A Actuação contratual da Administração Pública
Anteriormente, a actuação
contratual da Administração Pública tinha dificuldade em conciliar a ideia de
consenso com a utilização de poder pela Administração. Actualmente, esta ideia
está ultrapassada, uma vez que a contratualização ganhou grande importância na
actuação da Administração Pública.
A utilização de formas
contratuais por parte da Administração Pública pode manifestar-se através de
contratos administrativos, (em que a Administração Pública é dotada de poderes
de autoridade) ou de contratos de direito privado (em que há uma equiparação
aos contratos celebrados entre privados). O professor Vasco Pereira da Silva
fala de uma autêntica “esquizofrenia” quanto a esta dualidade de conceito de
“contrato público” adoptado pelo actual Código da Contratação Pública (D.L. n.º
18/2008). Se por um lado se tenta uniformizar, simplificar a tipologia e a
tramitação dos procedimentos pré-contratuais, por outro lado o próprio código
no seu art. 1º, n.º 1 mantém a dualidade entre os contratos administrativos e
outros contratos da administração. Porém, a estrutura adoptada pela ETAF
(Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais) que no seu art. 4º
estabelece uma cláusula geral de longo alcance, que combinada com a enumeração
exemplificativa das alíneas a) a n) consagra a competência dos tribunais
administrativos para todas as ligações jurídicas correspondentes ao exercício
da função administrativa. A adopção destes critérios permite abrir os tribunais
administrativos às novas realidades da moderna actuação administrativa, como as
diversas formas de “contratos públicos”. O professor Vasco Pereira da Silva, em
tom de brincadeira, refere que esta cláusula tão ampla do art. 4º do ETAF lhe
lembra os tempos de infância onde todas as crianças recebiam uma medalha. Ou
seja, todos os contratos correspondentes ao exercício da função administrativa
cabem neste artigo, uma vez que os critérios utilizados no mesmo se sucedem e
se sobrepõem. O professor diz ser necessária a existência de regimes
contratuais diferentes no seio da Administração Pública, consoante as funções
exercidas.
Assim a mudança para uma
dogmática contratual administrativa permite uma maior participação dos
particulares no procedimento administrativo, o que não deixa de ser uma maior
preocupação e garantia de que todos os interesses envolvidos são devidamente
ponderados na decisão administrativa. O resultado será uma decisão
administrativa mais eficaz e correcta e, consequentemente, mais facilmente
aceite pelos seus destinatários.
Problemas com a celebração de contratos com privados
A celebração de contratos com
privados contém o problema de saber o que acontece caso estes derroguem normas
legais já existentes, ou caso o contrato se estenda a particulares não
aderentes do contrato em causa.
Derrogação de normas legais:
O princípio da legalidade tem
duas vertentes. A vertente negativa que expressa a prevalência da lei e a
vertente positiva expressa na precedência de lei. Actualmente, com o Estado
Social, o princípio da legalidade passa a ter uma formulação positiva,
funcionando enquanto fundamento, critério e limite de toda a actuação da
Administração.
A generalização da forma
contratual por parte da Administração traz uma maior eficácia na realização de
certos fins públicos, e por outro lado, a desvantagem de uma eventual fuga aos
controlos a que está sujeita a Administração Pública. Deste modo, surge um
confronto entre os princípios da constitucionalidade, legalidade e tipicidade
dos actos normativos e os da eficácia, participação e tutela da confiança dos
particulares. Por um lado, poderíamos afastar a admissibilidade da celebração
de contratos privados pela Administração que derrogassem normas legais, pela
prevalência do princípio da constitucionalidade, legalidade e tipicidade. A
limitação da celebração dos contratos só aos casos que entrassem na livre
margem de apreciação da Administração seria uma das possíveis soluções. Outra
hipótese será de se considerarem admissíveis os contratos que, apesar de se
afastarem dos limites legais, sejam susceptíveis de encontrar cabimento na
previsão legislativa. Ou seja, que não se conduza a uma situação de fraude à
Constituição ou à lei, nem ponha em causa os princípios da actuação
administrativa, como o da igualdade, proporcionalidade ou imparcialidade. Esta
última hipótese só será possível se se entender que a finalidade do art. 112º,
n.º 6, da Constituição é evitar “fugas à hierarquia dos actos normativos” e que
os contratos privados celebrados pela Administração Pública não têm essa
finalidade, sendo antes mecanismos de concertação de aplicação da lei nos termos
que ela própria estabelece.
É indispensável que se concilie
estes princípios através da sua flexibilização e de uma maior fiscalização da
actuação da Administração, de modo a que a prossecução dos fins públicos se
torne mais eficaz, independentemente da forma de actuação desta e do tipo de
contratos em causa.
Em suma, a celebração de
contratos com os particulares, não só é viável, como possível. Garante-se a
diminuição dos deveres e funções do Estado, permitindo-se a intervenção dos
particulares, que são os principais interessados na boa prossecução dos interesses
públicos.
Bibliografia:
SILVA, Vasco Pereira da, “ Em Busca do Acto Administrativo
Perdido”, Almedina, Coimbra, 1996
SILVA, Vasco Pereira da, “ O
Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Ensaio sobre as acções no
novo processo administrativo”, 2.º Edição, Almedina, Coimbra, 2009
Vanessa Jacinto, nº 17814
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