«O Tribunal
Constitucional tem reiteradamente afirmado que da garantia de acesso ao direito
e aos tribunais, consagrada no artigo 20º, n.º 1, da Constituição, não decorre
a garantia generalizada de um duplo grau de jurisdição»
Este excerto é
retirado de um acórdão do Tribunal Constitucional, 3ª Secção, Acórdão 302/2005
de 8 Jun. 2005, Processo 107/05 que enumera outros tantos processos* que
partilham da mesma interpretação da lei, pelo que seguramente se pode afirmar
uma tendência na doutrina em afirmar que o princípio do duplo grau de
jurisdição de mérito não é assegurado expressamente pela constituição, visto esta
não contém preceito expresso que
consagre o direito ao recurso para um outro tribunal, nem em processo
administrativo, nem em processo civil; e, em processo penal, só após a
última revisão constitucional (constante da Lei Constitucional n.º 1/97, de 20
de Setembro), passou a incluir, no artigo 32º, a menção expressa ao recurso.
Contudo,
o que a doutrina e a jurisprudência parecem ter vindo a afirmar até agora é que
não se podendo generalizar este duplo grau de jurisdição, também não se deverá
inviabilizar por completo o direito do particular de recorrer como garantia
deste, sendo portanto, regulado pelo disposto na lei processual sem prejuízo do
art. 140 CPTA no âmbito de processo administrativo.
Nesta
linha, cabe fazer referência a uma delimitação negativa da lei quando se fala
da admissibilidade de recurso referente a determinada decisão judicial, visto
partir-se desde logo do pressuposto que as decisões que eventualmente poderão
ser admitidas a recurso serão aquelas que em primeiro grau tenham conhecido o
mérito da causa, nesta medida, as sentenças finais, as decisões arbitrais ou os
despachos saneadores que conheçam o fundo da causa, tal como as decisões que
julguem da procedência ou improcedência da excepções peremptórias.
Relativamente à delimitação negativa supra
referida, releva desde logo 1) o art 679.º do CPC retira deste âmbito as
decisões de mero expediente ou proferidas no uso legal de poder
discricionário. 2) Não estão também
sujeitas a recurso 3) as decisões proferidas em segunda instância(com a
ressalva das sentenças do TCA que sejam sujeitas a revista),4) as decisões de
decretamento provisório de providências cautelares para protecção de direitos,
liberdades e garantias ou em 5) situações de especial urgência (131.º/5) e 6)
as que decidam conflitos de atribuições entre órgãos administrativos [135º/2,
alínea e)] De igual importância será o
mecanismo que 7) introduz uma alçada nos tribunais administrativos que eventualmente
também será causa de exclusão do recurso.
Veja-se
então como incide o regime especial dos arts.
140.º e seguintes do CPTA. O art. 141.º
trata de atribuir a legitimidade “a quem nela [decisão] tenha ficado
vencida”, que segundo o Prof. Mário Aroso de Almeida será parte vencida, aquela
a quem a decisão proferida causar certo prejuízo, ou melhor, se mostre
desfavorável. Acrescente-se que se inclui no conceito as partes principais ou
quem tenha sofridoprejuízo, ainda que seja parte acessória ou não seja parte de
todo. Releva, neste âmbito a figura do Ministério Público que tem também
legitimidade para interpor recurso quando esteja em causa a defesa da
legalidade, como refere o Dr. José Carlos Vieira de Andrade.
<quanto ao
efeito do recurso será suspensivo – art 143.º/1 do Cpta. No entanto, em sede de
recursos de decisões proferidas em processos cautelares e na sequência de uma
intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, o efeito será
meramente devolutivo – art. 143.º/2 CPTA.
A lei admite no
art.143.º/3 que numa situação em que se verifique periculum in mora o tribunal possa atribuir efeito meramente
devolutivo ao recurso, quando requerido pelo interessado. A lei prevê ainda que
o tribunal proceda a uma ponderação de interesses de cada uma das partes , para
num juízo prognóstico calcular se esse efeito devolutivo não vai também
resultar em dano, tendo assim que recorrer a providencias que os evitam ou
reduzam (art.143.º/4) ou simplesmente recusar o efeito meramente devolutivo
(143.º/5)
O art. 144.º/1 e
2 por sua vez materializa este regime especial atribuindo um prazo de trinta
dias para a interposição de qualquer recurso.
O art. 145.º
prevê, segundo interpretação do STA que o despacho deve ser proferido pelo juiz
a quo a seguir à secretaria receber o requerimento, e assim ser notificado em conjunto
com a notificação para alegar prevista no nº1 deste mesmo art., isto é, a
solução que o STA terá previsto para que não colida com o art 144.º/3, é que
uma vez recebido, o requerimento deve notificar oficiosamente, o recorrido,
para que este contra-alegue no prazo de trinta dias – art 145.º/1 CPTA. Só depois
desta junção de contra-alegações tem lugar o despacho sobre a admissão do
recurso.
Posteriormente deverá ainda o Ministério
publico pronunciar-se num prazo de 10 dias, quando estejam em causa os bens ou
valores referidos no art. 9.º/2.
Nesta lógica,
cabe ainda deixar aqui uma breve explicação sobre os tipos de recurso sendo que
nem todos têm a mesma natureza, sendo que o processo administrativo distingue formalmente
entre recursos ordinários e recursos de
revisão, contudo, face ao art 140.º ao duplo grau de jurisdição , o Douto
Professor José Carlos Vieira de Andrade propõe que se distinga nestes termos:
1) Recurso ordinário comum - considerando-se aqui os recursos de
apelação, que se concretizam nas decisões dos TACs que seguem para os TCA;
2) Recurso ordinário especial – trata-se
aqui do recurso de revista dos TACs para o STA per saltum. A ratio inspira-se no art 725.º do CPC, está em que
funcione como um mecanismo que garanta uma resolução adequada quando estejam em
causa grandes valores e se trate de questões de direito, conseguindo-se uma
maior estabilidade uma vez que se
previne quanto ao tipo de recurso que se segue;
3) Recursos ordinários excepcionais – O recurso
em revista dos TCA para o STA e o recurso de uniformização de jurisprudência
que segue para o Pleno STA. O fundamento tem de ser a violação da lei
substantiva ou processual, está previsto no art 150.º e implica um terceiro
grau de jurisdição, trata-se de uma excepção que só poderá ser admitida face a
situações de importância fundamental, jurídica ou socialmente.
4) Recurso extraordinário que será o
recurso de revisão. Quanto aos fundamentos destes, o art. 155.º/2 remete para a
lei processual, sendo o art 771.º do CPC que aqui releva com os devidos
fundamentos. Admite ainda no 155.º/2 novo tipo de revisão que se apresenta como
uma oposição de terceiro quando o fundamento seja na falta de citação de quem
deva ser citado, ou na falta de oportunidade de intervenção de quem tenha sofrido ou esteja em vias de
sofrer a execução da sentença.
Bibliografia:
Mário Aroso de
Almeida, Manual de Processo Administrativo, Almedina, Coimbra, 2012
José Vieira de
Andrade, A justiça Administrativa (Lições), Almedina, Coimbra, 2011
Teresa Violante,
Os recursos jurisdicionais no novo contencioso administrativo, em O Direito,
ano139(2007) IV, sob direcção do Professor Inocêncio Galvão Telles
Mário Aroso de
Almeida e Carlos Cadilha, Comentário ao código do Processo nos Tribunais
Administrativos, Almedina, Coimbra
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