Responsabilidade civil pública
O problema de contencioso da responsabilidade civil pública,
é uma questão de grande importância e que tem sofrido alterações ao longo da
história.
A responsabilidade civil das entidades públicas é um dos
grandes “pilares” do nosso conhecido Estado de Direito. A constituição versa
sobre esta matéria, nomeadamente no que concerne aos direitos fundamentais
(artigo 22º).
Em 2004, entrou em vigor uma reforma no contencioso
administrativo português, onde não ficou completa a questão da responsabilidade
civil pública. De facto, o novo regime Jurídico da Responsabilidade
extracontratual do Estado e outras Entidades Públicas apenas surge com a Lei nº
67/2007, de 31 de Dezembro e ainda assim não conseguiu resolver todos os
problemas.
Atendendo ao direito comparado, encontramos o Acórdão
Blanco, do Tribunal de Conflitos francês, de 8 de Janeiro de 1873, que vem
limitar a responsabilidade da Administração perante uma menina de cinco anos
que fora atropelada por um vagão de uma empresa publica de tabaco de Bordéus.
Estávamos então perante uma situação em que se tinha como objectivo proteger a
primazia da Administração em vez de haver uma preocupação com os particulares.
O Professor Vasco Pereira da Silva, retrata o caso como: “ um episódio
traumático da infância difícil do contencioso Administrativo”.
Ainda antes da entrada em vigor da reforma do Contencioso
Administrativo, no nosso país ocorriam situações semelhantes como a de os pais
de uma criança que se dirigiram aos tribunais judiciais a pedir uma
indemnização pela actuação danosa da administração, não lhes sendo conhecido o
pedido, alegando a incompetência por estar em causa um acto de gestão pública,
não sendo por isso aplicáveis as normas do código civil. Os pais da criança dirigiram
se ao tribunais administrativos obtendo uma resposta que conduzia ao mesmo
resultado, alegando tratar se de uma actuação de gestão privada, mandando
aplicar o código civil. Posto isto era necessária a intervenção do tribunal de
conflitos para saber qual o tribunal competente.
Questões como esta ocorriam então, não há muito tempo, mas
sim até 2004, quando entrou em vigor a nova reforma. Assim, por um lado os
tribunais administrativos como os judiciais se consideravam incompetentes para
decidir estas questões. Põe se assim em causa a “moral” do Contencioso
Administrativo português ate á pouco tempo. Posto isto, a administração
respondia segundo o direito civil perante os tribunais judiciais, pelos danos
causados no desempenho de actividades de gestão privada, e pelos danos causados
no exercício de actividades de gestão pública esta respondia então segundo o
Direito Administrativo perante os tribunais desta matéria. Perante a dualidade
de regimes e tribunais competentes, o direito da responsabilidade administrativa
seria bastante questionável e punha em causa as garantias dos cidadãos.
A reforma do Contencioso Administrativo veio então consagrar
uma unidade jurisdicional. De acordo com o nosso ordenamento jurídico a
competência dos tribunais administrativos e fiscais é delimitada em razão da
natureza das relações jurídicas em causa (artigo 212º nº3 da constituição e
artigo 1º nº1 do ETAF). Assim surge então a unidade jurisdicional devendo ser
interpretado desta forma o artigo 4º do ETAF alínea g), h) e i), abandonando a
“falsa distinção” entre gestão pública e gestão privada como critérios de
determinação da competência do tribunal.
Conclui se assim que no período anterior à reforma havia uma
distinção entre o contencioso da responsabilidade civil administrativa, que era
da competência da justiça administrativa, do contencioso da responsabilidade
civil dos outros poderes do Estado que era da competência dos tribunais
judiciais. Actualmente, será sempre competente a justiça administrativa para
todo o contencioso da responsabilidade civil pública. Ou seja, qualquer relação
de responsabilidade civil pública, seja qual for o órgão em causa, será
administrativa para efeitos processuais.
Veja se a breve referência do Acórdão do Tribunal Central
Administrativo do Norte:
Acórdão do Tribunal Central
Administrativo Norte
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Processo:
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00219/05.8BEPRT
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Secção:
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1ª Secção -
Contencioso Administrativo
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Data do
Acordão:
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23-03-2012
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Tribunal:
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TCAN
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Relator:
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Maria do Céu
Dias Rosa das Neves
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Descritores:
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RESPONSABILIDADE
CIVIL EXTRACONTRATUAL
FACTO LÍCITO DANOS ESPECIAIS |
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Sumário:
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I – Na vigência
do disposto no artº 9º, nº 1 do citado DL nº 48051, referente à
responsabilidade civil extra contratual por facto lícito, o Estado e demais
pessoas colectivas públicas indemnizarão os particulares a quem, no interesse
geral, mediante actos administrativos legais ou actos materiais lícitos,
tenham imposto encargos ou causado prejuízos especiais e anormais,
prescindo-se dos requisitos da ilicitude e da culpa.
II – Este artº 9º visa abranger actos e omissões administrativas, aqui se incluindo os regulamentos, planos territoriais, entre outros, não sendo, no nosso modesto entender, correcto, distinguir actos administrativos de actos regulamentares, até porque, na maior parte das vezes, estamos perante conceitos jurídicos que confluem, chegando até a confundir-se. Daí que, a expressão acto administrativo contido no artº 9º do DL 48051 se tenha de entender no sentido amplo do conceito jurídico em causa, de forma a abranger todos os actos da administração e gestão públicas e, por conseguinte, as normas regulamentares constantes dos regulamentos autárquicos e, posturas municipais, pois só assim, se entende a intenção do legislador ao abordar e legislar acerca da responsabilidade civil dos entes públicos, incluindo os órgãos autárquicos. E, por isso, a gestão pública extracontratual destas entidades, pretendida salvaguardar neste artº 9º, concretiza-se nos seguintes tipos de actuação: (i) o acto administrativo em sentido estrito; (ii) o acto regulamentar, (iii) o acto material, ficando apenas de fora o contratoadministrativo que se mostra regulado noutro diploma legal que não o DL 48051. III – Quanto à verificação e natureza dos danos especiais e anormais, mesmo que o acto normativo e material de proibição/restrição de horáriode circulação possa afectar uma generalidade de pessoas [sendo certo que são inúmeras as excepções], o importa averiguar é se no caso concreto da recorrente estes danos ocorreram e devem ser considerados anormais e especiais. IV- A proibição/restrição/limitação de circulação rodoviária imposta à recorrida [que não foi limitada no tempo, caso em que, a solução jurídica seria diferente] representou para a mesma um sacrifício especial uma vez que, não resulta provado que tal medida tenha atingido da mesma forma as demais empresas que ali exercem actividade [ou porque a actividade não exige a circulação de camiões com aquela tonelagem, ou porque se trata de actividades que nada têm a ver com a desenvolvida pela recorrida]. V – Acresce, ao exposto, a natureza da actividade do entreposto [local de expedição ou de escoamento de mercadorias por grosso e não um local de recepção de mercadorias para venda a retalho – o entreposto faz a ligação entre a produção, que chega por via ferroviária, e a distribuição, ou seja, o cliente final] e o produto armazenado e transportado [cimento destinado à construção civil que sai fresco, para ser aplicado nas obras ainda fresco] bem como a situação geográfica do entreposto onde se encontram os silos, que não permite concluir como faz o recorrente, que a restrição de horário apenas geraria uma mera perturbação de funcionamento, pois, os danos provados, provam precisamente o contrário, sendo anormais e especiais por comparação com os decorrentes dos riscos normais da vida em sociedade.* |
Acórdão completo:
http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/68dddfe9e0f49b5d802579d0003e54f1?OpenDocument&Highlight=0,resolucao,de,contrato
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