domingo, 2 de dezembro de 2012

Princípios do CPTA e os seus corolários, no considerando pela Reforma Administrativa



Os principais traços identificativos do CPTA resultam, em grande parte, do conjunto dos princípios fundamentais que encontramos logo nos seus primeiros artigos. São estes: o princípio da tutela jurisdicional efectiva, o princípio da plena jurisdição dos tribunais administrativos, o princípio da livre cumulação de pedidos, princípio da igualdade das partes, princípio da promoção do processo, princípio da simplificação da estrutura dos meios processuais, princípio da flexibilidade do objecto do processo e princípio da agilização processual. O presente trabalho pretende elaborar um pouco mais a concretização destes princípios, em consonância com a última Reforma Administrativa.

O primeiro princípio é o princípio da tutela jurisdicional efectiva, art.2º, que, em cumprimento da CRP, introduz no contencioso administrativo a máxima do processo civil de que “a cada direito corresponde uma acção”, querendo por isto dizer que todo o direito ou interesse legalmente protegido encontra na jurisdição administrativa a tutela adequada.
Esta ideia tem por base três noções.
A primeira está relacionada com a disposição do contencioso administrativo, para aqueles que se lhe dirigem, das formas processuais adequadas para fazerem valer as suas pretensões e obterem, em prazo razoável, uma decisão que sobre elas se pronuncie com força de caso julgado, coincidindo isto com o plano da tutela declarativa.
No plano declarativo, o princípio da tutela jurisdicional efectiva, supõe que todo o tipo de pedidos podem ser deduzidos e todo o tipo de pronúncias judiciais podem ser emitidas no âmbito da jurisdição administrativa, que deixa, assim, de ser uma jurisdição com poderes limitados. Como temos, a título exemplificativo, os casos dos arts.2º/2 e 37º/2 CPTA – que, note-se, não tipificam os meios processuais.
Por outro lado, quem se dirige à jurisdição administrativa em busca de tutela jurisdicional pode ter necessidade de obter do tribunal a adopção de providências destinadas a acautelar o efeito útil da decisão judicial durante todo o tempo em que o processo declarativo estiver pendente, sendo este o plano da tutela cautelar. Este princípio supõe que todo o tipo de providências, no plano cautelar, podem ser pedidas e concedidas na jurisdição administrativa, sempre que a sua adopção se considere necessária para garantir a utilidade da decisão a proferir no processo principal. Também aqui se procura acabar com a jurisdição limitada da Administração, circunscrita a um número restrito de providências cautelares, sabendo-se da relevância desta matéria uma vez que, sem uma tutela cautelar efectiva, não podem existir uma tutela declarativa e uma tutela executiva eficazes.
Por ultimo, o contencioso administrativo coloca à disposição de quem tenha obtido uma decisão jurisdicional com força de caso julgado as formas processuais adequadas para fazer valer essa decisão e obter a sua execução, ou seja, a sua materialização no campo dos factos, e, assim, no plano da tutela executiva.

Intimamente ligado com o princípio da tutela jurisdicional efectiva, e com ele relacionado, surge então o princípio da plena jurisdição dos tribunais administrativos, art.3º CTPA. Antes limitados os tribunais administrativos essencialmente aos poderes de anulação ou declaração de nulidade de actos administrativos e de condenação ao pagamento de indemnizações, surgem recentemente os esforços do CPTA para reforçar os poderes dos tribunais administrativos, no plano executivo e declarativo, não pondo isto em causa os espaços autónomos de decisão próprios da Administração, que o CPTA, em múltiplos preceitos, salvaguarda.
O reforço dos tribunais administrativos concretiza-se, primeiramente, no âmbito dos poderes de pronúncia que são atribuídos aos tribunais administrativos no plano declarativo. O que pressupõe que, na sua dupla dimensão, esses poderes podem ser exercidos: em sede dos processos principais, em que são proferidas as decisões sobre o mérito das causas; e no âmbito dos processos cautelares, em que são decretadas providencias destinadas a acautelar a utilidade das suas decisões a proferir nos processos principais.
No que diz respeito aos poderes de pronuncia nos processos principais, o CPTA põe termo à dualidade de meios processuais, substituindo-a por uma dualidade de regimes quanto ao tipo de pronúncias judiciais que passam a ser proferidas pelos tribunais administrativos quanto ao tipo de normas emanadas no exercício da função administrativa, independentemente da fonte.
O primeiro tipo de pronúncia será a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral, art.76º, inspirado no art.282º da CRP, 73º e 77º, introduzido inovatoriamente com a mais recente Reforma, e à luz do art.283º da CRP. No plano dos poderes de condenação que são conferidos aos tribunais administrativos, reveste-se de especial importância o poder de condenarem a Administração à prática de actos administrativos ilegalmente omitidos ou recusados, que o Código regula nos arts. 66º e ss.. O CPTA confere ainda aos tribunais administrativos, em termos gerais, no art. 3º/2, o poder de fixarem oficiosamente, quando sejam chamados a condenar a Administração, o prazo dentro do qual os deveres impostos devem ser cumpridos e de aplicarem, quando for caso disso, sanções pecuniárias compulsórias, nos termos do art. 169º, destinadas a assegurar o cumprimento desses deveres. Este último poder reveste-se de especial importância por concretizar a via mais eficaz para tentar coagir a Administração a cumprir as suas obrigações, no sentido da atribuição ao juiz administrativo do poder de impor aos titulares de órgãos administrativos o pagamento de sanções pecuniárias compulsórias.
Apesar de os tribunais administrativos já poderem conceder providências cautelares não especificadas, na prática, a tutela cautelar no contencioso administrativo português centrou-se maioritariamente na suspensão da eficácia de actos administrativos. O CPTA estabelece nesta matéria, no art. 112º, que os tribunais administrativos passam a poder adoptar toda e qualquer providência cautelar, antecipatória ou conservatória, que se mostre adequada a assegurar a utilidade da sentença a proferir em processo principal, como consagra o próprio art. 268º/4 da CRP, atribuindo-se um amplo leque de pretensões substantivas que, no novo contencioso administrativo, os particulares passam a poder accionar a título principal, contra os poderes públicos.
Finalmente, o CPTA reforça os poderes dos tribunais administrativos no plano das execuções das decisões que proferem. Assim, no novo sistema, os tribunais administrativos passam a dispor do poder de adoptarem verdadeiras providências de execução das suas decisões. Neste sentido dispõe o art. 3º/3 ao determinar que os tribunais asseguram a execução das suas decisões, designadamente das que proferem contra a Administração, através da concretização do que nelas foi determinado ou, quando for caso disso, através da emissão da mesma sentença destinada a produzir os efeitos de acto administrativo ilegalmente omitido ou recusado. O CPTA concretiza ainda, no título VIII, relativo à tutela executiva, as providencias que os tribunais passam a poder adoptar para assegurar a execução das suas decisões.

Reveste-se do maior relevo, no quadro da reforma do contencioso administrativo, a consagração do princípio da livre cumulação de pedidos, art.4º, considerado corolário do princípio da tutela jurisdicional efectiva.
A possibilidade de se proceder à cumulação de pedidos no âmbito de um mesmo processo, eliminando a necessidade de ir lançando mão de sucessivos meios processuais para fazer valer as pretensões todas elas relativas a uma mesma relação jurídica material, é um importante instrumento de simplificação do acesso à justiça, e assim, de efectivação da plena tutela jurisdicional.
A possibilidade de cumulação de pedidos é proporcionada pela alteração do quadro das competências dos tribunais administrativos, que, retirando ao Tribunal Central Administrativo e ao Supremo Tribunal Administrativo quase todas as competências que lhes eram atribuídas para decidir em primeiro grau de jurisdição, faz convergir nos tribunais administrativos de circulo, a competência para julgar, em primeira instancia, quase todo o tipo de pretensões. Como resulta dos preceitos que, no CPTA, se reportam à possibilidade de cumulação de pedidos, designadamente os arts. 4º/2 e 47/1, 2 e 4, o fenómeno pode assumir múltiplas configurações. Estes arts são meramente exemplificativos, destinados apenas a ilustrar os mais representativos e eventualmente mais frequentes casos de cumulação que poderão surgir. Decisivos para determinar a validade da cumulação são os critérios gerais do art. 4º/1 e 47º/4.Relevante é também o art. 5º ao determinar que o facto de certas pretensões deverem ser deduzidas em processo destinado a seguir os tramites da acção administrativa comum e outras no âmbito de processo sujeito à forma da acção administrativa especial não obsta, pois, à cumulação.
Nos termos dos mais significativos casos de cumulação, é provável que, na pratica, se assista a uma natural tendência para, nos processos de impugnação de actos administrativos e de condenação à prática de actos devidos, serem cumulados o pedido de indemnização pelos danos causados pelo acto ou pela recusa ou omissão ilegais e, eventualmente, de condenação da Administração à reconstituição da situação que deveria existir se o acto, a recusa ou a omissão não tivessem existido. Associados a um pedido dirigido ao reconhecimento da ilegalidade, serão, assim, deduzidos pedidos fundados nesse reconhecimento, portanto, pedidos que visam conseguir consequências desse reconhecimento. É o caso do pedido de indemnização por danos ou de reconstituição da situação hipotética que seja deduzido no próprio processo impugnatório em que se pede a anulação de um acto administrativo. Mas também pode ser o caso do pedido de reconstituição da situação do interessado, apoiado no pedido de condenação à prática de um acto administrativo ilegalmente recusado ou omitido.

Já no que diz respeito ao princípio da igualdade das partes, em grande medida reconhecido na jurisdição administrativa, é consagrado no art. 6º com o alcance especifico de abolir a prática tradicional de que as entidades publicas não podiam ser objecto de sanções no contencioso administrativo, em especial por litigância de má fé. Por outro lado também se inspira na ideia de igualdade entre as partes, com consequências previsíveis sobre o grau da litigiosidade promovida pelas entidades públicas, sobretudo em via de recurso das decisões proferidas em primeira instância, a sujeição das entidades publicas à obrigação de pagar custas, consagrada no art. 189º do CPTA, ficando a sua concretização apenas dependente daquela que se considera necessária revisão do regime das custas na jurisdição administrativa e fiscal.

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