terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Conflito de Competência


Casa da Música tem de pagar 2,7 milhões a comerciantes


O Tribunal Cível do Porto condenou a sociedade Casa da Música/Porto 2001 a indemnizar 60 comerciantes da cidade pelos prejuízos causados pelas obras. No total, com juros, são cerca de 2,7 milhões de euros.
O Tribunal entendeu haver uma relação de causa-efeito entre o que considerou ser falta de planeamento e de organização das obras de requalificação urbana da cidade, levadas a cabo pela então Porto 2001 (atualmente Casa da Música/ Porto 2001, sociedade anónima de capitais públicos) e os prejuízos de 60 estabelecimentos comerciais da Baixa.

http://www.jn.pt/paginainicial/pais/concelho.aspx?Distrito=Porto&Concelho=Porto&Option=Interior&content_id=2893470


Apreciação da Competência/Conflito de Competência

No âmbito desta notícia pode levantar-se a questão da competência dos Tribunais Judiciais relativamente à responsabilidade civil extracontratual do Estado. Evidenciando as partes litigantes, temos como Autor a Associação de Comerciantes do Porto e como Réu a Sociedade Casa da Música/Porto 2001.

A configuração da acção pelo Autor (causa de pedir e pedido) determina qual o tribunal competente para dirimir o litígio. A lei exige que, sempre que um dos sujeitos da relação jurídica seja uma entidade pública (que detenha poderes de autoridade conferidos pelo Direito Administrativo) a praticar o facto que origine o dano, está-se perante uma relação jurídica administrativa[1]. Compete assim (aparentemente), a resolução deste conflito, à jurisdição administrativa.

Contudo o sujeito que praticou o acto lesivo – Casa da Música/Porto 2001 - constitui uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos (exterior à administração). Este factor faz com que, a lei a aplicar seja a comercial e relativamente a tudo quanto for omisso nos seus estatutos, aplicar-se-á o regime geral das sociedades anónimas. Estamos a falar de uma pessoa colectiva de direito privado sujeita ao regime da responsabilidade civil extracontratual nos termos ditados pelo Código Civil e pelo Código das Sociedades Comerciais. Tendo em conta o disposto no art. 4º nº1 al. i) do ETAF, a competência dos tribunais administrativos para se pronunciar sobre acções emergentes de responsabilidade civil extracontratual de entidades privadas depende da existência de lei especial que determine que lhes seja aplicável “o Regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público”. Todas as acções que não sejam especialmente atribuídas a outras espécies de Tribunais, cabe aos Tribunais Judiciais julgá-las.

Aos Tribunais Administrativos cumpre dirimir os litígios relativos a relações jurídicas administrativas. Podemos assim concluir que, a competência para conhecer o caso em apreço, de responsabilidade civil extracontratual do Estado (Sociedade Anónima de capitais exclusivamente públicos), nos termos configurados pelo autor com vista ao ressarcimento dos danos provocados pelas obras do Porto 2001 (tendo por base uma acção por prejuízos causados devido à realização de obras públicas) é dos Tribunais Comuns e não da competência da jurisdição administrativa[2].



Maria Madalena Zenóglio de Oliveira
nº17429
                     


[1] O conceito de relação jurídica administrativa é importante para determinar a repartição de competências entre os Tribunais Judiciais e os Tribunais Administrativos pelo que é necessário definir o que se deve entender por relação jurídica administrativa.
Considera-se que são administrativas não só as relações estabelecidas entre duas pessoas colectivas públicas ou entre dois órgãos administrativos, desde que não haja indícios claros da sua pertinência ao direito privado, como também aquelas em que um dos sujeitos envolvidos (seja ele público ou privado) actua no exercício de um poder de autoridade tendo em vista a realização de um interesse público legalmente definido e aquelas em que um dos sujeitos actua no cumprimento de deveres administrativos, de autoridade pública, impostos pelo interesse público. Deste modo, o que é essencial e caracteriza a relação jurídica administrativa é o facto de um dos seus sujeitos ser uma entidade pública ou uma entidade a quem foram atribuídos poderes de autoridade para desenvolver o fim público que lhe foi definido e que agem ao abrigo de normas de direito administrativo”. M. Esteves de Oliveira e R. Esteves de Oliveira CPTA Anotado, vol. I, pg. 25 e SS. – Ac. do Tribunal de conflitos. 06/09 de 04-11-2009

[2]  “A jurisdição administrativa só será competente para dirimir litígios emergentes de responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados se lei especial assim o determinar e, porque assim, na ausência dessa lei, os Tribunais dessa jurisdição serão incompetentes para resolver esses litígios, ainda que a pessoa colectiva de direito privado interveniente seja de capitais exclusivamente públicos e esteja incumbida do desempenho de actividades de interesse público.” Acórdão do STA de 25/01/2005 (rec. 681/04).

Sem comentários:

Enviar um comentário