quarta-feira, 19 de dezembro de 2012


As acções de condenação à abstenção de comportamentos – o interesse processual

O presente trabalho debruçar-se-á sobre o art.º 37, n.º 2, al. c) do Código de Processo nos Tribunais administrativos - daqui em diante CPTA – referente à dedução de pretensões preventivas dirigidas à omissão de perturbações ilegais, e desta forma, à imposição de deveres de abstenção[1].
Observe-se que estamos perante casos de ameaça de lesão, neste sentido só perante uma situação de fundado receio se pode utilizar esta acção. Desta forma, cabe explicar a possível falta de interesse processual, dado que a necessidade da tutela da situação em causa não é evidente, como à partida seria se a lesão na esfera jurídica do particular fosse consumada. Por esta ordem de ideias deve o particular demonstrar a existência de uma situação de potencial risco, para deste modo convencer o tribunal de que a certeza da verificação de danos é eminente, justificando desta forma a necessidade duma actuação preventiva, com o propósito de assegurar que estes não se venham a verificar.
Esta necessidade de recorrer ao contencioso administrativo observar-se-á também quando o autor quer evitar a repetição de um acto em que a mera revogação não assegure com certeza bastante que a Administração não o voltará a praticar. Justifica-se aqui uma cumulação de pedidos de impugnação do acto de condenação à abstenção de o voltar a praticar. Desta forma constituirá necessidade processual, a remoção da situação de incerteza de acordo com os motivos preponderantes que surgiram pela forte probabilidade de emissão do acto.
Mário Aroso de almeida, na esteira da doutrina Alemã, considera que a condenação da Administração à não prática de um acto administrativo tem de depender de um interesse processual tal como qualificado pelo particular. O mesmo autor afirma ainda que existe interesse processual qualificado quando o acto administrativo seja de molde a causar, logo que praticado, danos irreversíveis, sendo que uma reação a posteriori só dificilmente se apresenta capaz de os remover completamente, como quando os efeitos do acto se esgotem num curto prazo, ou quando exista o risco/certeza de que o acto será objeto de execução material imediata.
Define-se o interesse em agir como imediata vantagem, conveniência ou utilidade na declaração judicial e é constituído pelo interesse da parte activa em demandar para obter tutela judicial de uma situação ou direito subjetivo através de um determinado meio judicial e o correspondente interesse da parte passiva em impedir a concretização dessa mesma tutela.
Importa para a aferição do interesse processual a verificação se o meio processual utilizado é o adequado para obter a tutela pretendida, não existindo um outro meio de atingir o fim pretendido - poder-se-á justificar a tutela preventiva, por exemplo, cautelar.
Rui Lanceiro discorda desta qualificação do interesse processual neste caso, uma vez que para ser considerado como qualificado teria de existir um termo de comparação e assim um denominado interesse “simples”, o que não parece acontecer. Aqui trata-se, pura e simplesmente, de aferir se existe uma vantagem ou utilidade imediata na declaração judicial ou se não, estabelecendo-se se as características desta utilidade estão ou não presentes. Não parece fazer sentido, fazer depender a existência de interesse processual da ponderação da possibilidade de recurso a uma eventual reação a posteriori, tornando-a subsidiária face à impugnação do acto. Não serão só esses os casos em que haverá interesse processual, e tal interpretação do CPTA não parece ser a correcta; seria equipará-lo à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias - sendo claro que tal não foi a intenção do legislador.
A doutrina tem vindo a propôr a aplicação analógica do art.º 39 às acções de condenação à abstenção de comportamentos pela Administração, pelo que poderão ser deduzidos pedidos de condenação à abstenção de comportamentos por quem invoque utilidade ou vantagem imediata, para si, na declaração judicial pretendida, designadamente por existir uma situação de incerteza de ilegítima (e ilegal) atuação da Administração, ou de fundado receio de que a mesma venha a actuar de forma lesiva baseada numa incorreta ou ilegal avaliação da situação jurídica em causa.
As acções ditas mandamentais
Atendendo ao disposto no art. 37.º, nº 2, c) do CPTA, seguem a forma de ação administrativa comum os processos que tenham por objeto litígios relativos a condenação à adoção ou abstenção de comportamentos, designadamente a condenação da Administração à não emissão de um ato administrativo, quando seja provável a emissão de um acto lesivo.
Esta acção constituiu uma novidade no contencioso administrativo em Portugal, visto que antes da Reforma, a proteção judicial dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos dependia da prévia prática de um acto ou actuação lesiva, e só depois disso é que os lesados podiam recorrer a vias de tutela judicial.
Trata-se da dedução de pretensões preventivas uma vez que a lei prevê uma acção principal que tutela os cidadãos antes da atuação administrativa potencialmente lesiva, antecipando a tutela judicial, de forma a garantir a sua efetividade.
Pretende-se impedir a ocorrência de factos lesivos ilícitos, através da emissão de uma ordem judicial no sentido de obrigar a Administração a se abster de um comportamento, podendo este consistir, por exemplo, na prática de um ato administrativo, na emissão de uma norma, na execução de operações materiais, ou numa qualquer actuação informal.
É chamada de acção mandamental uma vez que o juiz, se a julgar procedente, decretará uma sentença que constituirá uma verdadeira ordem, obrigando o demandado a adotar uma conduta futura julgada devida. Distingue-se de uma condenação à prestação de fato ou coisa porque nestas o autor requer a adoção imediata de uma determinada conduta. Estas acções estão previstas especialmente com o intuito de reagir contra uma ameaça de lesão ilegítima de direitos absolutos, como os de propriedade, personalidade e direitos fundamentais. Se o comportamento tiver um conteúdo positivo, de adoção, tratar-se-á de uma sentença impositiva, se o conteúdo for antes negativo, de abstenção ou omissão, teremos uma sentença inibitória.
Não esquecer, no entanto, que estando em causa um direito, liberdade ou garantia, e se a situação revestir um carácter de especial urgência quanto à decisão do tribunal sobre o fundo da matéria, o interessado terá de recorrer à intimação do art.º 109 do CPTA que por se tratar de um processo especial, preferirá à ação administrativa comum.
Também deverá ser adequada uma proteção preventiva, a título definitivo e não meramente provisório e cautelar, evitando o risco de efeitos imediatos irreversíveis, caso contrário melhor será requerer o decretamento de uma providência cautelar (arts. 112.º e seguintes), não obstante poderem ser conjugadas as duas ações, não existindo, como na intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, uma carácter subsidiário face à tutela cautelar.
Por último referir que Vieira de Andrade considera que esta tutela preventiva, pela sua disfuncionalidade num sistema de administração executiva, pode interferir no exercício normal da função administrativa e como tal deverá ser de utilização restrita e subsidiária, admissível apenas em função da inadequação ou, quanto muito, da impossibilidade ou deficiência da tutela própria dos particulares através da acção administrativa especial de impugnação perante o acto que venha a ser praticado.
Tomás Maia


[1] Segundo Mário Aroso de almeida dirigem-se primariamente à obtenção de uma tutela inibitória.

Sem comentários:

Enviar um comentário