O acórdão que agora se
analisa suscita uma interessante questão no tocante á legitimidade passiva.
Afigura-se por isso enriquecedor proceder aqui a um comentário aos acórdão em
geral, e aos argumentos invocados em particular. Ademais, na argumentação do
tribunal, são não poucas vezes referidos preceitos constitucionais, não fosse o
CAT a Constituição em acção.
O autor intentou acção
especial de impugnação de acto administrativo por entender que os actos legislativos
em causa (cinco Decretos-Lei) continham verdadeiros actos administrativos.
Deste modo, veio o autor pedir: i) A invalidação de actos administrativos
contidos em vários diplomas legais, dado que os comandos neles inseridos seriam
gerais e abstractos, logo estar-se-ia perante actos administrativos
(materialmente), ii) Condenação do réu a repor situação que se verificaria caso
tal acto não existisse.
Tendo sido interposto
recurso para o Tribunal Central Administrativo:
O autor refere que os
três ministérios (in casu, Ministério
da Defesa, Ministério das Finanças e Ministério do Trabalho) são os autores
materiais do citados diplomas. Assim, vem o autor alegar quando estejamos
perante actuação de entidade publica deve-se demandar a pessoa colectiva de direito
publico e que, no caso do estado, deve-se demandar os ministérios. No entender
do autor tal decorreria dos seguintes preceitos.
- art. 201/3.º CRP
- art. 38/3
Regulamento do Conselho de Ministros (Resolução 64/2006 de 18.5)
- art. 10.º CPTA
Argumenta ainda no
sentido de dizer que o réu seria parte legitima por força do art. 26.º CPC,
aplicável ex vi art. 1.º CPTA, dado
que há um efectivo prejuízo para decorrente da recontagem do tempo de carreira
e da possível variação salarial.
Deste modo, conclui o
autor pela legitimidade do réu.
Quanto ao STA:
Afirma em primeiro
lugar que os actos legislativos em causa (os cinco decretos-Lei) foram emanados
pelo Governo, aprovados pelo Conselho de Ministros e promulgados pelo
Presidente da República. Como tal, não seriam autores materiais dos citados
diplomas.
Os autores queriam a
impugnação dos actos administrativos, contidos em acto legislativo. Não
pretendiam – e podiam-no ter pretendido – impugnar os actos de execução dos
actos administrativos, possível á luz do disposto nos art. 46/2.º al. a) e art.
52.º CPTA.
Quem é o autor destes
Decretos-Lei (para efeitos de ser parte legitima em acção administrativa
especial de impugnação de acto administrativo)?
Para o STA o autor
legal “é, obviamente, o Governo”, através do Conselho de Ministros. Invocando
para tanto o art. 198.º e o art. 200/1.º al. d), ambos da CRP.
Sendo que o Conselho
de Ministros é um órgão colegial que integra o Primeiro Ministro, os vices
Primeiros e os Ministros.
O art. 10/2.º não se
aplicaria nesta situação dado que “não foi pensado para este tipo de situação”.
Parece-me que é pelo menos discutível que, na metodologia da interpretação de
preceitos jurídicos, a ratio da norma
(enquanto argumento teleológico) possa ser motivo bastante para por de parte
uma interpretação obtida por via do argumento semântico, por exemplo.
Também não seria de
aplicar o art. 10/4.º dado que neste preceito o legislador distingue claramente
entre órgão e ministério.
Vem depois dizer que
os ministérios jamais poderiam ser tidos como autores materiais, dado que o seu
autor é o Conselho de Ministros, à luz do art. 200/1.º al. d). Invoca alguma
jurisprudência que se tem pronunciado neste sentido.
Por isso, conclui o
STA que só poderia demandar o Estado, por ser Pessoa Colectiva Pública, sendo
que o autor dos DLs foi o Governo por via do Conselho de Ministros. No limite,
os ministérios poderiam considerar-se como contra-interessados (art. 57.º CPTA).
Parace-me que apenas o
Estado, enquanto pessoa colectiva que é, só ele poderia ser demandado.
Interessante, ainda que não tenha sido desenvolvida, é a questão de saber se os
ministérios em causa poderiam ser contra-interessados. À partida, parece que à
luz do disposto no art. 57.º CPTA os ministério dado que estes teriam interesse
na manutenção do acto impugnado. Ademais, não estão distantes da causa, antes
estão numa posição de grande proximidade. Proximidade essa que faz com que a
impugnação do acto acarrete prejuízos para os ministérios.
Escrito por David Reis
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