Princípios do CPTA e os seus corolários, no
considerando pela Reforma Administrativa
(Parte II)
Na senda do
que vinha a ser explicado a propósito dos princípios relevantes no âmbito do
Contencioso Administrativo segue o princípio da promoção do processo.
Este princípio
revela-se deveras importantes na economia do CPTA. Previsto no art. 7º, este
principio será corolário do principio da tutela jurisdicional efectiva, no
sentido da efectivação da tutela jurisdicional ao exigir a eliminação de
obstáculos infundados e desproporcionados ao acesso à justiça, como os que
tradicionalmente conduzem, no nosso contencioso administrativo, ao elevado
índice de decisões de mera forma, em que o tribunal se recusa a apreciar o
mérito da causa. Trata-se com isto de concretizar uma relevante linha de renovação
do processo contencioso administrativo contemporâneo: da sobreposição do
imperativo da justiça material aos conceitualismos formalistas que
desnecessariamente dificultam a reposição da legalidade nas situações
concretas.
Para além da
imposição genérica prevista no art. 7º, o CPTA estabelece soluções de efectiva
promoção do acesso à justiça administrativa, no domínio da tramitação da acção
administrativa especial, na medida em que, em diferentes preceitos, admite a
substituição da petição inicial (arts. 12º/4, 14º/3, 47º/5 e 89º/2) e elimina o
despacho de indeferimento liminar, introduzindo a previsão de um despacho de
correcção e aperfeiçoamento, art. 88º
Entretanto,
reveste-se também de especial significado, quanto à consagração de soluções
dirigidas a promover o acesso à justiça administrativa, a alteração introduzida
no art. 10º, cuja anterioridade dava apenas origem a dificuldades dificilmente
ultrapassáveis de ordem prática. Assim, as inovações introduzidas quanto à
legitimidade passiva e, em especial, à identificação da entidade pública
demandada em juízo foram determinadas em razão de natureza teórica e mais
razões de ordem prática. Ao procurar estabelecer, no art. 10º, que, quando a
acção seja proposta contra entidade pública, parte demandada seja a pessoa
colectiva de direito público ou o Ministério sobre cujos órgãos recaia o dever
de praticar os actos, efectuar as prestações ou observar os comportamentos
pretendidos, ou a cujos órgãos seja imputável a actuação ilegal impugnada. Sem
prejuízo de a regra dever ser afastada quando esteja em causa um litígio da
mesma pessoa colectiva. Porque, entretanto, parece útil que, nos processos em
que esteja em causa a actuação ou omissão de um determinado órgão
administrativo, seja esse órgão a conduzir a defesa da conduta adoptada,
admite-se, no art. 11º, que, nesses casos, possa ser ele a designar o
representante a quem incumbe o patrocínio em juízo da pessoa colectiva ou do
Ministério. Resulta, assim, do art. 10º, que, por regra, em todas as acções que
no contencioso administrativo sejam intentadas contra entidades públicas, a
legitimidade passiva corresponde à pessoa colectiva e não a um órgão que dela
faça parte. Quando esteja em causa uma conduta, activa ou omissiva, de um órgão
do Estado que esteja integrado num Ministério, a legitimidade é do Ministério a
que o órgão pertence. Só no âmbito de litígios entre órgãos da mesma pessoa
colectiva (como por exemplo entre uma Câmara Municipal e uma Assembleia
Municipal) é que a ilegitimidade terá de pertencer a um órgão público, e não à
pessoa colectiva ou ao Ministério a que esse órgão pertence. Tratam-se aqui de
inovações que se pretendem facilitar em grande medida o acesso dos cidadãos à
justiça administrativa.
Estes foram,
até agora, os princípios fundamentais que estão formalmente consagrados nos
primeiros arts. do CPTA. Não devem por isso ser desconsiderados todos os
outros, possíveis de extrair do Código, com elevada utilidade e de grande
importância. Nesta sede surge o primeiro princípio, de simplificação da
estrutura dos meios processuais consagrados no contencioso administrativo
português.
A este
propósito, surge então o art. 284º da CRP, alterado em virtude de algumas
revisões ao qual parece estar subjacente o objectivo de superação definitiva do
entendimento tradicional do contencioso administrativo como um contencioso
limitado, em favor da ideia de que também no contencioso administrativo deve
valer o princípio de que a cada direito corresponde uma acção, no sentido
prosseguido no processo civil e que é o de que todo o direito ou interesse
lesado deve poder ser accionado perante um tribunal e, desta forma, beneficiar
da tutela jurisdicional adequada.
A reforma do
contencioso administrativo procurou dar resposta à evolução do quadro
constitucional a propósito das revisões do art. 284º da CRP. Assim, o novo CPTA
segue um rumo diferente das disposições previstas com as reformas anteriores,
fazendo com que os diferentes tipos de pretensões deixem de ser artificialmente
associados a meios processuais sem forma de processo própria que os diferencia,
para passarem a ser reconduzidos às formas de processo que efectivamente
existem e não são assim tão numerosas.
O imperativo
constitucional de assegurar que a justiça administrativa proporcione a quem
dela necessite uma tutela judicial efectiva exige, segundo o legislador
constituinte, que os administrados, para além de poderem impugnar os actos e as
normas que os lesem, possam obter dos tribunais administrativos o
reconhecimento dos seus direitos ou interesses, bem como a determinação da
prática de actos administrativos legalmente devidos. Impunha-se, desta forma,
uma modificação do sistema, para ampliar o leque das providências que os
tribunais administrativos podem conceder a quem a eles recorre. Este
alargamento não tinha, entretanto, que ter expressão ao nível da determinação
das formas pelas quais se rege a tramitação dos processos de contencioso
administrativo.
Embora o
contencioso administrativo tradicional previsse diferentes meios de acesso à
justiça administrativa, ele não fazia corresponder uma tramitação própria, uma
forma de processo específica a cada um desses meios. É assim que, no modelo
tradicional, diferentes meios processuais obedecem a uma mesma forma de
processo, correspondendo-lhes uma mesma tramitação e que o recurso contencioso
de anulação segue duas tramitações diferentes consoante o autor do acto
impugnado.
A introdução,
daquela que se considerou necessária, racionalidade na regulação do processo
nos tribunais administrativos aconselhava a adopção de uma nova metodologia na
estruturação das vias de acesso à justiça administrativa, que deixasse de
colocar o acento tónico nos chamados meios processuais, para utilizar como
ponto de referência as formas de processo, os modelos de tramitação a que obedecem
os processos que correm no contencioso administrativo. Sem que o alargamento do
quadro das pretensões que podem ser accionadas e das providências que podem ser
outorgados no âmbito do contencioso administrativo conduzisse a uma
multiplicação das formas de processo. Assim se compreendem as alterações à
estrutura do CPTA, elas partem do entendimento que, sem prejuízo de excepções
de âmbito circunscrito ou da introdução de uma ou outra particularidade em
certos domínios, os processos do contencioso administrativo devem seguir uma de
duas tramitações principais:
1.
A tramitação “comum” que remete para o modelo do
processo civil de declaração e que corresponde à que era tradicionalmente
seguida no clássico contencioso das acções.
2.
A tramitação “especial” que, por oposição à anterior,
obedece a um modelo especifico, próprio do contencioso administrativo, e que,
embora com diversas adaptações, resulta da fusão das duas formas de tramitação
do recurso contencioso de anulação.
Adopta-se
então o critério das formas de processo como parâmetro estrutural, é a
propósito de cada forma de processo que se faz referência aos tipos de
pretensões que podem ser accionadas no contencioso administrativo, regulando os
aspectos específicos que a cada um deles cumpre.
Posteriormente,
outro importante princípio inspira diversas soluções consagradas ao longo do
CPTA, o princípio da flexibilidade do objecto do processo.
Este princípio
está logo à partida subjacente à possibilidade de o objecto do processo se
convolar na fixação de uma indemnização por razões de impossibilidade ou grave
prejuízo para o interesse público, que se encontra previsto no art. 45º, para o
qual também entretanto remete o art. 49º.
Embora
consagrada nos referidos artigos com alcance geral, por se admitir que o facto
pode efectivamente ocorrer em múltiplas situações, e tanto no domínio da acção
administrativa comum, como no da acção especial, a previsão pretende as
situações de antecipação, para o domínio dos processos principais.
O disposto no
art. 63º também é relevante ao introduzir uma inovação muito importante para a
transformação do contencioso de impugnação de actos administrativos num
contencioso cujo objecto não se circunscreva necessariamente à apreciação da
validade de um único acto administrativo, mas passe a disciplinar todo o quadro
da relação jurídico-administrativo em que se inscreve o acto impugnado. Este
artigo prevê um conjunto de situações em que, na pendência do processo
impugnatório de um acto administrativo, o objecto desse processo passa a poder
ser estendido à impugnação de outros actos com ele relacionados. Do artigo em
causa não é legítimo retirar uma regra segundo a qual a invalidade de um acto
administrativo aplicaria a automática invalidade de todos os actos que lhe
sucedam no âmbito do mesmo procedimento, art. 63º/1, ou do contrato que venha a
ser celebrado no termo desse procedimento, art. 63º/2. O art. 63º limita-se a
admitir que, na pendência do processo de impugnação de um acto administrativo,
possam ser cumulados nesse processo pedidos dirigidos à anulação (ou declaração
de nulidade) de outros actos administrativos e de contratos que com aquele acto
apresentem um acto de conexão. Ao direito substantivo caberá determinar se os
novos actos ou o contrato são inválidos, e os pedidos cumulados só serão julgados
procedentes se assim se entender.
É de notar,
contudo, que o art. 63º não se limita a permitir que se cumule a impugnação de
actos (ou contractos) conexos com o acto impugnado. O propósito de contribuir
para transformar o contencioso de impugnação num contencioso cujo objecto não
se circunscreva necessariamente à apreciação da validade de um único acto
administrativo, mas possa ser moldado de forma a permitir disciplinar todo o
quadro da relação jurídico-administrativa em que se inscreve o acto impugnado,
justifica que o objecto do processo possa ser ampliado noutras circunstancias e
para outros efeitos.
É assim que o
art. 63º também admite a ampliação do objecto do processo à impugnação de actos
cujos efeitos se oponham à utilidade pretendida no processo. Esta previsão tem
o alcance de permitir a cumulação superveniente.
No que
respeita ao art. 70º, o seu nº 1 retoma, nos novos moldes que a reestruturação
dos meios processuais do contencioso administrativo exigiu, uma solução a
propósito do recurso contencioso de anulação de actos de indeferimento tácito.
Permite que quando, na pendência de processo dirigido à condenação à prática de
um acto devido, a Administração emita um acto de indeferimento, o interessado
alegue novos fundamentos e ofereça outros meios de prova em favor da sua
pretensão.
No art. 70º/3,
o CPTA admite entretanto a ampliação do objecto do processo à impugnação do
eventual acto de conteúdo positivo que, em resposta à pretensão deduzida em
juízo, a Administração venha a praticar na pendência do processo, mas não
satisfaça integralmente a referida pretensão. Tal como no art. 63º, aflora-se
aqui o princípio da cumulação de pedidos, destinado a assegurar que o objecto
do processo acompanhe a evolução dos contornos da relação jurídica material
controvertida, de maneira a permitir que esta seja discutida em juízo com a
maior amplitude possível e, também com a particularidade de a cumulação ter
lugar a título superveniente, já na pendência de um processo que é um processo
de condenação
Pela
importância de que se revestem, na economia da reforma do contencioso
administrativo, as soluções inovadoras introduzidas com o objecto de agilizar o
contencioso administrativo, libertando-o da tarefa de examinar um exacerbado
número de processos, autonomiza-se um último princípio, o princípio da
agilização processual.
O facto de, em
muitos domínios da actuação administrativa, haver lugar à produção de actos
administrativos em massa, que envolvem a aplicação, algumas das vezes até
automática, do mesmo dispositivo normativo a um amplo conjunto de pessoas, faz
com que, quando nesses domínios a Administração incorre em ilegalidade, se
multipliquem os litígios, dando origem a um fenómeno de processos idênticos em
grande número que tendem a assoberbar os tribunais administrativos.
Das várias
tentativas para solucionar o problema o CPTA usa praticamente todas elas, por
exemplo através do art. 94º/3 ou do art. 48º. Considera-se que esta solução
inovadora, de inspiração no modelo espanhol, pode trazer resultados positivos,
no sentido em que, em qualquer sentido que o tribunal venha a decidir o
processo ou os processos seleccionados, a tendência mais lógica será para que
as partes nos processos suspensos aceitem a decisão e não recorram à faculdade
de requerer a continuação do processo que lhe diz respeito, que lhes confere o
art. 48º/5, c) do CPTA. Aqui concorre, em especial, o facto de o art. 48º
exigir que no julgamento do processo
seleccionado intervenham todos os juízes do tribunal ou da secção, com o que se
pretende assegurar que a decisão que nesse processo venha a ser proferida seja
assumida por todos, diminuindo, assim, a possibilidade de qualquer deles vir a
decidir em sentido diferente os processos que ficaram suspensos, no caso de ser
requerida a respectiva continuação nos termos do art. 48º/5, c).
A solução
requer, no entanto, grande precaução. Primeiro porque releva assegurar que os
processos seleccionados permitam uma rigorosa apreciação do litígio, em termos
de a solução que lhes venha a ser dada poder ser transposta para os processos
cuja tramitação ficou suspensa sem que nenhuma questão neles suscitada fique
por apreciar e debater. Aqui surge o art. 48º/3, ao procurar definir os
critérios que deverão orientar o juiz na selecção dos processos a apreciar e
dos processos a suspender.
Mas também
porque se impõe reduzir ao mínimo indispensável os inconvenientes que, para
quem desencadeou os processos suspensos, decorrem da situação em que desse modo
se vêem colocados.
O mecanismo de
agilização do art. 48º, tem, apesar de tudo, o inconveniente de não evitar a
própria propositura das acções, apenas dá resposta a fenómenos já existentes de
processos em massa.
Contudo, este
inconveniente já não caracteriza as outras duas mais relevantes vias de agilização
que o CPTA também introduz e que se orientam no sentido de evitar a própria
propositura de acções e, assim, a própria constituição do fenómeno dos
processos em massa.
Com isto se
refere à extensão de efeitos de sentenças que opera o art. 161º CPTA, que surge
para responder ao que acontece quando a aplicação de uma mesma norma a uma
multiplicidade de destinatários os leva a desencadear, contra a mesma entidade
pública, um elevado número de processos sobre a mesma questão material. O 161º
adoptou assim, em moldes idênticos ao modelo espanhol, o dever de estender a
eficácia anulatória ou de reconhecimento de uma determinada situação jurídica
aos demais interessados.
O segundo dos
mecanismos de agilização que se orientam no sentido de evitar a própria propositura
de acções, e assim, a constituição dos processos em massa, é aquele que, ainda
em termos genéricos, o CPTA prevê no art. 187º.
Um dos mais
graves problemas do contencioso administrativo consiste na tendencial
judicialização necessária dos litígios. Escasseiam os mecanismos efectivos de
resolução extrajudicial dos conflitos, a cargo de organismos administrativos
independentes capazes de evitar que se coloquem em tribunal muitas questões que
poderiam ser resolvidas sem a intervenção do Poder Judicial.
A
concretização do art. 187º do CPTA mostra-se, como tal, indispensável para
inverter uma tendência da Administração Pública para ver na justiça
administrativa a instancia que vai dar fundamento a medidas de reintegração da
esfera jurídica dos particulares que se reconhecia serem devidas mas que se
entendia só poderem ser tomadas com base em titulo judicial que as legitimasse.
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