As acções de condenação à abstenção
de comportamentos – o interesse processual
O
presente trabalho debruçar-se-á sobre o art.º 37, n.º 2, al. c) do Código de
Processo nos Tribunais administrativos - daqui em diante CPTA – referente à
dedução de pretensões preventivas dirigidas à omissão de perturbações ilegais,
e desta forma, à imposição de deveres de abstenção[1].
Observe-se
que estamos perante casos de ameaça de lesão, neste sentido só perante uma
situação de fundado receio se pode utilizar esta acção. Desta forma, cabe
explicar a possível falta de interesse processual, dado que a necessidade da
tutela da situação em causa não é evidente, como à partida seria se a lesão na
esfera jurídica do particular fosse consumada. Por esta ordem de ideias deve o
particular demonstrar a existência de uma situação de potencial risco, para
deste modo convencer o tribunal de que a certeza da verificação de danos é
eminente, justificando desta forma a necessidade duma actuação preventiva, com
o propósito de assegurar que estes não se venham a verificar.
Esta
necessidade de recorrer ao contencioso administrativo observar-se-á também
quando o autor quer evitar a repetição de um acto em que a mera revogação não
assegure com certeza bastante que a Administração não o voltará a praticar.
Justifica-se aqui uma cumulação de pedidos de impugnação do acto de condenação
à abstenção de o voltar a praticar. Desta forma constituirá necessidade
processual, a remoção da situação de incerteza de acordo com os motivos
preponderantes que surgiram pela forte probabilidade de emissão do acto.
Mário Aroso de almeida, na
esteira da doutrina Alemã, considera que a condenação da Administração à não
prática de um acto administrativo tem de depender de um interesse processual
tal como qualificado pelo particular. O mesmo autor afirma ainda que existe
interesse processual qualificado quando o acto administrativo seja de molde a
causar, logo que praticado, danos irreversíveis, sendo que uma reação a posteriori só dificilmente se
apresenta capaz de os remover completamente, como quando os efeitos do acto se
esgotem num curto prazo, ou quando exista o risco/certeza de que o acto será
objeto de execução material imediata.
Define-se
o interesse em agir como imediata vantagem, conveniência ou utilidade na
declaração judicial e é constituído pelo interesse da parte activa em demandar
para obter tutela judicial de uma situação ou direito subjetivo através de um
determinado meio judicial e o correspondente interesse da parte passiva em
impedir a concretização dessa mesma tutela.
Importa
para a aferição do interesse processual a verificação se o meio processual
utilizado é o adequado para obter a tutela pretendida, não existindo um outro
meio de atingir o fim pretendido - poder-se-á justificar a tutela preventiva,
por exemplo, cautelar.
Rui Lanceiro discorda desta
qualificação do interesse processual neste caso, uma vez que para ser
considerado como qualificado teria de existir um termo de comparação e assim um
denominado interesse “simples”, o que não parece acontecer. Aqui trata-se, pura
e simplesmente, de aferir se existe uma vantagem ou utilidade imediata na
declaração judicial ou se não, estabelecendo-se se as características desta
utilidade estão ou não presentes. Não parece fazer sentido, fazer depender a
existência de interesse processual da ponderação da possibilidade de recurso a
uma eventual reação a posteriori,
tornando-a subsidiária face à impugnação do acto. Não serão só esses os casos
em que haverá interesse processual, e tal interpretação do CPTA não parece ser
a correcta; seria equipará-lo à intimação para proteção de direitos, liberdades
e garantias - sendo claro que tal não foi a intenção do legislador.
A
doutrina tem vindo a propôr a aplicação analógica do art.º 39 às acções de
condenação à abstenção de comportamentos pela Administração, pelo que poderão ser
deduzidos pedidos de condenação à abstenção de comportamentos por quem invoque
utilidade ou vantagem imediata, para si, na declaração judicial pretendida,
designadamente por existir uma situação de incerteza de ilegítima (e ilegal)
atuação da Administração, ou de fundado receio de que a mesma venha a actuar de
forma lesiva baseada numa incorreta ou ilegal avaliação da situação jurídica em
causa.
As
acções ditas mandamentais
Atendendo
ao disposto no art. 37.º, nº 2, c) do CPTA, seguem a forma de ação administrativa
comum os processos que tenham por objeto litígios relativos a condenação à
adoção ou abstenção de comportamentos, designadamente a condenação da
Administração à não emissão de um ato administrativo, quando seja provável a
emissão de um acto lesivo.
Esta
acção constituiu uma novidade no contencioso administrativo em Portugal, visto
que antes da Reforma, a proteção judicial dos direitos ou interesses legalmente
protegidos dos cidadãos dependia da prévia prática de um acto ou actuação
lesiva, e só depois disso é que os lesados podiam recorrer a vias de tutela
judicial.
Trata-se
da dedução de pretensões preventivas uma vez que a lei prevê uma acção
principal que tutela os cidadãos antes da atuação administrativa potencialmente
lesiva, antecipando a tutela judicial, de forma a garantir a sua efetividade.
Pretende-se
impedir a ocorrência de factos lesivos ilícitos, através da emissão de uma
ordem judicial no sentido de obrigar a Administração a se abster de um
comportamento, podendo este consistir, por exemplo, na prática de um ato
administrativo, na emissão de uma norma, na execução de operações materiais, ou
numa qualquer actuação informal.
É
chamada de acção mandamental uma vez que o juiz, se a julgar procedente,
decretará uma sentença que constituirá uma verdadeira ordem, obrigando o
demandado a adotar uma conduta futura julgada devida. Distingue-se de uma
condenação à prestação de fato ou coisa porque nestas o autor requer a adoção
imediata de uma determinada conduta. Estas acções estão previstas especialmente
com o intuito de reagir contra uma ameaça de lesão ilegítima de direitos
absolutos, como os de propriedade, personalidade e direitos fundamentais. Se o
comportamento tiver um conteúdo positivo, de adoção, tratar-se-á de uma
sentença impositiva, se o conteúdo for antes negativo, de abstenção ou omissão,
teremos uma sentença inibitória.
Não
esquecer, no entanto, que estando em causa um direito, liberdade ou garantia, e
se a situação revestir um carácter de especial urgência quanto à decisão do
tribunal sobre o fundo da matéria, o interessado terá de recorrer à intimação
do art.º 109 do CPTA que por se tratar de um processo especial, preferirá à
ação administrativa comum.
Também
deverá ser adequada uma proteção preventiva, a título definitivo e não
meramente provisório e cautelar, evitando o risco de efeitos imediatos
irreversíveis, caso contrário melhor será requerer o decretamento de uma
providência cautelar (arts. 112.º e seguintes), não obstante poderem ser
conjugadas as duas ações, não existindo, como na intimação para a proteção de
direitos, liberdades e garantias, uma carácter subsidiário face à tutela
cautelar.
Por
último referir que Vieira de
Andrade
considera que esta tutela preventiva, pela sua disfuncionalidade num sistema de
administração executiva, pode interferir no exercício normal da função
administrativa e como tal deverá ser de utilização restrita e subsidiária,
admissível apenas em função da inadequação ou, quanto muito, da impossibilidade
ou deficiência da tutela própria dos particulares através da acção
administrativa especial de impugnação perante o acto que venha a ser praticado.
Tomás
Maia
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