quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

“Contencioso pré-contratual especial”


Breves considerações sobre o art.100º do CPTA

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I. O art.100 do CPTA consagra uma nova figura processual no âmbito dos processos urgentes previstos no título IV e respeitando concretamente a impugnações urgentes do capítulo I. Este mecanismo está destinado a regular impugnações de actos administrativos relativos à formação de contratos que estejam sujeitos a um procedimento pré-contratual previsto no Código dos Contratos Públicos e por outro lado à impugnação de normas que integrem o caderno de encargos, o programa ou qualquer outro documento conformador do procedimento pré-contratual, conforme previsto nos números 1 e 2 do referido art.100º.

II.A presente análise visa tratar o âmbito objectivo da norma em análise e não realizar uma referencia exaustiva dos pressupostos processuais e da tramitação deste meio processual urgente, pretende-se perceber qual a ratio do preceito e os princípios subjacentes à sua elaboração.

III. No inicio da exposição não pode deixar de ser referida a necessidade de realizar um estudo em paralelo do regime processual do CPTA e do regime substantivo do CCP, note-se que as matérias integrantes do art.100º dizem respeito a contratos públicos sujeitos a um regime pré-contratual cujas especificidades estão reguladas nesse mesmo CCP.

IV. Face ao objecto desta análise diga-se desde já que o art.100º do CPTA se insere numa secção falaciosa, a referência a “contencioso pré-contratual” pode levar o intérprete a fazer conclusões demasiado amplas tendo em conta o regime restritivo da acção em causa, o âmbito material não consagra todos os contratos que estão sujeitos a um regime pré-contratual do CCP, apenas estão abrangidos os contratos de empreitada de obras públicas, concessão de obras públicas, prestação de serviços e fornecimento de bens. É necessária uma leitura e interpretação restritiva de “contencioso pré-contratual”, sendo que o contrato de concessão de serviços públicos não cabe na letra da lei. Assim sendo, estamos perante um direito substantivo que difere do direito processual e é necessária uma reflexão crítica para perceber as consequências práticas.

V. O procedimento pré-contratual surge por exigências da União Europeia é o resultado de uma consagração de transposição de directivas, designadamente a directiva 92/50/CEE, 93/36/CEE e 93/37/CEE. Assim, o CPTA segue na previsão do art.100º face ao seu âmbito material a previsão destas directivas mas o CCP apresenta um leque de contratos mais alargado. Existe uma desarmonia legislativa que origina dificuldades práticas, ora se o regime substantivo é mais amplo consequentemente não existe uma tutela jurisdicional efectiva de todos os contratos neste mecanismo procedimental. Esta desprotecção não é absoluta, pode recorrer-se aos meios processuais normais para todo o regime contratual, contudo fica vedada esta protecção para obtenção de uma decisão de mérito da causa de cariz urgente.

VI. Sabendo agora que um dos supostos motivos usados pelo legislador para consagrar este elenco de contratos foi o seguimento de um critério comunitário e a consequente transposição de directivas, tenta-se perceber se os contratos em causa gozam de alguma especificidade ou particularidade para os fazer ter um tratamento dotado de especialidade e tornar esta acção não um contencioso pré-contratual mas um “contencioso pré-contratual especial”. Tendo em conta que os contratos que estão no art.100º se referem, regra geral a contratos de elevado valor parece que foi esse outro dos critérios seguidos, contudo não se pode deixar de considerar que este pensamento não é rigoroso.
VII. O interesse público parece estar na base do pensamento legislativo e nesta consagração restritiva, considera-se que apensas estes contratos podem por em causa o interesse público dada a sua importância e exige-se uma rápida estabilização dos procedimentos pré-contratuais e consequentemente uma execução do contrato célere, a administração tem um particular interesse em celebrar estes contratos e não pode esperar que o particular suscite um meio processual “comum ” e que decorra o processo e o contrato não se execute. A administração tem um interesse directo em defender um processo contratual que preze pela segurança jurídica mas não pode deixar de permitir que o particular defenda os seus direitos a nível de garantias contenciosas.

VIII. Ponderando o interesse publico e o interesse do particular o legislador consagra um mecanismo célere e eficiente para resolver as questões pré-contratuais e fá-lo a titulo obrigatório e não facultativo como se pensou em tempos, assim se está em causa uma questão da formação pré-contratual o único meio a utilizar é a acção do art.100º, questão unânime na jurisprudência administrativa.


IX. O regime em causa é dotado de celeridade na tramitação e o prazo para intentar a referida acção também é curto, sendo apenas um mês conforme disposto no art.101º, com isto não se considera que exista uma desprotecção do particular sendo que o particular em causa tem que ter uma especial prudência pois os contratos em questão de tamanha importância para o interesse público, exigem um particular prudente e diligente para suscitar questões face ao procedimento em sede contenciosa para que a execução do mesmo ocorra sem interrupções e suspensões devido a litígios referentes a questões anteriores, no caso a validade e legalidade do concurso público e das demais formalidades pré-contratuais. Refira-se que este particular em causa não corresponde à concepção tradicional de particular, enquanto cidadão comum e individual sendo que face ao objecto dos contratos e às especificidades subjacentes se exige um particular de outra categoria técnica e empresarial, sem prejuízo de existirem excepções.

X. Pode ser posto em causa um principio consagrado constitucionalmente e também em sede de relações administrativas, o principio da igualdade entre as contratações publicas sendo que os particulares que contratam com a administração no âmbito dos contratos referidos no art.100º têm uma clara vantagem na tutela jurisdicional efectiva, podem recorrer ao contencioso pré-contratual para suscitar questões referentes a actos procedimentais e impugnar o caderno de encargos ou o programa enquanto que um particular que está sujeito a um regime pré-contratual de um contrato de concessão de serviços públicos não o pode fazer, fica claramente prejudicado pois não pode suscitar ilegalidades através de um regime processual autónomo e definitivo.

XI. Face ao exposto face ao objecto da acção contenciosa pré-contratual verifica-se que existe um duplo critério, o critério amplo de contratos sujeitos a procedimentos pré-contratuais em sede de CCP e o critério restritivo do CPTA, pensa-se que faria sentido uma interpretação sistemática e abranger também os contratos de concessão de serviços públicos, embora seja contrária à posição defendida pelo professor Mário Aroso de Almeida e também pela jurisprudência, veja-se as considerações do Tribunal Central Administrativo Norte de 2011(http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/0d0d0efa0504957a80257987003ee0e5?OpenDocument)

“ I. O meio contencioso previsto nos arts. 100.º e segs. do CPTA apenas é aplicável, é-o imperativamente, relativamente à impugnação dos actos praticados no âmbito dos procedimentos concursais relativos à formação do elenco dos tipos contratuais enunciados no n.º 1 do citado preceito em decorrência da imposição da UE no quadro das denominadas “Directivas Recursos”, porquanto quanto aos demais tipos contratuais ali não previstos os respectivos actos pré-contratuais praticados no âmbito dos respectivos procedimentos concursais estarão sujeitos ao regime geral da acção administrativa especial (art. 46.º, n.º 3 CPTA).


II. Nessa medida não se enquadra no âmbito da impugnação urgente dos arts. 100.º e segs. do CPTA o contencioso relativo à formação dos contratos de concessão de serviços públicos visto este não se mostrar abrangido pelo âmbito de aplicação das referidas Directivas, sendo que está igualmente afastado do quadro da Directiva n.º 93/38
III. O processo cautelar previsto no art. 132.º do CPTA mostra-se como o idóneo e adequado para, em sede cautelar, assegurar a tutela das situações que se prendam com a própria impugnação das normas concursais e enquanto meio dependente da acção principal a instaurar [acção administrativa especial - arts. 46.º e segs. CPTA - ou impugnação urgente pré-contratual - art. 100.º CPTA], não havendo lugar à aplicação do processo cautelar previsto no art. 130.º do CPTA para obtenção de tutela nessa sede quanto a impugnações de normas concursais emitidas no quadro de processos de formação de contratos.”


XI. Apesar do decidido neste acórdão e o disposto na letra da lei, considera-se que a melhor posição é a de Vieira de Andrade que refere a utilidade do alargamento do escopo da norma e propõe uma interpretação sistemática, abrangendo todos os contratos previstos no CCP. O meio processual é urgente, permite uma decisão célere e uma melhor prossecução do interesse publico na medida em que a contratação não é suspensa designadamente a execução contratual por motivos prévios à própria realização do contrato, o particular suscita todas as questões que se prendem com o mecanismo de pré-contratação num prazo considerado razoável tendo em conta um critério de razoabilidade e diligência especial que lhe é exigível enquanto contratante público no âmbito de contratos de particular e especial interesse para o interesse público, originando um meio processual que passa de contencioso pré-contratual a “contencioso pré-contratual especial.

Ana Filipa Urbano nº19469

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