terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Os recursos jurisdicionais no âmbito do direito administrativo



«O Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado que da garantia de acesso ao direito e aos tribunais, consagrada no artigo 20º, n.º 1, da Constituição, não decorre a garantia generalizada de um duplo grau de jurisdição»

Este excerto é retirado de um acórdão do Tribunal Constitucional, 3ª Secção, Acórdão 302/2005 de 8 Jun. 2005, Processo 107/05 que enumera outros tantos processos* que partilham da mesma interpretação da lei, pelo que seguramente se pode afirmar uma tendência na doutrina em afirmar que o princípio do duplo grau de jurisdição de mérito não é assegurado expressamente pela constituição, visto esta  não contém preceito expresso que consagre o direito ao recurso para um outro tribunal, nem em processo administrativo, nem em processo civil; e, em processo penal, só após a última revisão constitucional (constante da Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro), passou a incluir, no artigo 32º, a menção expressa ao recurso.
Contudo, o que a doutrina e a jurisprudência parecem ter vindo a afirmar até agora é que não se podendo generalizar este duplo grau de jurisdição, também não se deverá inviabilizar por completo o direito do particular de recorrer como garantia deste, sendo portanto, regulado pelo disposto na lei processual sem prejuízo do art. 140 CPTA no âmbito de processo administrativo.
Nesta linha, cabe fazer referência a uma delimitação negativa da lei quando se fala da admissibilidade de recurso referente a determinada decisão judicial, visto partir-se desde logo do pressuposto que as decisões que eventualmente poderão ser admitidas a recurso serão aquelas que em primeiro grau tenham conhecido o mérito da causa, nesta medida, as sentenças finais, as decisões arbitrais ou os despachos saneadores que conheçam o fundo da causa, tal como as decisões que julguem da procedência ou improcedência da excepções peremptórias. Relativamente à delimitação negativa supra referida,  releva desde logo  1) o art 679.º do CPC retira deste âmbito as decisões de mero expediente ou proferidas no uso legal de poder discricionário.  2) Não estão também sujeitas a recurso 3) as decisões proferidas em segunda instância(com a ressalva das sentenças do TCA que sejam sujeitas a revista),4) as decisões de decretamento provisório de providências cautelares para protecção de direitos, liberdades e garantias ou em 5) situações de especial urgência (131.º/5) e 6) as que decidam conflitos de atribuições entre órgãos administrativos [135º/2, alínea e)]  De igual importância será o mecanismo que 7) introduz uma alçada nos tribunais administrativos que eventualmente também será causa de exclusão do recurso.
Veja-se então como incide o regime especial dos arts. 140.º e seguintes do CPTA. O art. 141.º  trata de atribuir a legitimidade “a quem nela [decisão] tenha ficado vencida”, que segundo o Prof. Mário Aroso de Almeida será parte vencida, aquela a quem a decisão proferida causar certo prejuízo, ou melhor, se mostre desfavorável. Acrescente-se que se inclui no conceito as partes principais ou quem tenha sofridoprejuízo, ainda que seja parte acessória ou não seja parte de todo. Releva, neste âmbito a figura do Ministério Público que tem também legitimidade para interpor recurso quando esteja em causa a defesa da legalidade, como refere o Dr. José Carlos Vieira de Andrade.
<quanto ao efeito do recurso será suspensivo – art 143.º/1 do Cpta. No entanto, em sede de recursos de decisões proferidas em processos cautelares e na sequência de uma intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, o efeito será meramente devolutivo – art. 143.º/2 CPTA.
A lei admite no art.143.º/3 que numa situação em que se verifique periculum in mora  o tribunal possa atribuir efeito meramente devolutivo ao recurso, quando requerido pelo interessado. A lei prevê ainda que o tribunal proceda a uma ponderação de interesses de cada uma das partes , para num juízo prognóstico calcular se esse efeito devolutivo não vai também resultar em dano, tendo assim que recorrer a providencias que os evitam ou reduzam (art.143.º/4) ou simplesmente recusar o efeito meramente devolutivo (143.º/5)
O art. 144.º/1 e 2 por sua vez materializa este regime especial atribuindo um prazo de trinta dias para a interposição de qualquer recurso.
O art. 145.º prevê, segundo interpretação do STA que o despacho deve ser proferido pelo juiz a quo a seguir à secretaria receber o requerimento, e assim ser notificado em conjunto com a notificação para alegar prevista no nº1 deste mesmo art., isto é, a solução que o STA terá previsto para que não colida com o art 144.º/3, é que uma vez recebido, o requerimento deve notificar oficiosamente, o recorrido, para que este contra-alegue no prazo de trinta dias – art 145.º/1 CPTA. Só depois desta junção de contra-alegações tem lugar o despacho sobre a admissão do recurso.
 Posteriormente deverá ainda o Ministério publico pronunciar-se num prazo de 10 dias, quando estejam em causa os bens ou valores referidos no art. 9.º/2.
Nesta lógica, cabe ainda deixar aqui uma breve explicação sobre os tipos de recurso sendo que nem todos têm a mesma natureza, sendo que o processo administrativo distingue formalmente entre recursos ordinários  e recursos de revisão, contudo, face ao art 140.º ao duplo grau de jurisdição , o Douto Professor José Carlos Vieira de Andrade propõe que se distinga nestes termos:
1)     Recurso ordinário comum  - considerando-se aqui os recursos de apelação, que se concretizam nas decisões dos TACs que seguem para os TCA;
2)     Recurso ordinário especial – trata-se aqui do recurso de revista dos TACs para o STA per saltum. A ratio inspira-se no art 725.º do CPC, está em que funcione como um mecanismo que garanta uma resolução adequada quando estejam em causa grandes valores e se trate de questões de direito, conseguindo-se uma maior estabilidade  uma vez que se previne quanto ao tipo de recurso que se segue;

3)     Recursos ordinários excepcionais – O recurso em revista dos TCA para o STA e o recurso de uniformização de jurisprudência que segue para o Pleno STA. O fundamento tem de ser a violação da lei substantiva ou processual, está previsto no art 150.º e implica um terceiro grau de jurisdição, trata-se de uma excepção que só poderá ser admitida face a situações de importância fundamental, jurídica ou socialmente.
4)     Recurso extraordinário que será o recurso de revisão. Quanto aos fundamentos destes, o art. 155.º/2 remete para a lei processual, sendo o art 771.º do CPC que aqui releva com os devidos fundamentos. Admite ainda no 155.º/2 novo tipo de revisão que se apresenta como uma oposição de terceiro quando o fundamento seja na falta de citação de quem deva ser citado, ou na falta de oportunidade de intervenção  de quem tenha sofrido ou esteja em vias de sofrer a execução da sentença.

Bibliografia:
Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, Almedina, Coimbra, 2012
José Vieira de Andrade, A justiça Administrativa (Lições), Almedina, Coimbra, 2011
Teresa Violante, Os recursos jurisdicionais no novo contencioso administrativo, em O Direito, ano139(2007) IV, sob direcção do Professor Inocêncio Galvão Telles
Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentário ao código do Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, Coimbra

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