quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

REFLEXÕES ACERCA DA ARBITRAGEM INTERNA ADMINISTRATIVA


Como se sabe, existem diversos meios de resolução alternativa/extrajudicial de litígios. Por um lado, a mediação e a conciliação, que são formas amigáveis de resolução de litígios em que se procura alcançar um acordo entre as partes, com a intervenção de uma terceira pessoa, habilitada a exercer as funções de mediador ou de conciliador e, por outro, a arbitragem, que constitui uma forma de resolução de litígios através do recurso a um terceiro neutro e imparcial - o juiz árbitro -, escolhido pelas partes e habilitado a proferir decisões de carácter vinculativo.
Mas o que pode estar sujeito à arbitragem, ou, dito de outro modo, o que é a arbitrabilidade? Será a susceptibilidade de submissão de um litígio a arbitragem voluntária. Ou, socorrendo-nos das palavras do Professor Lima Pinheiro, poderemos dizer que se trata de “um modo de resolução jurisdicional de controvérsias em que, com base na vontade das partes (voluntário), a decisão é confiada a terceiro”, tendo em conta a natureza do objecto do litígio (arbitragem objectiva ou ratione materiae) ou em razão da qualidade das partes (arbitragem subjectiva ou ratione personae), sendo nesta última que se centra a problemática do Estado como parte de um litígio julgado por via arbitral..
A arbitragem voluntária, que pode ser interna ou internacional, pode revestir duas modalidades: ou é um compromisso arbitral, se estiver em causa um litígio actual, já existente, ou uma cláusula compromissória, que se utiliza para regular litígios eventuais, isto é, potenciais ou futuros. Esta distinção é acolhida pela jurisprudência no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/01/2011. [1]
Após esta distinção preliminar, desbruçar-nos-emos de agora em diante do tema que nos ocupa: a arbitragem interna na qual é parte um ente público ou, simplificadamente, a arbitragem interna administrativa.
É notório um fenómeno crescente de liberalização do recurso à arbitragem (regra do favor arbitrandum) no Contencioso Administrativo já que, com a sua evolução ao longo dos tempos, se operou uma transição de uma Administração Pública “liberal, autoritária, elegendo o acto administrativo como a forma principal da sua actuação face aos particulares, vendo os respectivos litígios subtraídos aos tribunais comuns e apreciados por órgãos da própria Administração”[2] para uma Administração que “se coloca, com maior intensidade, ao lado dos particulares, seja quando actua unilateralmente, chamando os particulares a participar no procedimento administrativo, seja quando recorre e desenvolve novos contratos de Direito Administrativo”[3]
Atentaremos agora às particularidades de regime legal em sede de Contencioso Administrativo.
A arbitragem administrativa era regulada no artigo 2º/2 do ETAF de 1984, estando actualmente consagrada no CPTA no Título IX, nomeadamente nos artigos 180º a 187º e na LAV, na sua redacção dada pela Lei nº 63/2011.
Constatamos que, quanto à ratione materiae, ou seja, ao objecto passível de decisão arbitral, encontra-se esta questão resolvida pelo artigo 180º CPTA, enumerando-se, respectivamente, as matérias referentes a contratos, responsabilidade civil extracontratual, revogação de actos administrativos sem fundamentos na sua invalidade e litígios emergentes de relações jurídicas de emprego público, exceptuando os casos de direitos indisponíveis, acidenres de trabalho e doença profissional.
Por outro lado, será de extrema importância mencionar o artigo 182º que, a meu ver, consagra uma disparidade de tratamento entre o particular e o Estado: ao passo que o primeiro tem um direito de recorrer à resolução por via arbitral se assim achar mais conveniente para a prossecução dos seus interesses, pode este exigir do Estado que consigo celebre um compromisso arbitral.
Diz-nos também o artº 1º/1 da LAV que “desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente aos tribunais do Estado ou a arbitragem necessária, qualquer litígio respeitante a interesses de natureza patrimonial pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem”. Leia-se, agora, o nº 5 do referido artigo, que diz respeito à arbitragem em que uma das partes é um ente público “O Estado e outra pessoas colectivas de direito público podem celebrar convenções de arbitragem, na medida em que para tanto estejam autorizados por lei ou se tais convenções tiverem por objecto litígios de direito privado”, ou seja, litígios em que o Estado actua como qualquer ente privado, destituído de ius imperium. Este artigo consagra simultaneamente a arbitrabilidade subjectiva, porque nos diz que o Estado pode ser parte numa arbitragem e a arbitrabilidade objectiva, desde que esteja em causa um litígio de direito privado.
Em matéria administrativa, é competente para arbitrar litígios em todo o território nacional o Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), que é um centro institucionalizado que funciona através de uma associação privada sem fins lucrativos cuja constituição foi promovida pelo Ministério da Justiça, como bem prevê o artº 187º CPTA.
Caso uma das partes assim o pretenda, é possível recorrer judicialmente das decisões desfavoráveis proferidas pelo CAAD.
Conclui-se afirmando que existem notórias vantagens na utilização deste meio, nomeadamente a celeridade na resolução das controvérsias (em média, 2 a 3 meses), a diminuição do montante das custas suportado pelas partes[4], a tendencial maior qualidade das decisões proferidas, na medida em que os juízes do Centro de Arbitragem Administrativa são especializados em matéria de Contencioso Administrativo (nas palavras de João Caupers, este é um caso de fracasso dos juízes e êxito dos peritos[5]), a tramitação electrónica dos processos, que é um meio de simplificação que potencia a resolução dos litígios por via do acordo das partes[6], bem como a susceptibilidade de decidir não exclusivamente segundo a equidade, mas utilizá-la para completar critérios normativos de decisão[7], funcionando esta como “mecanismo flexibilizador do Direito aplicável pela susceptibilidade de os árbitros julgarem segundo a equidade”[8]

Bibliografia:

  • ALMEIDA, Mário Aroso de, O novo regime do processo nos tribunais administrativos, pgs. 401-418, Almedina, 2007
  • AMARAL, Diogo Freitas et alli, Aspectos jurídicos da empreitada de obras públicas, pgs. 35-37, Almedina, 2002
  • CORREIA, Sérvulo, A arbitragem voluntária no domínio dos contratos administrativos, Estudos de Homenagem ao Professor Doutor João de Castro Mendes, Lisboa
  • ESQUÍVEL, José, Os Contratos Administrativos e a Arbitragem, Almedina, 2004
  • FONSECA, Isabel, A arbitragem administrativa e tributária, Almedina, 2012
  •  OLIVEIRA, Ana Perestrelo de, A arbitrabilidade de litígios com entes públicos, pgs. 11-42, 2006
  • OTERO, Paulo, Equidade e arbitragem voluntária, Estudos de Homenagem pelo Centenário do Nascimento do Professor Doutor Paulo Cunha, pgs. 827-854, Almedina, 2012
  • SILVA, Paula Costa e, A nova face da Justiça – os meios extrajudiciais de resolução de controvérsias, pgs. 173-174, Coimbra Editora, 2009


[1] http://arbitragem.pt/jurisprudencia/arbitragem-nacional/supremo-tribunal-justica/2011-01-20--acordao-supremo-tribunal-justica.htm
[2] in ESQUÍVEL, José, Os contratos administrativos e a arbitragem, pg. 137
[3] in SILVA, Vasco Pereira da, Em busca do acto administrativo perdido, pg. 99 e seguintes
[4] http://www.caad.org.pt/userfiles/file/CAAD%20AA%20-%20Tabela%20Encargos%20Processuais%20NOVA%20Logo%20DGPJ%20-%202012-11-27(1).pdf
[5] CAUPERS, João, A arbitragem nos litígios, pg. 6
[6] Poder-se-iam enumerar outras vantagens, mas estas decorrem do site www.caad.org.pt
[7] é este o entendimento do Professor Lima Pinheiro
[8] OTERO, Paulo, Equidade e arbitragem voluntária


Filipa Graça
Nº 18128

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