Breves
considerações sobre o art.100º do CPTA
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I.
O art.100 do CPTA consagra uma nova figura processual no âmbito dos processos
urgentes previstos no título IV e respeitando concretamente a impugnações
urgentes do capítulo I. Este mecanismo está destinado a regular impugnações de
actos administrativos relativos à formação de contratos que estejam sujeitos a
um procedimento pré-contratual previsto no Código dos Contratos Públicos e por
outro lado à impugnação de normas que integrem o caderno de encargos, o
programa ou qualquer outro documento conformador do procedimento
pré-contratual, conforme previsto nos números 1 e 2 do referido art.100º.
II.A
presente análise visa tratar o âmbito objectivo da norma em análise e não
realizar uma referencia exaustiva dos pressupostos processuais e da tramitação
deste meio processual urgente, pretende-se perceber qual a ratio do preceito e os princípios subjacentes à sua elaboração.
III. No
inicio da exposição não pode deixar de ser referida a necessidade de realizar
um estudo em paralelo do regime processual do CPTA e do regime substantivo do
CCP, note-se que as matérias integrantes do art.100º dizem respeito a contratos
públicos sujeitos a um regime pré-contratual cujas especificidades estão
reguladas nesse mesmo CCP.
IV. Face
ao objecto desta análise diga-se desde já que o art.100º do CPTA se insere numa
secção falaciosa, a referência a “contencioso pré-contratual” pode levar o intérprete
a fazer conclusões demasiado amplas tendo em conta o regime restritivo da acção
em causa, o âmbito material não consagra todos os contratos que estão sujeitos
a um regime pré-contratual do CCP, apenas estão abrangidos os contratos de
empreitada de obras públicas, concessão de obras públicas, prestação de
serviços e fornecimento de bens. É necessária uma leitura e interpretação
restritiva de “contencioso pré-contratual”, sendo que o contrato de concessão
de serviços públicos não cabe na letra da lei. Assim sendo, estamos perante um
direito substantivo que difere do direito processual e é necessária uma
reflexão crítica para perceber as consequências práticas.
V. O
procedimento pré-contratual surge por exigências da União Europeia é o
resultado de uma consagração de transposição de directivas, designadamente a
directiva 92/50/CEE, 93/36/CEE e 93/37/CEE. Assim, o CPTA segue na previsão do
art.100º face ao seu âmbito material a previsão destas directivas mas o CCP
apresenta um leque de contratos mais alargado. Existe uma desarmonia
legislativa que origina dificuldades práticas, ora se o regime substantivo é
mais amplo consequentemente não existe uma tutela jurisdicional efectiva de
todos os contratos neste mecanismo procedimental. Esta desprotecção não é
absoluta, pode recorrer-se aos meios processuais normais para todo o regime
contratual, contudo fica vedada esta protecção para obtenção de uma decisão de
mérito da causa de cariz urgente.
VI.
Sabendo agora que um dos supostos motivos usados pelo legislador para consagrar
este elenco de contratos foi o seguimento de um critério comunitário e a
consequente transposição de directivas, tenta-se perceber se os contratos em
causa gozam de alguma especificidade ou particularidade para os fazer ter um
tratamento dotado de especialidade e tornar esta acção não um contencioso
pré-contratual mas um “contencioso pré-contratual especial”. Tendo em conta que
os contratos que estão no art.100º se referem, regra geral a contratos de
elevado valor parece que foi esse outro dos critérios seguidos, contudo não se
pode deixar de considerar que este pensamento não é rigoroso.
VII. O interesse público
parece estar na base do pensamento legislativo e nesta consagração restritiva,
considera-se que apensas estes contratos podem por em causa o interesse público
dada a sua importância e exige-se uma rápida estabilização dos procedimentos
pré-contratuais e consequentemente uma execução do contrato célere, a administração
tem um particular interesse em celebrar estes contratos e não pode esperar que
o particular suscite um meio processual “comum ” e que decorra o processo e o
contrato não se execute. A administração tem um interesse directo em defender
um processo contratual que preze pela segurança jurídica mas não pode deixar de
permitir que o particular defenda os seus direitos a nível de garantias
contenciosas. VIII. Ponderando o interesse publico e o interesse do particular o legislador consagra um mecanismo célere e eficiente para resolver as questões pré-contratuais e fá-lo a titulo obrigatório e não facultativo como se pensou em tempos, assim se está em causa uma questão da formação pré-contratual o único meio a utilizar é a acção do art.100º, questão unânime na jurisprudência administrativa.
IX. O
regime em causa é dotado de celeridade na tramitação e o prazo para intentar a
referida acção também é curto, sendo apenas um mês conforme disposto no art.101º,
com isto não se considera que exista uma desprotecção do particular sendo que o
particular em causa tem que ter uma especial prudência pois os contratos em
questão de tamanha importância para o interesse público, exigem um particular
prudente e diligente para suscitar questões face ao procedimento em sede
contenciosa para que a execução do mesmo ocorra sem interrupções e suspensões
devido a litígios referentes a questões anteriores, no caso a validade e
legalidade do concurso público e das demais formalidades pré-contratuais.
Refira-se que este particular em causa não corresponde à concepção tradicional
de particular, enquanto cidadão comum e individual sendo que face ao objecto
dos contratos e às especificidades subjacentes se exige um particular de outra
categoria técnica e empresarial, sem prejuízo de existirem excepções.
X. Pode
ser posto em causa um principio consagrado constitucionalmente e também em sede
de relações administrativas, o principio da igualdade entre as contratações
publicas sendo que os particulares que contratam com a administração no âmbito
dos contratos referidos no art.100º têm uma clara vantagem na tutela
jurisdicional efectiva, podem recorrer ao contencioso pré-contratual para
suscitar questões referentes a actos procedimentais e impugnar o caderno de encargos
ou o programa enquanto que um particular que está sujeito a um regime
pré-contratual de um contrato de concessão de serviços públicos não o pode
fazer, fica claramente prejudicado pois não pode suscitar ilegalidades através
de um regime processual autónomo e definitivo.
XI. Face ao exposto face ao objecto
da acção contenciosa pré-contratual verifica-se que existe um duplo critério, o
critério amplo de contratos sujeitos a procedimentos pré-contratuais em sede de
CCP e o critério restritivo do CPTA, pensa-se que faria sentido uma interpretação
sistemática e abranger também os contratos de concessão de serviços públicos,
embora seja contrária à posição defendida pelo professor Mário Aroso de Almeida
e também pela jurisprudência, veja-se as considerações do Tribunal Central
Administrativo Norte de 2011(http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/0d0d0efa0504957a80257987003ee0e5?OpenDocument)
“ I. O meio contencioso previsto
nos arts. 100.º e segs. do CPTA apenas é aplicável, é-o imperativamente,
relativamente à impugnação dos actos praticados no âmbito dos procedimentos
concursais relativos à formação do elenco dos tipos contratuais enunciados no
n.º 1 do citado preceito em decorrência da imposição da UE no quadro das
denominadas “Directivas Recursos”, porquanto quanto aos demais tipos
contratuais ali não previstos os respectivos actos pré-contratuais praticados
no âmbito dos respectivos procedimentos concursais estarão sujeitos ao regime
geral da acção administrativa especial (art. 46.º, n.º 3 CPTA).
II. Nessa medida não se enquadra
no âmbito da impugnação urgente dos arts. 100.º e segs. do CPTA o contencioso
relativo à formação dos contratos de concessão de serviços públicos visto
este não se mostrar abrangido pelo âmbito de aplicação das referidas
Directivas, sendo que está igualmente afastado do quadro da Directiva n.º 93/38
III. O processo cautelar previsto no art. 132.º
do CPTA mostra-se como o idóneo e adequado para, em sede cautelar, assegurar a
tutela das situações que se prendam com a própria impugnação das normas
concursais e enquanto meio dependente da acção principal a instaurar [acção
administrativa especial - arts. 46.º e segs. CPTA - ou impugnação urgente
pré-contratual - art. 100.º CPTA], não havendo lugar à aplicação do processo
cautelar previsto no art. 130.º do CPTA para obtenção de tutela nessa sede
quanto a impugnações de normas concursais emitidas no quadro de processos de
formação de contratos.”
XI. Apesar do decidido
neste acórdão e o disposto na letra da lei, considera-se que a melhor posição é
a de Vieira de Andrade que refere a utilidade do alargamento do escopo da norma
e propõe uma interpretação sistemática, abrangendo todos os contratos previstos
no CCP. O meio processual é urgente, permite uma decisão célere e uma melhor
prossecução do interesse publico na medida em que a contratação não é suspensa
designadamente a execução contratual por motivos prévios à própria realização do
contrato, o particular suscita todas as questões que se prendem com o mecanismo
de pré-contratação num prazo considerado razoável tendo em conta um critério de
razoabilidade e diligência especial que lhe é exigível enquanto contratante
público no âmbito de contratos de particular e especial interesse para o
interesse público, originando um meio processual que passa de contencioso
pré-contratual a “contencioso
pré-contratual especial.
Ana Filipa Urbano nº19469
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