A (IR)RESPONSABILIDADE CIVIL
EXTRACONTRATUAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
CAUSAS DE EXCLUSÃO POR FACTO
ILÍCITO[1]
Para se poder dizer que existe
dever de indemnizar por parte da Administração é necessário que se verifiquem
os pressupostos positivos da responsabilidade civil[2]
mas também que não existam causas liberatórias da
responsabilidade civil de forma a ilibar a Administração do dever de indemnizar
os prejuízos resultantes de uma conduta ilícita.
Numa primeira análise, e
recordando a fase do “pecado original” proposta pelo Sr. Prof. Vasco Pereira da
Silva[3],
poderia pensar-se que a figura do administrador-juíz havia renascido.
Não é esse o caso.
A admissibilidade de causas de
exclusão encontra fundamento na protecção dos meios financeiros de toda a
colectividade social, resultantes da contribuição dos membros da sociedade, bem
como nas exigências de justiça e unidade do sistema jurídico.
Um ilimitado, exagerado e abusivo
sistema aberto de responsabilidade civil da Administração faria com que, no
limite, aqueles recursos colectivos se esgotassem na satisfação de pretensões
judiciais indemnizatórias de quem tem um maior poder financeiro e melhores
meios, mesmo em hipóteses em que a sentença final – dever de indemnizar - não
seria justa.
I) Causas de justificação da
ilicitude
- o cumprimento de um dever jurídico – situação de colisão entre deveres, que se podem referir a bens de igual ou diferente valor, nunca prevalecendo o bem de menor valor[4];
- o exercício regular de uma permissão conferida pela ordem jurídica – é numa habilitação normativa de sentido permissivo que se baseia a actuação[5];
- o consentimento do lesado (quando exista previsão legal que o permita)– o que intervém de forma agressiva actua ao abrigo de uma habilitação autorizativa de uma futura lesão na esfera jurídica da pessoa do lesado.
II) Causas de exclusão da culpa[6]
- o erro desculpável – quando se actua com a diligência devida mas dentro de uma falsa realidade, julgando ser lícito um comportamento ilícito;
- o medo invencível – tem de ser essencial e desculpável nas circunstâncias do caso concreto, podendo surgir por meio de uma conduta humana ou factores objectivos;
- a desculpabilidade – adopção de uma conduta omissiva de um dever sem que se mostre censurável exigir ao autor da prática da conduta (atendendo a razões ponderosas de justiça) um comportamento diferente.
III) Causas de irrelevância do prejuízo
- casos de exclusão de reparação do prejuízo – há dano mas a ordem jurídica não o considera indemnizável[7];
- casos de exclusão da admissibilidade do prejuízo – nestes o dano é tido como inexistente[8].
IV) Causas de interrupção da
causalidade
- facto imputável à vítima – o dano é consequência directa do comportamento da vítima[9];
- a força maior – evento imprevisível e alheio a quem estava obrigado a uma determinada conduta;
- o caso fortuito – acontecimento misterioso ou causa desconhecida;
- o facto culposo de terceiro – concorrência de actos na produção ou agravamento do prejuízo.
Bibliografia:
- Paulo Otero, Causas de Exclusão da Responsabilidade Civil Extracontratual da Administração Pública por Facto Ilícito, in Estudos em Homenagem ao Prof. Sérvulo Correia, Vol. 2, Coimbra, 2010, pp. 965 a 985
- Vasco Pereira da Silva, O Contencioso Administrativo do Divã da Psicanálise, 2.ª edição, Almedina, 2009
[1] Art.º
9.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades
Públicas (RRCEEEP), sobre a noção de ilicitude. O anterior DL 48051 de 1967
continha, também, uma noção no seu art.º 6.º.
[2] Sobre os
requisitos da responsabilidade civil no Direito Administrativo, cfr. Acórdão da
2.ª Subsecção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo
Sul, de 6 de Dezembro de 2012, referente ao processo n.º 03423/08, in http://www.dgsi.pt/jtca.nsf.
[3] Vasco
Pereira da Silva, O Contencioso Administrativo do Divã da Psicanálise, 2.ª
edição, Almedina, 2009, pp. 13 ss.
[4] Deveres
resultantes de negócio jurídico, dever de obediência dos particulares às ordens
de autoridade pública e dever de obediência emergente de um vínculo de
hierarquia administrativa.
[5] A
permissão normativa pode resultar numa posição jurídica subjectiva vantajosa ou
advir de uma norma de competência ou num poder legal conferido a uma estrutura
decisória pública.
[6] Art.º 10.º do RRCEEEP.
[7] Alguns
exemplos desta situação são o prejuízo decorrente de desvalorização da moeda, o
confisco de bens jurídicos privados e os prejuízos decorrentes da
desvalorização de imóveis ou de perda de clientela por efeito de mudança do
sentido de circulação da via pública ou da construção de novas vias
alternativas.
[8] Por
hipótese, a ilicitude da situação do lesado, a sua precariedade, a exposição do
lesado a um risco aceite ou a repetibilidade ou renovação retroactiva do acto.
[9] Art.º 4.º do RRCEEEP.
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