terça-feira, 11 de dezembro de 2012



Princípios do CPTA e os seus corolários, no considerando pela Reforma Administrativa
(Parte II)

Na senda do que vinha a ser explicado a propósito dos princípios relevantes no âmbito do Contencioso Administrativo segue o princípio da promoção do processo.
Este princípio revela-se deveras importantes na economia do CPTA. Previsto no art. 7º, este principio será corolário do principio da tutela jurisdicional efectiva, no sentido da efectivação da tutela jurisdicional ao exigir a eliminação de obstáculos infundados e desproporcionados ao acesso à justiça, como os que tradicionalmente conduzem, no nosso contencioso administrativo, ao elevado índice de decisões de mera forma, em que o tribunal se recusa a apreciar o mérito da causa. Trata-se com isto de concretizar uma relevante linha de renovação do processo contencioso administrativo contemporâneo: da sobreposição do imperativo da justiça material aos conceitualismos formalistas que desnecessariamente dificultam a reposição da legalidade nas situações concretas.
Para além da imposição genérica prevista no art. 7º, o CPTA estabelece soluções de efectiva promoção do acesso à justiça administrativa, no domínio da tramitação da acção administrativa especial, na medida em que, em diferentes preceitos, admite a substituição da petição inicial (arts. 12º/4, 14º/3, 47º/5 e 89º/2) e elimina o despacho de indeferimento liminar, introduzindo a previsão de um despacho de correcção e aperfeiçoamento, art. 88º
Entretanto, reveste-se também de especial significado, quanto à consagração de soluções dirigidas a promover o acesso à justiça administrativa, a alteração introduzida no art. 10º, cuja anterioridade dava apenas origem a dificuldades dificilmente ultrapassáveis de ordem prática. Assim, as inovações introduzidas quanto à legitimidade passiva e, em especial, à identificação da entidade pública demandada em juízo foram determinadas em razão de natureza teórica e mais razões de ordem prática. Ao procurar estabelecer, no art. 10º, que, quando a acção seja proposta contra entidade pública, parte demandada seja a pessoa colectiva de direito público ou o Ministério sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os actos, efectuar as prestações ou observar os comportamentos pretendidos, ou a cujos órgãos seja imputável a actuação ilegal impugnada. Sem prejuízo de a regra dever ser afastada quando esteja em causa um litígio da mesma pessoa colectiva. Porque, entretanto, parece útil que, nos processos em que esteja em causa a actuação ou omissão de um determinado órgão administrativo, seja esse órgão a conduzir a defesa da conduta adoptada, admite-se, no art. 11º, que, nesses casos, possa ser ele a designar o representante a quem incumbe o patrocínio em juízo da pessoa colectiva ou do Ministério. Resulta, assim, do art. 10º, que, por regra, em todas as acções que no contencioso administrativo sejam intentadas contra entidades públicas, a legitimidade passiva corresponde à pessoa colectiva e não a um órgão que dela faça parte. Quando esteja em causa uma conduta, activa ou omissiva, de um órgão do Estado que esteja integrado num Ministério, a legitimidade é do Ministério a que o órgão pertence. Só no âmbito de litígios entre órgãos da mesma pessoa colectiva (como por exemplo entre uma Câmara Municipal e uma Assembleia Municipal) é que a ilegitimidade terá de pertencer a um órgão público, e não à pessoa colectiva ou ao Ministério a que esse órgão pertence. Tratam-se aqui de inovações que se pretendem facilitar em grande medida o acesso dos cidadãos à justiça administrativa.

Estes foram, até agora, os princípios fundamentais que estão formalmente consagrados nos primeiros arts. do CPTA. Não devem por isso ser desconsiderados todos os outros, possíveis de extrair do Código, com elevada utilidade e de grande importância. Nesta sede surge o primeiro princípio, de simplificação da estrutura dos meios processuais consagrados no contencioso administrativo português.
A este propósito, surge então o art. 284º da CRP, alterado em virtude de algumas revisões ao qual parece estar subjacente o objectivo de superação definitiva do entendimento tradicional do contencioso administrativo como um contencioso limitado, em favor da ideia de que também no contencioso administrativo deve valer o princípio de que a cada direito corresponde uma acção, no sentido prosseguido no processo civil e que é o de que todo o direito ou interesse lesado deve poder ser accionado perante um tribunal e, desta forma, beneficiar da tutela jurisdicional adequada.
A reforma do contencioso administrativo procurou dar resposta à evolução do quadro constitucional a propósito das revisões do art. 284º da CRP. Assim, o novo CPTA segue um rumo diferente das disposições previstas com as reformas anteriores, fazendo com que os diferentes tipos de pretensões deixem de ser artificialmente associados a meios processuais sem forma de processo própria que os diferencia, para passarem a ser reconduzidos às formas de processo que efectivamente existem e não são assim tão numerosas.
O imperativo constitucional de assegurar que a justiça administrativa proporcione a quem dela necessite uma tutela judicial efectiva exige, segundo o legislador constituinte, que os administrados, para além de poderem impugnar os actos e as normas que os lesem, possam obter dos tribunais administrativos o reconhecimento dos seus direitos ou interesses, bem como a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos. Impunha-se, desta forma, uma modificação do sistema, para ampliar o leque das providências que os tribunais administrativos podem conceder a quem a eles recorre. Este alargamento não tinha, entretanto, que ter expressão ao nível da determinação das formas pelas quais se rege a tramitação dos processos de contencioso administrativo.
Embora o contencioso administrativo tradicional previsse diferentes meios de acesso à justiça administrativa, ele não fazia corresponder uma tramitação própria, uma forma de processo específica a cada um desses meios. É assim que, no modelo tradicional, diferentes meios processuais obedecem a uma mesma forma de processo, correspondendo-lhes uma mesma tramitação e que o recurso contencioso de anulação segue duas tramitações diferentes consoante o autor do acto impugnado.
A introdução, daquela que se considerou necessária, racionalidade na regulação do processo nos tribunais administrativos aconselhava a adopção de uma nova metodologia na estruturação das vias de acesso à justiça administrativa, que deixasse de colocar o acento tónico nos chamados meios processuais, para utilizar como ponto de referência as formas de processo, os modelos de tramitação a que obedecem os processos que correm no contencioso administrativo. Sem que o alargamento do quadro das pretensões que podem ser accionadas e das providências que podem ser outorgados no âmbito do contencioso administrativo conduzisse a uma multiplicação das formas de processo. Assim se compreendem as alterações à estrutura do CPTA, elas partem do entendimento que, sem prejuízo de excepções de âmbito circunscrito ou da introdução de uma ou outra particularidade em certos domínios, os processos do contencioso administrativo devem seguir uma de duas tramitações principais:

1.                                         A tramitação “comum” que remete para o modelo do processo civil de declaração e que corresponde à que era tradicionalmente seguida no clássico contencioso das acções.
2.                                         A tramitação “especial” que, por oposição à anterior, obedece a um modelo especifico, próprio do contencioso administrativo, e que, embora com diversas adaptações, resulta da fusão das duas formas de tramitação do recurso contencioso de anulação.

Adopta-se então o critério das formas de processo como parâmetro estrutural, é a propósito de cada forma de processo que se faz referência aos tipos de pretensões que podem ser accionadas no contencioso administrativo, regulando os aspectos específicos que a cada um deles cumpre.

Posteriormente, outro importante princípio inspira diversas soluções consagradas ao longo do CPTA, o princípio da flexibilidade do objecto do processo.
Este princípio está logo à partida subjacente à possibilidade de o objecto do processo se convolar na fixação de uma indemnização por razões de impossibilidade ou grave prejuízo para o interesse público, que se encontra previsto no art. 45º, para o qual também entretanto remete o art. 49º.
Embora consagrada nos referidos artigos com alcance geral, por se admitir que o facto pode efectivamente ocorrer em múltiplas situações, e tanto no domínio da acção administrativa comum, como no da acção especial, a previsão pretende as situações de antecipação, para o domínio dos processos principais.
O disposto no art. 63º também é relevante ao introduzir uma inovação muito importante para a transformação do contencioso de impugnação de actos administrativos num contencioso cujo objecto não se circunscreva necessariamente à apreciação da validade de um único acto administrativo, mas passe a disciplinar todo o quadro da relação jurídico-administrativo em que se inscreve o acto impugnado. Este artigo prevê um conjunto de situações em que, na pendência do processo impugnatório de um acto administrativo, o objecto desse processo passa a poder ser estendido à impugnação de outros actos com ele relacionados. Do artigo em causa não é legítimo retirar uma regra segundo a qual a invalidade de um acto administrativo aplicaria a automática invalidade de todos os actos que lhe sucedam no âmbito do mesmo procedimento, art. 63º/1, ou do contrato que venha a ser celebrado no termo desse procedimento, art. 63º/2. O art. 63º limita-se a admitir que, na pendência do processo de impugnação de um acto administrativo, possam ser cumulados nesse processo pedidos dirigidos à anulação (ou declaração de nulidade) de outros actos administrativos e de contratos que com aquele acto apresentem um acto de conexão. Ao direito substantivo caberá determinar se os novos actos ou o contrato são inválidos, e os pedidos cumulados só serão julgados procedentes se assim se entender.
É de notar, contudo, que o art. 63º não se limita a permitir que se cumule a impugnação de actos (ou contractos) conexos com o acto impugnado. O propósito de contribuir para transformar o contencioso de impugnação num contencioso cujo objecto não se circunscreva necessariamente à apreciação da validade de um único acto administrativo, mas possa ser moldado de forma a permitir disciplinar todo o quadro da relação jurídico-administrativa em que se inscreve o acto impugnado, justifica que o objecto do processo possa ser ampliado noutras circunstancias e para outros efeitos.
É assim que o art. 63º também admite a ampliação do objecto do processo à impugnação de actos cujos efeitos se oponham à utilidade pretendida no processo. Esta previsão tem o alcance de permitir a cumulação superveniente.
No que respeita ao art. 70º, o seu nº 1 retoma, nos novos moldes que a reestruturação dos meios processuais do contencioso administrativo exigiu, uma solução a propósito do recurso contencioso de anulação de actos de indeferimento tácito. Permite que quando, na pendência de processo dirigido à condenação à prática de um acto devido, a Administração emita um acto de indeferimento, o interessado alegue novos fundamentos e ofereça outros meios de prova em favor da sua pretensão.
No art. 70º/3, o CPTA admite entretanto a ampliação do objecto do processo à impugnação do eventual acto de conteúdo positivo que, em resposta à pretensão deduzida em juízo, a Administração venha a praticar na pendência do processo, mas não satisfaça integralmente a referida pretensão. Tal como no art. 63º, aflora-se aqui o princípio da cumulação de pedidos, destinado a assegurar que o objecto do processo acompanhe a evolução dos contornos da relação jurídica material controvertida, de maneira a permitir que esta seja discutida em juízo com a maior amplitude possível e, também com a particularidade de a cumulação ter lugar a título superveniente, já na pendência de um processo que é um processo de condenação

Pela importância de que se revestem, na economia da reforma do contencioso administrativo, as soluções inovadoras introduzidas com o objecto de agilizar o contencioso administrativo, libertando-o da tarefa de examinar um exacerbado número de processos, autonomiza-se um último princípio, o princípio da agilização processual.
O facto de, em muitos domínios da actuação administrativa, haver lugar à produção de actos administrativos em massa, que envolvem a aplicação, algumas das vezes até automática, do mesmo dispositivo normativo a um amplo conjunto de pessoas, faz com que, quando nesses domínios a Administração incorre em ilegalidade, se multipliquem os litígios, dando origem a um fenómeno de processos idênticos em grande número que tendem a assoberbar os tribunais administrativos.
Das várias tentativas para solucionar o problema o CPTA usa praticamente todas elas, por exemplo através do art. 94º/3 ou do art. 48º. Considera-se que esta solução inovadora, de inspiração no modelo espanhol, pode trazer resultados positivos, no sentido em que, em qualquer sentido que o tribunal venha a decidir o processo ou os processos seleccionados, a tendência mais lógica será para que as partes nos processos suspensos aceitem a decisão e não recorram à faculdade de requerer a continuação do processo que lhe diz respeito, que lhes confere o art. 48º/5, c) do CPTA. Aqui concorre, em especial, o facto de o art. 48º exigir que  no julgamento do processo seleccionado intervenham todos os juízes do tribunal ou da secção, com o que se pretende assegurar que a decisão que nesse processo venha a ser proferida seja assumida por todos, diminuindo, assim, a possibilidade de qualquer deles vir a decidir em sentido diferente os processos que ficaram suspensos, no caso de ser requerida a respectiva continuação nos termos do art. 48º/5, c).
A solução requer, no entanto, grande precaução. Primeiro porque releva assegurar que os processos seleccionados permitam uma rigorosa apreciação do litígio, em termos de a solução que lhes venha a ser dada poder ser transposta para os processos cuja tramitação ficou suspensa sem que nenhuma questão neles suscitada fique por apreciar e debater. Aqui surge o art. 48º/3, ao procurar definir os critérios que deverão orientar o juiz na selecção dos processos a apreciar e dos processos a suspender.
Mas também porque se impõe reduzir ao mínimo indispensável os inconvenientes que, para quem desencadeou os processos suspensos, decorrem da situação em que desse modo se vêem colocados.
O mecanismo de agilização do art. 48º, tem, apesar de tudo, o inconveniente de não evitar a própria propositura das acções, apenas dá resposta a fenómenos já existentes de processos em massa.
Contudo, este inconveniente já não caracteriza as outras duas mais relevantes vias de agilização que o CPTA também introduz e que se orientam no sentido de evitar a própria propositura de acções e, assim, a própria constituição do fenómeno dos processos em massa.
Com isto se refere à extensão de efeitos de sentenças que opera o art. 161º CPTA, que surge para responder ao que acontece quando a aplicação de uma mesma norma a uma multiplicidade de destinatários os leva a desencadear, contra a mesma entidade pública, um elevado número de processos sobre a mesma questão material. O 161º adoptou assim, em moldes idênticos ao modelo espanhol, o dever de estender a eficácia anulatória ou de reconhecimento de uma determinada situação jurídica aos demais interessados.
O segundo dos mecanismos de agilização que se orientam no sentido de evitar a própria propositura de acções, e assim, a constituição dos processos em massa, é aquele que, ainda em termos genéricos, o CPTA prevê no art. 187º.
Um dos mais graves problemas do contencioso administrativo consiste na tendencial judicialização necessária dos litígios. Escasseiam os mecanismos efectivos de resolução extrajudicial dos conflitos, a cargo de organismos administrativos independentes capazes de evitar que se coloquem em tribunal muitas questões que poderiam ser resolvidas sem a intervenção do Poder Judicial.
A concretização do art. 187º do CPTA mostra-se, como tal, indispensável para inverter uma tendência da Administração Pública para ver na justiça administrativa a instancia que vai dar fundamento a medidas de reintegração da esfera jurídica dos particulares que se reconhecia serem devidas mas que se entendia só poderem ser tomadas com base em titulo judicial que as legitimasse.


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