierárquicos necessários previstos
em leis especiais..., p. 51
[5] Cfr. nota
anterior.
[7] Neste sentido, Mário Aroso de Almeida, Manual
de Processo Administrativo, pp. 303-304.
[8] Cfr. Jorge
Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada,
tomo III, p.614.
[9] Neste sentido, Vieira de Andrade, Em
defesa do recurso hierárquico, in Cadernos
de Justiça Administrativa, n.º 0, 1996, pp. 18-20. Em sentido contrário, andré Salgado de Matos, Recursos hierárquicos necessários previstos
em leis especiais..., nota de rodapé n.º 18.
[10] Cfr. Jorge
Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada,
tomo I, p.159.
[11] Cfr. Ac.
TC 564/2008, P. n.º 765/08.
[12] Cfr. Acs. TC n.º 161/99 de 10/3 e n.º
44/2003 de 29/1.
[13] Neste sentido, Jorge Reis Novais, As
restrições aos direitos fundamentais..., pp 227 e 247; e andré Salgado de Matos, Recursos hierárquicos necessários previstos
em leis especiais..., p. 54.
[14] Neste sentido, Jorge Miranda e Rui
Medeiros, Constituição da
República Portuguesa Anotada, tomo I, p.162, afirmando que «os princípios
ou subprincípios ligados a este carácter restritivo das restrições valem também
para os condicionamentos»; e demonstrando implicitamente tomar esta posição, Vieira de Andrade, Em defesa do recurso hierárquico, pp. 18-20.
[15] Cfr. Jorge
Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada,
tomo I, p.161. Neste sentido veja-se, igualmente, a obra de referência na
matéria, Jorge Reis Novais, As restrições aos direitos fundamentais não
expressamente autorizadas pela Constituição, em especial, pp. 569-602.
[16] Neste sentido, Jorge Miranda e Rui
Medeiros, Constituição da
República Portuguesa Anotada, tomo III, p.614.
[17] Neste sentido, Mário Aroso de Almeida, Manual
de Processo Administrativo, p. 304.
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