terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Dos limites objectivos e subjectivos do caso julgado á extensão dos efeitos da sentença (I)



A sentença como acto de decisão com diferentes fins

A sentença, em traços gerais, é o acto pelo qual o juiz, no âmbito da função de administrar, da justiça, decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa (156/2 CPC).

No que diz respeito ao seu fim ou efeitos que as sentenças produzem, estas podem ser classificadas em: sentenças de simples apreciação, sentenças de condenação e sentenças constitutivas.

Cumpre analisar individualmente cada tipo de sentença. As sentenças de simples apreciação contêm a declaração da existência ou inexistência de um direito (ou relação jurídica) ou de um facto (art. 4.º/2-a) do CPC), pelo que não implicam a alteração de relações jurídicas substantivas. No Direito Administrativo é exemplo aqui inserível a sentença de provimento de um pedido impugnatório em que exista a declaração de invalidade de um acto da Administração.

As sentenças condenatórias estabelecem o dever de prestação de um facto, positivo ou negativo, de uma coisa ou de uma quantia (art. 4.º/2-b) do CPC) destacando-se no âmbito Administrativo a condenação que implica uma intimação de uma autoridade publica para a adopção ou abstenção de comportamentos bem como a de condenação à omissão ou à pratica de um acto administrativo devido.

Por fim, temos as sentenças constitutivas, que produzem ou autorizam uma alteração na ordem jurídica existente, criando, modificando ou extinguindo uma relação ou situação jurídica (art. 4.º/2-c) do CPC) com relevância no Direito Administrativo em sentença que invalida actos de autoridade, concretos ou normativos que violam a lei ou um direito ou interesse legalmente previsto.

São ainda de considerar outras categorias: a sentença de execução – exaradas no âmbito do processo executivo ainda que produzam efeitos tipicamente declarativos – com efeitos condenatórios, declarativos, constitutivos, ou substitutivos; e sentença de provimento ( á luz da cumulação de pedidos 4º e 47º CPTA).

À semelhança do que acontece no processo civil, a sentença é um título executivo que possibilita o seu titular de fazer executar pelos meios legais disponíveis o seu direito, neste caso, recorrendo aos tribunais administrativos, quer contra a Administração Pública, quer contra um particular (artigos 153º/3 e 157º/2 do CPTA, respetivamente).


O caso julgado; alcance objectivo e subjectivo

Cabe aqui a analisar, á luz da sua decorrência do trânsito em julgado (1), os limites do caso julgado (2) começando pelo seu âmbito do ponto de vista objectivo, temática sobre a qual, tradicionalmente, numa posição defendida por MARCELLO CAETANO (3), se reconhece só a decisão e não os motivos ou fundamentos dela como parte do caso julgado.

O professor FREITAS DO AMARAL acrescenta, ainda, que para efeitos de caso julgado releva somente a causa de pedir invocada e conhecida pelo tribunal (4), pelo que, a não procedência do recurso nada concluiu sobre a validade total do acto em causa, avalia somente a validade á luz dos fundamentos alegados.

Numa perspectiva mais actualista, o professor VIERA DE ANDRADE (5) refere que, a próposito de sentença anulatória, relevam também os fundamentos que levaram á anulação, porque desencadeiam consequências normativas para o caso nomeadamente em duas vertentes: quanto à possibilidade de renovação dos actos anulados; e quanto ao conteúdo dos deveres de reconstituição da situação de facto de acordo com o direito pronunciado.

Do âmbito subjectivo

Já antes da reforma de 2002 (6) a doutrina analisava a questão de saber quais os sujeitos abrangidos pela autoridade do caso julgado, nomeadamente contrapondo duas perspectivas: a sujectivista -  eficácia entre as partes - isto é, o caso julgado só tem eficácia em relação as pessoas que intervieram no processo como partes; e a objectivista - eficácia erga omnes – segundo a qual o caso julgado teria eficácia não só entre as partes intervenientes no processo, mas todas as pessoas que possam ser beneficiadas ou prejudicadas pela decisão em causa.

Numa perspectiva histórica cumpre lembrar que a função subjectiva predominou no entre 1832 a 1933, sendo o período de 1933 a 1974 marcado por  doutrina maioritária no sentido de um contencioso administrativo português de cariz objectivista. Com a nova constituição de 1976 há um reforço da função subjectiva com destaque para a revisão de 1997 e a consagração do princípio da garantia de tutela jurisdicional efectiva nos termos do artigo 268º, nº 4 e 5 da CRP.

O professor FEZAS VITAL entendia a sentença anulatória como produtora de efeitos erga omnes em consequência da função objectiva do recurso como forma de defesa da legalidade, ao passo que pelo contrário, a decisão de rejeição do recurso teria mera eficácia inter-partes. É, porém, notória a insuficiência desta análise dada a multiplicidade de realidades que cabe ao Direito Administrativo ter em conta. Neste sentido, mais tarde, aprofundando a questão, o professor MARCELLO CAETANO diferenciava os efeitos de uma sentença anulatória como sendo inter partes ou erga omnes conforme o fundamento da anulação fosse subjectivo ou objectivo, por, respectivamente, respeitar a factos que só se verificassem no impugnante ou resultar de uma ilegalidade objectiva, exceptuando porém, se estiver em causa um acto indivisível, que independentemente do tipo de fundamento, produzirá efeitos erga omnes. Quanto á decisão de negação de provimento, o professor acolhe a opinião de FEZAS VITAL.

O professor FREITAS DO AMARAL vem concordar com a relevância da distinção entre fundamentos objectivos e subjectivos do professor MARCELLO CAETANO (questionada pelo professor RUI MACHETE que vê em qualquer das hipóteses eficácia erga omnes em caso de decisão de anulação), contudo, introduz uma nova solução: afirma que, quer em caso de negação de provimento, quer em caso de concessão de provimento, a eficácia será erga-omnes se o fundamento for objectivo e inter-partes se o fundamento alegado for subjectivo. O professor enfatiza ainda outro aspecto: a necessidade de, dada a consagração do principio geral de defesa (actualmente no 20º/1 CRP), e mesmo na presença de eficácia erga-omnes, ser garantida a defesa contra efeitos desfavoráveis a quem não foi parte no processo (7).

No que diz respeito a uma análise mais recente, inclusivé á luz do ordenamento jurídico vigente, o professor VIEIRA DE ANDRADE refere que as sentenças, em regra, produzem os seus efeitos apenas entre partes, sendo normal que valha para os interessados, aqueles que estiveram ou deveriam de ter estado em juízo, valendo-se do CPTA, artigo 2º, nº2.
Esta regra possui, porém, algumas excepções.

A primeira excepção é relativa à  declaração de ilegalidade de normas, consagrado no art. 76º. CPTA. Ora neste caso não fará qualquer sentido que não se oponha a todos dado que a norma deixa de existir no ordenamento jurídico, pelo que, pela natureza das coisas, os seus efeitos operam erga omnes (artigo 76º do CPTA).

Outro caso são os processos de impugnação de actos administrativos, que resultam em sentenças de anulação, de carácter constitutivo, produzindo a eliminação do acto da ordem jurídica. Neste sentido, vale erga omnes, na medida em que ninguém pode pretender que, relativamente a si, o acto não foi anulado. O prof VIEIRA DE ANDRADE alerta ainda, que quanto ao efeito assertivo, deve distinguir-se, na perspectiva dos potências destinatários, a oponibilidade dos efeitos desfavoráveis da dos efeitos favoráveis da sentença. Assim sendo quanto aos efeitos desfavoráveis da sentença anulatória deve concluir-se em geral que apenas produzem efeitos inter partes enquanto que, por outro lado, aos efeitos favoráveis da sentença anulatória é defensável a mera extensão dos efeitos a todas as pessoas prejudicadas pelo acto anulado (e não a eficácia erga omnes). 

Por fim temos o caso da acção popular, as sentenças emitidas nos processos desta natureza têm, em princípio, eficácia erga omnes. Cumpre esclarecer que, a ser de outro modo, as hipóteses de repetição ad infinitum da mesma causa de pedir poderiam trazer graves prejuízos para o bom funcionamento da justiça e para a paz necessária à resolução de litígios. Ademais, haverá sempre o direito de auto-exclusão da representação para aqueles que a ele decidirem recorrer (art. 19º da Lei da Acção Popular). Quanto á acção popular, o Professor LEBRE DE FREITAS (8) vem a este propósito questionar a eficácia erga-omnes de caso julgado desfavorável contra interessado que não exercendo direito ab initio ou por recurso a intervenção como terceiro, não se tenha excluído da representação. SOFIA ENRIQUEZ (8) discorda ao entender a faculdade de agir concedida a cada interessado como um ónus a seu cargo pelo que nada fazendo perante citação, a sua faculdade de intervenção entende-se como precludida.



(1)   O caso julgado resulta da insusceptibilidade de impugnação por recurso ou reclamação de uma decisão, decorrente do seu trânsito em julgado (677º CPC). Traduz-se na inadmissibilidade de substituição ou modificação da decisão por qualquer tribunal.

(2)   Nesta sede, interessam-nos as sentenças que se tenham pronunciado sobre o mérito da causa – caso julgado material - e não as sentenças meramente formais (por exemplo, que tenham posto termo ao processo por falta de pressupostos processuais) ou que decidam meros incidentes processuais – caso julgado formal.

(3)   CAETANO, Marcello, “Manual de Direito Administrativo”

(4)   O professor refere como exemplo o facto do conhecimento pelo tribunal de recurso baseado em vício de forma não obsta á invocação em novo processo de outros fundamentos, nomeadamente, erro de facto. AMARAL, Freitas de, “Direito Administrativo, Vol.IV”

(5)   JOSÉ VIEIRA DE ANDRADE, “A Justiça Administrativa (Lições)”, 9ª. edição, 2007, Almedina

(6)   Lei nº15/2002 de 22 de Fevereiro, alterada pela Leinº4-A/2003 de 19 de Fevereiro, pela Lei nº58/2008 de 11 de Setembro e, ainda, pela Lei nº63/2011 de 14 de Dezembro

(7)   No em sentido semelhante, MACHETE, Rui, “O contencioso administrativo. O caso julgado nos recursos directos de anulação”, 1973, refere que nos actos plurais quem não foi parte no processo não é abrangido pelo caso julgado.

(8)   ENRIQUEZ, Sofia Isabel Ferreira, Os limites subjectivos do caso julgado na lei de acção popular"
(

   João Teles 20410

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