Os principais
traços identificativos do CPTA resultam, em grande parte, do conjunto dos
princípios fundamentais que encontramos logo nos seus primeiros artigos. São
estes: o princípio da tutela jurisdicional efectiva, o princípio da plena
jurisdição dos tribunais administrativos, o princípio da livre cumulação de
pedidos, princípio da igualdade das partes, princípio da promoção do processo,
princípio da simplificação da estrutura dos meios processuais, princípio da
flexibilidade do objecto do processo e princípio da agilização processual. O
presente trabalho pretende elaborar um pouco mais a concretização destes
princípios, em consonância com a última Reforma Administrativa.
O primeiro
princípio é o princípio da tutela jurisdicional efectiva, art.2º, que,
em cumprimento da CRP, introduz no contencioso administrativo a máxima do
processo civil de que “a cada direito corresponde uma acção”, querendo por isto
dizer que todo o direito ou interesse legalmente protegido encontra na
jurisdição administrativa a tutela adequada.
Esta ideia tem
por base três noções.
A primeira
está relacionada com a disposição do contencioso administrativo, para aqueles
que se lhe dirigem, das formas processuais adequadas para fazerem valer as suas
pretensões e obterem, em prazo razoável, uma decisão que sobre elas se
pronuncie com força de caso julgado, coincidindo isto com o plano da tutela
declarativa.
No plano
declarativo, o princípio da tutela jurisdicional efectiva, supõe que todo o
tipo de pedidos podem ser deduzidos e todo o tipo de pronúncias judiciais podem
ser emitidas no âmbito da jurisdição administrativa, que deixa, assim, de ser
uma jurisdição com poderes limitados. Como temos, a título exemplificativo, os
casos dos arts.2º/2 e 37º/2 CPTA – que, note-se, não tipificam os meios
processuais.
Por outro
lado, quem se dirige à jurisdição administrativa em busca de tutela
jurisdicional pode ter necessidade de obter do tribunal a adopção de
providências destinadas a acautelar o efeito útil da decisão judicial durante
todo o tempo em que o processo declarativo estiver pendente, sendo este o plano
da tutela cautelar. Este princípio supõe que todo o tipo de providências, no
plano cautelar, podem ser pedidas e concedidas na jurisdição administrativa,
sempre que a sua adopção se considere necessária para garantir a utilidade da decisão
a proferir no processo principal. Também aqui se procura acabar com a
jurisdição limitada da Administração, circunscrita a um número restrito de
providências cautelares, sabendo-se da relevância desta matéria uma vez que,
sem uma tutela cautelar efectiva, não podem existir uma tutela declarativa e
uma tutela executiva eficazes.
Por ultimo, o
contencioso administrativo coloca à disposição de quem tenha obtido uma decisão
jurisdicional com força de caso julgado as formas processuais adequadas para
fazer valer essa decisão e obter a sua execução, ou seja, a sua materialização
no campo dos factos, e, assim, no plano da tutela executiva.
Intimamente
ligado com o princípio da tutela jurisdicional efectiva, e com ele relacionado,
surge então o princípio da plena jurisdição dos tribunais administrativos,
art.3º CTPA. Antes limitados os tribunais administrativos essencialmente aos
poderes de anulação ou declaração de nulidade de actos administrativos e de condenação
ao pagamento de indemnizações, surgem recentemente os esforços do CPTA para
reforçar os poderes dos tribunais administrativos, no plano executivo e
declarativo, não pondo isto em causa os espaços autónomos de decisão próprios
da Administração, que o CPTA, em múltiplos preceitos, salvaguarda.
O reforço dos
tribunais administrativos concretiza-se, primeiramente, no âmbito dos poderes
de pronúncia que são atribuídos aos tribunais administrativos no plano declarativo.
O que pressupõe que, na sua dupla dimensão, esses poderes podem ser exercidos:
em sede dos processos principais, em que são proferidas as decisões sobre o
mérito das causas; e no âmbito dos processos cautelares, em que são decretadas
providencias destinadas a acautelar a utilidade das suas decisões a proferir
nos processos principais.
No que diz
respeito aos poderes de pronuncia nos processos principais, o CPTA põe termo à
dualidade de meios processuais, substituindo-a por uma dualidade de regimes quanto
ao tipo de pronúncias judiciais que passam a ser proferidas pelos tribunais
administrativos quanto ao tipo de normas emanadas no exercício da função
administrativa, independentemente da fonte.
O primeiro
tipo de pronúncia será a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral,
art.76º, inspirado no art.282º da CRP, 73º e 77º, introduzido inovatoriamente
com a mais recente Reforma, e à luz do art.283º da CRP. No plano dos poderes de
condenação que são conferidos aos tribunais administrativos, reveste-se de
especial importância o poder de condenarem a Administração à prática de actos
administrativos ilegalmente omitidos ou recusados, que o Código regula nos
arts. 66º e ss.. O CPTA confere ainda aos tribunais administrativos, em termos
gerais, no art. 3º/2, o poder de fixarem oficiosamente, quando sejam chamados a
condenar a Administração, o prazo dentro do qual os deveres impostos devem ser
cumpridos e de aplicarem, quando for caso disso, sanções pecuniárias
compulsórias, nos termos do art. 169º, destinadas a assegurar o cumprimento
desses deveres. Este último poder reveste-se de especial importância por
concretizar a via mais eficaz para tentar coagir a Administração a cumprir as
suas obrigações, no sentido da atribuição ao juiz administrativo do poder de
impor aos titulares de órgãos administrativos o pagamento de sanções
pecuniárias compulsórias.
Apesar de os
tribunais administrativos já poderem conceder providências cautelares não
especificadas, na prática, a tutela cautelar no contencioso administrativo
português centrou-se maioritariamente na suspensão da eficácia de actos
administrativos. O CPTA estabelece nesta matéria, no art. 112º, que os
tribunais administrativos passam a poder adoptar toda e qualquer providência
cautelar, antecipatória ou conservatória, que se mostre adequada a assegurar a
utilidade da sentença a proferir em processo principal, como consagra o próprio
art. 268º/4 da CRP, atribuindo-se um amplo leque de pretensões substantivas
que, no novo contencioso administrativo, os particulares passam a poder
accionar a título principal, contra os poderes públicos.
Finalmente, o
CPTA reforça os poderes dos tribunais administrativos no plano das execuções
das decisões que proferem. Assim, no novo sistema, os tribunais administrativos
passam a dispor do poder de adoptarem verdadeiras providências de execução das
suas decisões. Neste sentido dispõe o art. 3º/3 ao determinar que os tribunais
asseguram a execução das suas decisões, designadamente das que proferem contra
a Administração, através da concretização do que nelas foi determinado ou,
quando for caso disso, através da emissão da mesma sentença destinada a
produzir os efeitos de acto administrativo ilegalmente omitido ou recusado. O
CPTA concretiza ainda, no título VIII, relativo à tutela executiva, as
providencias que os tribunais passam a poder adoptar para assegurar a execução
das suas decisões.
Reveste-se do
maior relevo, no quadro da reforma do contencioso administrativo, a consagração
do princípio da livre cumulação de pedidos, art.4º, considerado
corolário do princípio da tutela jurisdicional efectiva.
A
possibilidade de se proceder à cumulação de pedidos no âmbito de um mesmo
processo, eliminando a necessidade de ir lançando mão de sucessivos meios
processuais para fazer valer as pretensões todas elas relativas a uma mesma
relação jurídica material, é um importante instrumento de simplificação do
acesso à justiça, e assim, de efectivação da plena tutela jurisdicional.
A
possibilidade de cumulação de pedidos é proporcionada pela alteração do quadro
das competências dos tribunais administrativos, que, retirando ao Tribunal
Central Administrativo e ao Supremo Tribunal Administrativo quase todas as
competências que lhes eram atribuídas para decidir em primeiro grau de
jurisdição, faz convergir nos tribunais administrativos de circulo, a
competência para julgar, em primeira instancia, quase todo o tipo de
pretensões. Como resulta dos preceitos que, no CPTA, se reportam à
possibilidade de cumulação de pedidos, designadamente os arts. 4º/2 e 47/1, 2 e
4, o fenómeno pode assumir múltiplas configurações. Estes arts são meramente
exemplificativos, destinados apenas a ilustrar os mais representativos e
eventualmente mais frequentes casos de cumulação que poderão surgir. Decisivos
para determinar a validade da cumulação são os critérios gerais do art. 4º/1 e
47º/4.Relevante é também o art. 5º ao determinar que o facto de certas
pretensões deverem ser deduzidas em processo destinado a seguir os tramites da
acção administrativa comum e outras no âmbito de processo sujeito à forma da
acção administrativa especial não obsta, pois, à cumulação.
Nos termos dos
mais significativos casos de cumulação, é provável que, na pratica, se assista
a uma natural tendência para, nos processos de impugnação de actos
administrativos e de condenação à prática de actos devidos, serem cumulados o
pedido de indemnização pelos danos causados pelo acto ou pela recusa ou omissão
ilegais e, eventualmente, de condenação da Administração à reconstituição da
situação que deveria existir se o acto, a recusa ou a omissão não tivessem
existido. Associados a um pedido dirigido ao reconhecimento da ilegalidade,
serão, assim, deduzidos pedidos fundados nesse reconhecimento, portanto,
pedidos que visam conseguir consequências desse reconhecimento. É o caso do
pedido de indemnização por danos ou de reconstituição da situação hipotética que
seja deduzido no próprio processo impugnatório em que se pede a anulação de um
acto administrativo. Mas também pode ser o caso do pedido de reconstituição da
situação do interessado, apoiado no pedido de condenação à prática de um acto
administrativo ilegalmente recusado ou omitido.
Já no que diz
respeito ao princípio da igualdade das partes, em grande medida
reconhecido na jurisdição administrativa, é consagrado no art. 6º com o alcance
especifico de abolir a prática tradicional de que as entidades publicas não
podiam ser objecto de sanções no contencioso administrativo, em especial por
litigância de má fé. Por outro lado também se inspira na ideia de igualdade
entre as partes, com consequências previsíveis sobre o grau da litigiosidade
promovida pelas entidades públicas, sobretudo em via de recurso das decisões
proferidas em primeira instância, a sujeição das entidades publicas à obrigação
de pagar custas, consagrada no art. 189º do CPTA, ficando a sua concretização
apenas dependente daquela que se considera necessária revisão do regime das
custas na jurisdição administrativa e fiscal.
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