terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Processos urgentes de intimação


      Antes da 4.ª Revisão Constitucional, a Constituição de República Portuguesa (doravante CRP) era caracterizada pela inexistência de processos céleres e prioritários. Aquando da 4.ª Revisão, procurou-se colmatar essa lacuna que se traduziria na introdução de procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade em sede de protecção de direitos, liberdades e garantias. É deste assunto que se trata infra, aludindo às diferenças de protecção destes direitos, liberdades e garantias no confronto entre a CRP, maxime art. 20º n.º 5, e Código do Procedimento Administrativo (doravante CPTA), maxime art. 109º.

      O art. 20.º n.º 5 da CRP alude expressis verbis ao direito à tutela jurisdicional efectiva. Alude-se a que a tutela dos tribunais deve ser efectiva. O Princípio da Efectividade postula mormente o direito a uma decisão em prazo razoável – art 20 n.º 4 CRP -, e assume particular relevo em sede de protecção de direitos, liberdades e garantias. Este Princípio da Efectividade familiariza-se com uma compreensão unitária da relação entre direitos materiais e direitos processuais, direitos fundamentais e organização e processo de garantia.

      O preceito em análise, impõe a obrigatoriedade de processos caracterizados pela celeridade e prioridade relativamente a direitos, liberdades e garantias pessoais. Assim, impõe-se a formatação de alguns processos de forma a conseguir um vasto leque de acções ou recursos adequados à tutela efectiva de direitos, liberdades e garantias.

      O actual Contencioso Administrativo veio concretizar a exigência do art. 20.º n.º 5 da CRP no que toca à tutela efectiva a fim de evitar que muitas pretensões jurídico-administrativas perdessem o seu sentido, com o decurso do prazo. Assim, o legislador desdobrou-se em afirmar uma “justiça urgente” fundada em providências cautelares e processos principais.

      Como se referiu no post denominado “A prevenção contra a demora”, as providências cautelares diferem dos processos urgentes. As primeiras necessitam de uma decisão posterior. Os segundos decidem definitivamente o mérito da causa.

      Os processos urgentes são processos autónomos caracterizados por uma tramitação acelerada ou simplificada. Deles fazem parte: as impugnações urgentes e as intimações urgentes. Estas últimas resultam em dois tipos de condenações urgentes: para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões - art. 104.º e ss. CPTA - e para a protecção de direitos, liberdades e garantias - art. 109.º e ss. CPTA. É sobre este último que versa o texto em apreço.

      A principal diferença do regime Constitucional para o regime do Contencioso é que o legislador deste último foi mais generoso. Concretizando: o legislador do art. 109.º CPTA não restringe o âmbito de aplicação do mesmo aos direitos, liberdades e garantias pessoais. Os Profs. Vasco Pereira da Silva e Mário Aroso de Almeida insurgem-se contra uma interpretação restritiva do art. 109.º do CPTA referindo que o propósito do mesmo é não ficar aquém do preceituado no art. 20.º n.º 5 da Constituição. Assim, e segundo a maioria da doutrina o legislador administrativo foi além da Constituição e estendeu este meio processual aos direitos, liberdades e garantias pessoais e não pessoais. (Contra veja-se por exemplo o Acórdão (1ª Secção) de 18.11.2004, P.978/04, que faz uma interpretação restritiva do preceituado no art. 109.º do CPTA). Por força do art. 17.º CRP, denota-se que o regime dos direitos, liberdades e garantias se aplica aos direitos fundamentais de natureza análoga, assim, estes direitos fundamentais estão abrangidos no âmbito do art. 109.º do CPTA.

      A intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias é uma novidade absoluta do CPTA, dando um cunho subjectivista ao Contencioso Administrativo A intimação pretende salvaguardar o exercício de um direito, liberdade e garantia, em tempo útil e de forma definitiva e deverá ser utilizada quando a protecção que o particular requeira apenas seja possível mediante uma decisão, a título definitivo, do mérito da causa. Esta intimação urgente tanto pode ser utilizada para obter da Administração uma conduta positiva ou negativa como para obter a própria emissão de um acto administrativo, ou seja, este meio processual destina-se às situações em que seja necessário obter uma protecção célere e definitiva, face a qualquer tipo de ameaças, restrições ou violações provenientes de actuação ou omissão da Administração Pública ou de privados no exercício da função administrativa.

Competência do Tribunal para a intimação:

      A competência para a intimação pertence ao STA, quando a autoridade cuja intimação se requeira for uma das que se inclua na enumeração da al. a) do art. 24.º do ETAF. Nos restantes casos, a competência pertence aos tribunais administrativos de círculo.

Legitimidade para o pedido de intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias:

1.      Legitimidade activa: Titulares dos direitos, liberdades e garantias e Ministério Público sob a forma de acção popular;

 

2.      Legitimidade passiva: Órgão da Administração que esteja a pôr em causa aquele exercício e particulares art. 109.º n.º 2 CPTA.

 
Requisitos para a admissibilidade do pedido de intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias:

1.       que seja indispensável a obtenção urgente de uma decisão de mérito sobre a pretensão do particular. Afere-se deste requisito que os processos urgentes visam uma maior celeridade, assumindo o legislador o risco e o prejuízo que a mesma representa para a obtenção da prova e para a ponderação da questão. Essa celeridade baseia-se no sacrifício, em maior ou menos grau, de outros valores;

 

2.        que haja impossibilidade ou insuficiência de ser decretada uma providência cautelar, no âmbito de uma acção administrativa não urgente, seja comum ou especial nos termos do art. 131º CPTA. Afere-se do que foi exposto que a via normal de protecção de direitos fundamentais é a acção administrativa comum ou a acção administrativa especial, consequentemente a intimação é dotada de uma  natureza subsidiária. Cabe nesta sede explicitar se a natureza subsidiária da intimação é só face às providências cautelares nos termos do art. 131.º ou a todas e quaisquer providências cautelares orientadas para a defesa de certos direitos, liberdades e garantias. A Prof. Carla Amado Gomes afirma que a subsidiariedade subjacente ao art. 109.º é ampla, ou seja, a intimação é subsidiária face a todos os meios processuais de defesa de direitos, liberdades e garantias.

 
       Se os pressupostos supra referidos não se verificarem por ser possível recorrer ao decretamento de uma providência cautelar, deve proceder-se à convolação oficiosa num processo cautelar – art. 131.º CPTA.

      Aquando da tramitação, denota-se que se estabelecem diferentes prazos consoante o tipo de urgência no caso concreto. Nos termos do art. 110.º n.º 1 CPTA estão os casos de normal urgência. No art. 110.º n.º 3 CPTA constam os casos de maior complexidade, ex vi artigos da acção especial. As situações de especial urgência estão plasmadas no art. 111.º CPTA. Nestas situações encurta-se o prazo disposto no art. 110.º n.º 1 CPTA ou realiza-se uma audiência oral no prazo de quarenta e oito horas. Denota-se nestes artigos que os prazos são bastante reduzidos, reflectindo o carácter de urgência. Salienta-se ainda a faculdade do juiz encurtar os prazos quando reconheça a possibilidade de lesão eminente e irreversível do direito. 

      Em suma, o “novo” CPTA na esteira da CRP e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem pretendeu dar a resposta administrativa à solicitação de tutela de direitos ou interesses. Para tal, ofereceu um processo de tramitação célere e flexível de obter uma tutela para um direito fundamental, com julgamento em prazo que se considere razoável e denominou-o intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias.

 
Bibliografia:

ALMEIDA, Mário Aroso de, - O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª edição.2004;

ALMEIDA, Mário Aroso de, – Grandes linhas da Reforma do Contencioso Administrativo, 3ª edição, Almedina, 2004;

AMARAL, Diogo Freitas do, - Grandes linhas da Reforma do Contencioso Administrativo, 3ª edição, Almedina, 2004;

Intimação para a protecção de que direitos, liberdades e garantias?”, in Cadernos de Justiça Administrativa, nº 50

SILVA, Vasco Pereira da, - O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2ª edição, Almedina,2009;
Liliana de Castro, n.º 18219

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