Conflito entre Tribunais comuns e
Tribunais administrativos
I. Advertência inicial
O
presente trabalho inicia-se com a interpretação do acórdão do Supremo Tribunal
Administrativo de 2010, referente ao conflito de jurisdição existente face à
matéria de responsabilidade civil extracontratual de uma empresa pública sob a
forma de S.A. e cujo teor conclusivo se refere supra, sem prejuízo de uma remissão para o texto integral do mesmo
através:
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/563465d7e34ff12380257746005460d7?OpenDocument&Highlight=0,processo,08%2F10
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/563465d7e34ff12380257746005460d7?OpenDocument&Highlight=0,processo,08%2F10
II. Enquadramento jurídico
A
presente questão prende-se com o facto de saber se as empresas públicas, em
sede de responsabilidade civil extracontratual, estão sempre sujeitas à
jurisdição administrativa ou se pelo contrário, atendendo à sua forma de
actuação o resultado seria de concluir a sua sujeição aos Tribunais Comuns.
Para
resolver esta questão conflitual importa ter em conta o regime de competência
dos Tribunais administrativos e fiscais, o Estatuto dos Tribunais
Administrativos e Fiscais em especial o art.4 que diz respeito ao âmbito de jurisdição.
Aprecie-se
a alínea g), h) e i) do nº1 do art.4º que dizem respeito à questão da
Responsabilidade Civil Extracontratual de entidades públicas e cuja acção
aplicável é a acção comum já por nós estudada em sede de meios processuais do
contencioso administrativo. Admitindo a problemática da demanda de uma entidade
pública que pode exercer amplos poderes no âmbito do direito privado e que
actua frequentemente através da gestão privada, a doutrina tem entendido que a
letra da lei deve sofrer uma interpretação restritiva e onde se lê “ pessoas coletivas
de direito público” deve considerar-se pessoas coletivas que exerçam a sua atividade
através de gestão pública.
Apesar
desta corrente deve considerar-se que existe na ratio legis deste preceito um alargamento
da jurisdição administrativa, abrangendo-se as entidades públicas empresarias
na esteira do pensamento de Maria João Estorninho, evitando-se em última
análise uma “fuga para o Direito Privado” para motivos de exclusão de aplicação
do Direito Administrativo e do Contencioso Administrativo.
O
critério a considerar não é o de exercício da Pessoa Colectiva Pública mas sim
o da personalidade, conforme demonstra Sérvulo Correia. O Direito
Administrativo e o processo Administrativo estão pensados enquanto regimes autónomos
que melhor tutelam as entidades públicas, não é uma questão de especialidade
mas uma questão de racionalização do procedimento dos Tribunais Administrativos
e de autonomia de matérias. Para questões de cariz diferente existe a
necessidade de diferenciar as entidades, as entidades públicas enquanto
pressucussoras do interesse público devem ser tratadas de forma desigual face a
um particular, os Tribunais Administrativos são os mais especializados para a
compreensão do litígio, pode mesmo concluir-se que têm uma relação de maior
proximidade com o litígio se em causa estiver uma relação jurídico-administrativa.
Onde
se lê no art.4º nº1 aliena g) entidades de direito público, deve atender-se às
empresas públicas (municipais ou nacionais), partindo de uma interpretação
literal e atendendo ao espírito do Direito Administrativo e não a um critério
ultrapassado de divisão entre actos de gestão pública e de gestão privada,
conforme refere o senhor professor Vasco Pereira da Silva.
Analisando
as perspectivas doutrinárias e tomando uma posição, refira-se que o ordenamento
não pode ignorar o cariz público da empresa pública, mesmo que possua um cariz
especial face à normal noção de entidade pública. Os Tribunais Administrativos
devem intervir onde existem poderes públicos de autoridade, veja-se a
consagração da aliena i) do mesmo artigo que prevê um alargamento de competência
para questões em que o demandado é uma entidade privada. Com esta referência,
podemos perceber que o critério a tomar em consideração é o exercício de
poderes públicos, a entidade ainda que de cariz privado é submetida aos
Tribunais Administrativos se lhe for aplicável o regime da Lei n.º 67/2007, de
31 de Dezembro. Tem que existir uma norma de “habilitação” para enquadrar estas
entidades no escopo deste artigo, não é uma cláusula geral em que se submetem
aos Tribunais Administrativos qualquer empresa privada, mas sim empresas
privadas em situação “especial”, empresas essas que agem com poderes de
autoridade. Para o professor Vasco Pereira da Silva o que existe é um critério
que assenta na relação administrativa e uma consequente ampliação da jurisdição
e da importância dos Tribunais Administrativos.
O
interesse público é o fundamento e o limite nesta consagração, sendo que o juiz
administrativo é o que melhor julga e pondera interesses privados e públicos, o
juiz do tribunal comum deve ter em conta não o interesse publico em primeira
linha, mas o interesse directo e imediato das partes. O juiz administrativo
pondera os interesses directos das partes em litígio mas actua de acordo com o
Principio da prossecução do interesse publico.
Se
o legislador tivesse a intenção de salvaguardar a posição das empresas públicas
ou exclui-las do âmbito da jurisdição administrativa em sede de responsabilidade
extracontratual, tê-lo ia feito expressamente. Contudo, apenas referindo
Pessoas Colectiva de Direito Público a conclusão é nas palavras de Mário Aroso
de Almeida “ Onde o legislador não distingue, não deve o intérprete
distinguir”.
Com
a ampliação da cláusula de competência dos Tribunais Administrativos para todas
as entidades públicas demandadas em sede de responsabilidade civil
extracontratual, os Tribunais Administrativos aumentam a sua relevância e
existe uma maior aproximação do regime substantivo de Direito Administrativo à
realidade processual, se as entidades públicas estão sujeitas a um Direito autónomo,
ainda que exerçam actos sob a égide de direito privado têm intrínseca a
qualidade de ente público que deve ser ancorado no critério de determinação do
Tribunal competente para a resolução de litígios.
III. Análise crítica
No
presente acórdão apresenta-se como parte activa um particular, A; e no lado
passivo uma entidade pública B; (Hospital sob a forma de S.A.) e um médico do
mesmo. A autora instaurou uma acção contra o referido Hospital num tribunal
administrativo, tendo o mesmo absolvido o réu da instância por não se
considerar competente para o conhecimento do mérito da causa relativa aos ditos
autos, numa segunda acção em sede de tribunais comuns o resultado obtido pelo
particular foi o mesmo, o tribunal absolveu o réu da instância por não se
considerar competente. Na primeira acção, em sede de tribunais administrativos “os réus defenderam-se por excepção
(dilatória) alegando que a primeira ré apesar de se tratar de uma sociedade
anónima de capitais exclusivamente públicos, rege-se pelas normas de direito
privado, pelo que esse tribunal não tinha competência (em razão da matéria)
para julgar a presente demanda, o que determinava a absolvição da instância dos
réus;”. Perante o estudo jurídico-doutrinal efectuado, com o devido
respeito, conclui-se que esta decisão não é a melhor tendo em conta as
justificações apontadas supra, como
se sabe o critério usado pelo legislador no ETAF é o de cariz público da
entidade, não um critério segundo modos de actuação. Assim, o litígio deveria
ter sido julgado pelo referido tribunal administrativo, tendo este
considerar-se competente para o efeito.
Note-se,
mesmo sendo o hospital uma S.A., o acto lesivo ocorreu antes do processo de
transformação do mesmo e ainda se reforce a posição seguinte: sendo um hospital
público que presta um serviço público, apenas a sua gestão pode ser vista como
empresarial, o escopo da sua actuação fundamenta-se numa relação jurídico-administrativa
(prestação de um serviço público).
A
decisão do STA é a seguinte: “Com os fundamentos expostos se acorda em resolver
o presente conflito de jurisdição, atribuindo a competência para o conhecimento
da questão ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga”.
A
conclusão do STA vai ao encontro do que aqui é defendido, embora os motivos
justificadores sejam diferentes, contudo este acórdão não aborda a temática
global da legitimidade passiva das entidades públicas em sede de contencioso da
responsabilidade civil, refira-se e conclua-se pela orientação que aplica às
mesmas as normas do art.4 nº1 do ETAF alínea g) quando formem uma relação jurídico-administrativa.
Ana Filipa Urbano aluna nº19469
Sem comentários:
Enviar um comentário