domingo, 16 de dezembro de 2012

Em torno da legitimidade dos Ministérios


O acórdão que agora se analisa suscita uma interessante questão no tocante á legitimidade passiva. Afigura-se por isso enriquecedor proceder aqui a um comentário aos acórdão em geral, e aos argumentos invocados em particular. Ademais, na argumentação do tribunal, são não poucas vezes referidos preceitos constitucionais, não fosse o CAT a Constituição em acção.
O autor intentou acção especial de impugnação de acto administrativo por entender que os actos legislativos em causa (cinco Decretos-Lei) continham verdadeiros actos administrativos. Deste modo, veio o autor pedir: i) A invalidação de actos administrativos contidos em vários diplomas legais, dado que os comandos neles inseridos seriam gerais e abstractos, logo estar-se-ia perante actos administrativos (materialmente), ii) Condenação do réu a repor situação que se verificaria caso tal acto não existisse.
Tendo sido interposto recurso para o Tribunal Central Administrativo:
O autor refere que os três ministérios (in casu, Ministério da Defesa, Ministério das Finanças e Ministério do Trabalho) são os autores materiais do citados diplomas. Assim, vem o autor alegar quando estejamos perante actuação de entidade publica deve-se demandar a pessoa colectiva de direito publico e que, no caso do estado, deve-se demandar os ministérios. No entender do autor tal decorreria dos seguintes preceitos.
- art. 201/3.º CRP
- art. 38/3 Regulamento do Conselho de Ministros (Resolução 64/2006 de 18.5)
- art. 10.º CPTA
Argumenta ainda no sentido de dizer que o réu seria parte legitima por força do art. 26.º CPC, aplicável ex vi art. 1.º CPTA, dado que há um efectivo prejuízo para decorrente da recontagem do tempo de carreira e da possível variação salarial.
Deste modo, conclui o autor pela legitimidade do réu.
Quanto ao STA:
Afirma em primeiro lugar que os actos legislativos em causa (os cinco decretos-Lei) foram emanados pelo Governo, aprovados pelo Conselho de Ministros e promulgados pelo Presidente da República. Como tal, não seriam autores materiais dos citados diplomas.
Os autores queriam a impugnação dos actos administrativos, contidos em acto legislativo. Não pretendiam – e podiam-no ter pretendido – impugnar os actos de execução dos actos administrativos, possível á luz do disposto nos art. 46/2.º al. a) e art. 52.º CPTA.

Quem é o autor destes Decretos-Lei (para efeitos de ser parte legitima em acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo)?

Para o STA o autor legal “é, obviamente, o Governo”, através do Conselho de Ministros. Invocando para tanto o art. 198.º e o art. 200/1.º al. d), ambos da CRP.
Sendo que o Conselho de Ministros é um órgão colegial que integra o Primeiro Ministro, os vices Primeiros e os Ministros.
O art. 10/2.º não se aplicaria nesta situação dado que “não foi pensado para este tipo de situação”. Parece-me que é pelo menos discutível que, na metodologia da interpretação de preceitos jurídicos, a ratio da norma (enquanto argumento teleológico) possa ser motivo bastante para por de parte uma interpretação obtida por via do argumento semântico, por exemplo.
Também não seria de aplicar o art. 10/4.º dado que neste preceito o legislador distingue claramente entre órgão e ministério.
Vem depois dizer que os ministérios jamais poderiam ser tidos como autores materiais, dado que o seu autor é o Conselho de Ministros, à luz do art. 200/1.º al. d). Invoca alguma jurisprudência que se tem pronunciado neste sentido.
Por isso, conclui o STA que só poderia demandar o Estado, por ser Pessoa Colectiva Pública, sendo que o autor dos DLs foi o Governo por via do Conselho de Ministros. No limite, os ministérios poderiam considerar-se como contra-interessados (art. 57.º CPTA).
Parace-me que apenas o Estado, enquanto pessoa colectiva que é, só ele poderia ser demandado. Interessante, ainda que não tenha sido desenvolvida, é a questão de saber se os ministérios em causa poderiam ser contra-interessados. À partida, parece que à luz do disposto no art. 57.º CPTA os ministério dado que estes teriam interesse na manutenção do acto impugnado. Ademais, não estão distantes da causa, antes estão numa posição de grande proximidade. Proximidade essa que faz com que a impugnação do acto acarrete prejuízos para os ministérios.


Escrito por David Reis

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