Antes da 4.ª Revisão Constitucional, a Constituição de República
Portuguesa (doravante CRP) era caracterizada pela inexistência de processos
céleres e prioritários. Aquando da 4.ª Revisão, procurou-se colmatar essa
lacuna que se traduziria na introdução de procedimentos judiciais
caracterizados pela celeridade e prioridade em sede de protecção de direitos,
liberdades e garantias. É deste assunto que se trata infra, aludindo às diferenças de protecção destes direitos,
liberdades e garantias no confronto entre a CRP, maxime art. 20º n.º 5, e
Código do Procedimento Administrativo (doravante CPTA), maxime art. 109º.
O
art. 20.º n.º 5 da CRP alude expressis
verbis ao direito à tutela jurisdicional efectiva. Alude-se a que a tutela
dos tribunais deve ser efectiva. O Princípio da Efectividade postula mormente o
direito a uma decisão em prazo razoável – art 20 n.º 4 CRP -, e assume
particular relevo em sede de protecção de direitos, liberdades e garantias.
Este Princípio da Efectividade familiariza-se com uma compreensão unitária da
relação entre direitos materiais e direitos processuais, direitos fundamentais
e organização e processo de garantia.
O
preceito em análise, impõe a obrigatoriedade de processos caracterizados pela
celeridade e prioridade relativamente a direitos, liberdades e garantias
pessoais. Assim, impõe-se a formatação de alguns processos de forma a conseguir
um vasto leque de acções ou recursos adequados à tutela efectiva de direitos,
liberdades e garantias.
O
actual Contencioso Administrativo veio concretizar a exigência do art. 20.º n.º
5 da CRP no que toca à tutela efectiva a fim de evitar que muitas pretensões
jurídico-administrativas perdessem o seu sentido, com o decurso do prazo.
Assim, o legislador desdobrou-se em afirmar uma “justiça urgente” fundada em
providências cautelares e processos principais.
Como se referiu no post denominado “A prevenção contra a demora”, as
providências cautelares diferem dos processos urgentes. As primeiras necessitam
de uma decisão posterior. Os segundos decidem definitivamente o mérito da causa.
Os
processos urgentes são processos autónomos caracterizados por uma tramitação
acelerada ou simplificada. Deles fazem parte: as impugnações urgentes e as
intimações urgentes. Estas últimas resultam em dois tipos de condenações
urgentes: para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de
certidões - art. 104.º e ss. CPTA - e para a protecção de direitos, liberdades
e garantias - art. 109.º e ss. CPTA. É sobre este último que versa o texto em
apreço.
A
principal diferença do regime Constitucional para o regime do Contencioso é que
o legislador deste último foi mais generoso. Concretizando: o legislador do
art. 109.º CPTA não restringe o âmbito de aplicação do mesmo aos direitos,
liberdades e garantias pessoais. Os
Profs. Vasco Pereira da Silva e Mário Aroso de Almeida insurgem-se contra uma
interpretação restritiva do art. 109.º do CPTA referindo que o propósito do
mesmo é não ficar aquém do preceituado no art. 20.º n.º 5 da Constituição. Assim,
e segundo a maioria da doutrina o legislador administrativo foi além da
Constituição e estendeu este meio processual aos direitos, liberdades e
garantias pessoais e não pessoais. (Contra
veja-se por exemplo o Acórdão (1ª Secção) de 18.11.2004, P.978/04, que faz uma
interpretação restritiva do preceituado no art. 109.º do CPTA). Por força
do art. 17.º CRP, denota-se que o regime dos direitos, liberdades e garantias
se aplica aos direitos fundamentais de natureza análoga, assim, estes direitos
fundamentais estão abrangidos no âmbito do art. 109.º do CPTA.
A
intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias é uma novidade
absoluta do CPTA, dando um cunho subjectivista ao Contencioso Administrativo A
intimação pretende salvaguardar o exercício de um direito, liberdade e
garantia, em tempo útil e de forma definitiva e deverá ser utilizada quando a
protecção que o particular requeira apenas seja possível mediante uma decisão,
a título definitivo, do mérito da causa. Esta intimação urgente tanto pode ser
utilizada para obter da Administração uma conduta positiva ou negativa como
para obter a própria emissão de um acto administrativo, ou seja, este meio processual destina-se às situações em que
seja necessário obter uma protecção célere e definitiva, face a qualquer tipo
de ameaças, restrições ou violações provenientes de actuação ou omissão da
Administração Pública ou de privados no exercício da função administrativa.
Competência do
Tribunal para a intimação:
A
competência para a intimação pertence ao STA, quando a autoridade cuja
intimação se requeira for uma das que se inclua na enumeração da al. a) do art.
24.º do ETAF. Nos restantes casos, a competência pertence aos tribunais
administrativos de círculo.
Legitimidade para o
pedido de intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias:
1.
Legitimidade
activa: Titulares dos direitos, liberdades e garantias e Ministério Público sob
a forma de acção popular;
2.
Legitimidade
passiva: Órgão da Administração que esteja a pôr em causa aquele exercício e
particulares art. 109.º n.º 2 CPTA.
1.
que seja indispensável a obtenção urgente de uma decisão de mérito sobre
a pretensão do particular. Afere-se deste requisito que os processos urgentes
visam uma maior celeridade, assumindo o legislador o risco e o prejuízo que a
mesma representa para a obtenção da prova e para a ponderação da questão. Essa
celeridade baseia-se no sacrifício, em maior ou menos grau, de outros valores;
2.
que haja impossibilidade ou insuficiência de
ser decretada uma providência cautelar, no âmbito de uma acção administrativa
não urgente, seja comum ou especial nos termos do art. 131º CPTA. Afere-se do
que foi exposto que a via normal de protecção de direitos fundamentais é a
acção administrativa comum ou a acção administrativa especial, consequentemente
a intimação é dotada de uma natureza
subsidiária. Cabe nesta sede explicitar se a natureza subsidiária da intimação
é só face às providências cautelares nos termos do art. 131.º ou a todas e
quaisquer providências cautelares orientadas para a defesa de certos direitos,
liberdades e garantias. A Prof. Carla Amado Gomes afirma que a subsidiariedade
subjacente ao art. 109.º é ampla, ou seja, a intimação é subsidiária face a
todos os meios processuais de defesa de direitos, liberdades e garantias.
Aquando da tramitação, denota-se que se estabelecem diferentes prazos
consoante o tipo de urgência no caso concreto. Nos termos do art. 110.º n.º 1
CPTA estão os casos de normal urgência. No art. 110.º n.º 3 CPTA constam os
casos de maior complexidade, ex vi artigos da acção especial. As situações de
especial urgência estão plasmadas no art. 111.º CPTA. Nestas situações
encurta-se o prazo disposto no art. 110.º n.º 1 CPTA ou realiza-se uma
audiência oral no prazo de quarenta e oito horas. Denota-se nestes artigos que
os prazos são bastante reduzidos, reflectindo o carácter de urgência.
Salienta-se ainda a faculdade do juiz encurtar os prazos quando reconheça a
possibilidade de lesão eminente e irreversível do direito.
Em
suma, o “novo” CPTA na esteira da CRP e da Convenção Europeia dos Direitos do
Homem pretendeu dar a resposta administrativa à solicitação de tutela de
direitos ou interesses. Para tal, ofereceu um processo de tramitação célere e
flexível de obter uma tutela para um direito fundamental, com julgamento em
prazo que se considere razoável e denominou-o intimação para a protecção de
direitos, liberdades e garantias.
Bibliografia:
ALMEIDA, Mário Aroso de, - O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª edição.2004;
ALMEIDA, Mário Aroso de, - O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª edição.2004;
ALMEIDA, Mário Aroso de, – Grandes linhas da Reforma do Contencioso
Administrativo, 3ª edição, Almedina, 2004;
AMARAL, Diogo Freitas do, - Grandes linhas da Reforma do Contencioso
Administrativo, 3ª edição, Almedina, 2004;
“Intimação para a protecção de que
direitos, liberdades e garantias?”, in Cadernos de Justiça Administrativa,
nº 50
SILVA,
Vasco Pereira da, - O Contencioso
Administrativo no Divã da Psicanálise, 2ª edição, Almedina,2009;
Liliana de Castro, n.º 18219
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