quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Providências Cautelares e Contencioso Comunitário


O CPTA estabelece um vasto de leque de pretensões substantivas que os particulares podem apresentar a título principal perante os tribunais administrativos e cuja garantia de efetividade passa pela possibilidade de se obterem as providências cautelares necessárias, independentemente do tipo, a assegurar a utilidade da sentença principal nos casos em que exista o perigo de esta mesma utilidade se esgotar antes da decisão final do tribunal. Por isso se consagra no artigo 112º uma cláusula aberta segundo a qual “quem possua legitimidade para intentar um processo junto dos tribunais administrativo pode solicitar a adoção da providência ou providências cautelares, (…), que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo.”
Mas isto nem sempre se processou desta forma. Recorde-se que até à reforma do Contencioso Administrativo em 2003, a lei do processo nos tribunais administrativos então em vigor –de sua designação, LPTA – apenas previa a providência cautelar de suspensão da eficácia de um ato administrativo a qual dependia da verificação cumulativa de 3 requisitos: a) que fosse provável que da execução do ato resultasse um prejuízo de difícil reparação; b)que da suspensão do ato não resultassem danos graves ao interesse público e c) que não existissem indicações da ilegalidade da interposição de recurso.

O que ocorreria então se a questão se prendesse com a lesão de direitos concedidos aos particulares por normas comunitárias de efeito directo?
No início dos anos 90, várias questões prejudiciais foram apresentadas perante o, então, Tribunal de Justiça das Comunidades relativamente à extensão do poder dos órgãos jurisdicionais nacionais para conceder providências cautelares quando estivessem em causa direitos conferidos pelo direito comunitário. As questões prendiam-se com a suspensão dos atos administrativos lesivos mas o raciocínio expresso nos Acórdãos Factortame, Zuckerfabrik e Atlanta expande a “competência cautelar” dos tribunais em tudo o que seja necessário para garantir a plena eficácia das normas comunitárias.
O primeiro acórdão a que se faz referência – FACTORTAME – data de 19 de Junho de 1990 e enquadra-se numa questão principal de discriminação e violação das obrigações decorrentes da Política Comum de Pescas por parte do Governo do Reino Unido. Ocorreu que , após a adoção da PESC no final dos anos 70, instituiu-se um sistema da quotas para regular o esforço de pesca mas nessa altura o sistema era mais um de previsão do que de efectividade o que levou os países a tentarem capturar tanto peixe quanto possível de forma a que a sua quota fosse fixada a níveis superiores.
Nesse sentido, uma série de navios espanhóis começaram a registar-se como embarcações britânicas e não encontraram qualquer oposição uma vez que isto ajudava o esforço do Governo Britânico para aumentar as suas quotas, que facilmente resolveu o problema secundário da concorrência dos ex-navios espanhóis com os pescadores britânicos com a aprovação do British Fishing Boats Act 1983,proibindo os anglo-espanhóis de venderem o seu produto no Reino Unido.
 Mas quando, em 1985, Espanha ingressou na CEE, a situação mudou drasticamente: o BFBA dirigia-se a embarcações que não comunitárias que já não era o caso dos navios espanhóis; o sistema de quotas começava a demonstrar a sua rigidez e os pescadores britânicos viravam-se agora para o lucro decorrente da pesca até então levada a cabo pelos espanhóis pelo que os proprietários espanhóis rapidamente se muniram de proteção legal contra quaisquer abusos que pudessem ocorrer.
E que de facto ocorreram. Inicialmente o Governo procedeu a alterações dos requisitos indexados às licenças de pesca, as quais foram declaradas como ilegais pelo TJCE – vejam-se os casos “Agegate” e “Jaderow” - , optando mais tarde por uma abordagem direta e brutal através da adoção do Merchant Shipping Act 1988 o qual procurou reservar o direito de propriedade de um navio britânico aos nacionais britânicos, residentes e com domicilio oficial no Reino Unido.
Ignorando agora a questão da discriminação, remeta-se para a questão prejudicial que se revelou tão relevante no que concerne à tutela cautelar dos direitos garantidos por normas comunitárias e que se encontra plasmada nos parágrafos 14 e 15 do Acórdão que pode ser consultado no link seguinte:  

http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:61989CJ0213:EN:PDF 


 Na sua resposta às questões da House of Lords, o Tribunal recordou o que já havia declarado previamente nos casos Simmenthal e Ariete nomeadamente que as regras de aplicabilidade directa do dreito comunitario devem produzir todos os seus efeitos, de maneira uniforme em todos os Estados-Membros, aquando da sua entrada em vigor e durante todo o periodo em que vigorem e que é aos orgas jurisdicionais que compete, em aplicação do princípio da cooperação, garantir a protecção juridica decorrente para os particulares do efeito directo das disposições do dreito comunitário.

O Tribuna conclui que a plena eficácia do direito comunitário seria afectada se o juiz nacional fosse impedido de conceder medidas provisorias para garantir a eficacia da decisao sobre a existência dos direitos invocados com base no direito comunitário, pelo que o juiz é obrigado a descurar a norma de direito interno que o impeça de conceder providências cautelares se, face às circunstâncias do caso, a concederia, interpretação que o tribunal vincula ao artigo 177° do Tratado CEE, o qual perderia efeito útil se se admitisse a impossibilidade do orgao jurisdicional nacional conceder as medidas cautelares necessárias para garantir a utilidade da decisão.

Sem comentários:

Enviar um comentário