A sentença
como acto de decisão com diferentes fins
A sentença,
em traços gerais, é o acto pelo qual o juiz, no âmbito da função de
administrar, da justiça, decide a causa principal ou algum incidente que
apresente a estrutura de uma causa (156/2 CPC).
No que diz
respeito ao seu fim ou efeitos que as sentenças produzem, estas podem ser
classificadas em: sentenças de simples apreciação, sentenças de condenação e
sentenças constitutivas.
Cumpre
analisar individualmente cada tipo de sentença. As sentenças de simples
apreciação contêm a declaração da existência ou inexistência de um direito (ou
relação jurídica) ou de um facto (art. 4.º/2-a) do CPC), pelo que não implicam
a alteração de relações jurídicas substantivas. No Direito Administrativo é exemplo
aqui inserível a
sentença de provimento de um pedido impugnatório em que exista a declaração de
invalidade de um acto da Administração.
As
sentenças condenatórias estabelecem o dever de prestação de um facto, positivo
ou negativo, de uma coisa ou de uma quantia (art. 4.º/2-b) do CPC)
destacando-se no âmbito Administrativo a condenação que implica uma intimação de uma autoridade
publica para a adopção ou abstenção de comportamentos bem como a de condenação
à omissão ou à pratica de um acto administrativo devido.
Por fim,
temos as sentenças constitutivas, que produzem ou autorizam uma alteração na
ordem jurídica existente, criando, modificando ou extinguindo uma relação ou
situação jurídica (art. 4.º/2-c) do CPC) com relevância no Direito
Administrativo em sentença
que invalida actos de autoridade, concretos ou normativos que violam a lei ou
um direito ou interesse legalmente previsto.
São ainda de
considerar outras categorias: a sentença de execução – exaradas no âmbito do
processo executivo ainda que produzam efeitos tipicamente declarativos – com efeitos condenatórios,
declarativos, constitutivos, ou substitutivos; e sentença de provimento ( á luz da cumulação de
pedidos 4º e 47º CPTA).
À
semelhança do que acontece no processo civil, a sentença é um título executivo
que possibilita o seu titular de fazer executar pelos meios legais disponíveis
o seu direito, neste caso, recorrendo aos tribunais administrativos, quer
contra a Administração Pública, quer contra um particular (artigos 153º/3 e
157º/2 do CPTA, respetivamente).
O caso
julgado; alcance objectivo e subjectivo
Cabe
aqui a analisar, á luz da sua decorrência do trânsito em julgado (1), os limites do caso julgado (2) começando pelo seu âmbito do ponto
de vista objectivo, temática sobre a qual, tradicionalmente, numa posição defendida por MARCELLO CAETANO (3), se reconhece só a decisão e não os motivos ou fundamentos dela como parte do caso
julgado.
O professor
FREITAS DO AMARAL acrescenta, ainda, que para efeitos de caso julgado releva
somente a causa de pedir invocada e conhecida pelo tribunal (4), pelo que, a não procedência do
recurso nada concluiu sobre a validade total do acto em causa, avalia somente a
validade á luz dos fundamentos alegados.
Numa
perspectiva mais actualista, o professor VIERA DE ANDRADE (5) refere que, a próposito de sentença anulatória, relevam também os fundamentos que levaram á anulação,
porque desencadeiam consequências normativas para o caso nomeadamente em duas
vertentes: quanto à possibilidade de renovação dos actos anulados; e quanto ao
conteúdo dos deveres de reconstituição da situação de facto de acordo com o
direito pronunciado.
Do âmbito subjectivo
Já antes da
reforma de 2002 (6) a doutrina
analisava a questão de saber quais os sujeitos abrangidos pela autoridade do
caso julgado, nomeadamente contrapondo duas perspectivas: a sujectivista - eficácia entre as partes - isto é, o caso
julgado só tem eficácia em relação as pessoas que intervieram no processo como
partes; e a objectivista - eficácia erga omnes – segundo a qual o caso julgado
teria eficácia não só entre as partes intervenientes no processo, mas todas as
pessoas que possam ser beneficiadas ou prejudicadas pela decisão em causa.
Numa perspectiva
histórica cumpre lembrar que a função subjectiva predominou no entre 1832 a
1933, sendo o período de 1933 a 1974 marcado por doutrina maioritária no sentido de um contencioso
administrativo português de cariz objectivista. Com a nova constituição de 1976
há um reforço da função subjectiva com destaque para a revisão de 1997 e a
consagração do princípio da garantia de tutela jurisdicional efectiva nos
termos do artigo 268º, nº 4 e 5 da CRP.
O
professor FEZAS VITAL entendia a sentença anulatória como produtora de efeitos
erga omnes em consequência da função objectiva do recurso como forma de defesa
da legalidade, ao passo que pelo contrário, a decisão de rejeição do recurso
teria mera eficácia inter-partes. É, porém, notória a insuficiência desta análise dada
a multiplicidade de realidades que cabe ao Direito Administrativo ter em conta.
Neste sentido, mais tarde, aprofundando a questão, o professor MARCELLO
CAETANO
diferenciava
os efeitos de uma sentença anulatória como sendo inter partes ou erga
omnes conforme o fundamento da anulação fosse subjectivo ou objectivo, por,
respectivamente, respeitar a factos que só se verificassem no impugnante ou
resultar de uma ilegalidade objectiva, exceptuando porém, se estiver em causa
um acto indivisível, que independentemente do tipo de fundamento, produzirá
efeitos erga omnes. Quanto á decisão de negação de provimento, o professor
acolhe a opinião de FEZAS VITAL.
O
professor FREITAS DO AMARAL vem concordar com a relevância da distinção entre
fundamentos objectivos e subjectivos do professor MARCELLO CAETANO (questionada
pelo professor RUI MACHETE que vê em qualquer das hipóteses eficácia erga omnes
em caso de decisão de anulação), contudo, introduz uma nova solução: afirma
que, quer em caso de negação de provimento, quer em caso de concessão de
provimento, a eficácia será erga-omnes se o fundamento for objectivo e
inter-partes se o fundamento alegado for subjectivo. O professor enfatiza ainda
outro aspecto: a necessidade de, dada a consagração do principio geral de
defesa (actualmente no 20º/1 CRP), e mesmo na presença de eficácia erga-omnes,
ser garantida a defesa contra efeitos desfavoráveis a quem não foi parte no
processo (7).
No
que diz respeito a uma análise mais recente, inclusivé á luz do ordenamento
jurídico vigente, o professor VIEIRA DE ANDRADE refere que as sentenças, em
regra, produzem os seus efeitos apenas entre partes, sendo normal que valha
para os interessados, aqueles que estiveram ou deveriam de ter estado em juízo,
valendo-se do CPTA, artigo 2º,
nº2.
Esta regra possui,
porém, algumas excepções.
A primeira excepção é
relativa à declaração de
ilegalidade de normas, consagrado no art. 76º. CPTA. Ora neste caso não fará
qualquer sentido que não se oponha a todos dado que a norma deixa de existir no
ordenamento jurídico, pelo que, pela natureza das coisas, os seus efeitos
operam erga omnes (artigo 76º do CPTA).
Outro caso são os
processos de impugnação de actos administrativos, que resultam em sentenças de
anulação, de carácter constitutivo, produzindo a eliminação do acto da ordem
jurídica. Neste sentido, vale erga omnes, na medida em que ninguém pode
pretender que, relativamente a si, o acto não foi anulado. O prof VIEIRA DE ANDRADE alerta
ainda, que quanto ao efeito assertivo, deve distinguir-se, na perspectiva dos
potências destinatários, a oponibilidade dos efeitos desfavoráveis da dos
efeitos favoráveis da sentença. Assim sendo quanto aos efeitos
desfavoráveis da sentença anulatória deve concluir-se em geral que apenas
produzem efeitos inter partes enquanto que, por outro lado, aos efeitos
favoráveis da sentença anulatória é defensável a mera extensão dos efeitos a
todas as pessoas prejudicadas pelo acto anulado (e não a eficácia erga omnes).
Por fim temos o caso da
acção popular, as sentenças emitidas nos processos desta natureza têm, em
princípio, eficácia erga omnes. Cumpre esclarecer que, a ser de outro modo, as
hipóteses de repetição ad infinitum da mesma causa de pedir poderiam trazer
graves prejuízos para o bom funcionamento da justiça e para a paz necessária à
resolução de litígios. Ademais, haverá sempre o direito de auto-exclusão da
representação para aqueles que a ele decidirem recorrer (art. 19º da Lei da Acção Popular). Quanto á acção popular, o Professor LEBRE DE FREITAS (8) vem a este propósito questionar a
eficácia erga-omnes de caso julgado desfavorável contra interessado que não
exercendo direito ab initio ou por recurso a intervenção como terceiro, não se
tenha excluído da representação. SOFIA ENRIQUEZ (8) discorda ao entender a faculdade de agir concedida a cada
interessado como um ónus a seu cargo pelo que nada fazendo perante citação, a
sua faculdade de intervenção entende-se como precludida.
(1) O caso julgado resulta da
insusceptibilidade de impugnação por recurso ou reclamação de uma decisão,
decorrente do seu trânsito em julgado (677º CPC). Traduz-se na
inadmissibilidade de substituição ou modificação da decisão por qualquer
tribunal.
(2) Nesta sede,
interessam-nos as sentenças que se tenham pronunciado sobre o mérito da causa –
caso julgado material - e não as sentenças meramente formais (por exemplo, que
tenham posto termo ao processo por falta de pressupostos processuais) ou que
decidam meros incidentes processuais – caso julgado formal.
(3) CAETANO, Marcello, “Manual de Direito
Administrativo”
(4)
O professor refere como exemplo o facto do
conhecimento pelo tribunal de recurso baseado em vício de forma não obsta á
invocação em novo processo de outros fundamentos, nomeadamente, erro de facto. AMARAL, Freitas de, “Direito Administrativo,
Vol.IV”
(5)
JOSÉ
VIEIRA DE ANDRADE, “A Justiça Administrativa (Lições)”, 9ª. edição, 2007,
Almedina
(6) Lei nº15/2002 de 22 de Fevereiro,
alterada pela Leinº4-A/2003 de 19 de Fevereiro, pela Lei nº58/2008 de 11 de
Setembro e, ainda, pela Lei nº63/2011 de 14 de Dezembro
(7) No em sentido semelhante, MACHETE, Rui, “O contencioso administrativo.
O caso julgado nos recursos directos de anulação”, 1973, refere que nos actos plurais quem não foi parte no processo
não é abrangido pelo caso julgado.
(8)
ENRIQUEZ, Sofia Isabel Ferreira, “Os limites subjectivos do caso
julgado na lei de acção popular"
(
João Teles 20410
Sem comentários:
Enviar um comentário