Extensão dos efeitos da sentença
Descrição
O instituto da extensão dos efeitos das sentenças transitadas em julgado é
uma das novidades no campo da agilização processual que surgiu com a Reforma do
Contencioso Administrativo de 2002, previsto no art. 161º do Código de
Processo dos Tribunais Administrativos, e que teve como fonte de inspiração a
Ley de la Jurisdicción Contencioso-Administrativa Espanhola de 1998, de 13 de
Júlio, no seu art. 110º (1)
O nº1 vem permitir a extensão dos
efeitos da sentença a decisão que:
- tenha anulado um acto
administrativo desfavorável, isto é, no domínio de acção administrativa
especial,
- reconheça situação jurídica
favorável, no domínio da acção administrativa comum, nos termos do art.
37º nº2.
À partida parece evidente que ainda que
o preceito se refira somente a “anulação” é de incluir no mesmo as situações de
nulidade, anulabilidade e inexistência.
Este
mecanismo, e claramente na procura do descongestionamento dos tribunais
administrativos, pode beneficiar quem “tenha ou não recorrido á via judicial”.
A extensão pode, portanto, beneficiar dois tipos de terceiros:
- aqueles
que interpuseram um processo, isto é, os processos que ainda se encontram
pendentes, pelo que o trânsito em julgado do processo do particular que
recorreu á via judicial obsta ao funcionamento deste instituto (
visa-se respeitar a força vinculante das decisões judiciais, a protecção do
caso julgado – 18/2 CRP) ;
- os
que nunca chegaram a fazer sequer uso do meio processual devido.
Visa-se neste último caso, beneficiar os terceiros alheios ao processo e evitar
propositura de acções, livrando, desta forma, os tribunais de de repetição de
julgamentos sobre a mesma matéria e onde se demanda a mesma entidade
administrativa.
O prof.
VIEIRA DE ANDRADE vem alertar para o facto de ao se permitir extensão a quem
não se fez valer de via judicial se pode fragilizar o caso decidido.
Esta
delimitação pode, contudo, colocar também problemas quanto á igualdade dos sujeitos
envolvidos (2). O problema coloca-se
na possibilidade de existência de desigualdade patente entre o particular que
de facto recorreu aos tribunais para procurar fazer valer as suas pretensões
quer via anulação de acto quer para ver reconhecida situação jurídica
favorável, e quem simplesmente se remeteu á inércia. Ora no primeiro caso o
particular vê vedado o acesso á extensão dos efeitos de sentença a si favorável
enquanto que, pelo contrário, o outro particular pode, no caso de reunidos todos os
requisitos (explicados adiante), dela beneficiar.
Outros
institutos apresentam-se como possíveis formas de atenuar este problema. Logo a
partida é possível, via 152º do CPTA, interpor recurso de uniformização de
jurisprudência em caso de conhecida existência de anterior decisão de caso
idêntico em sentido favorável. A desvantagem patente é o número circunscrito de
casos onde será possível tal mecanismo, até pelo facto de ser apenas válido
para acórdãos dos Tribunais Centrais e do Supremo Tribunal Administrativo.
Quanto ao recurso de revisão, nem se põe a questão, dado o não preenchimento
dos seus pressupostos.
Cumpre ainda
assinalar outro aspecto: dado que a decisão judicial só vincula a Administração
nos precisos termos em que descartou a invalidade do acto, em casos de decisão
desfavorável em relação ao pedido de nulidade do acto, pode o particular
interpor nova acção com base em fundamentos diferentes dos que foram analisados
no caso transitado em julgado. Ora se pode o particular basear novo litígio com
base noutra causa de pedir, também pode a Administração revogar ou declarar a
nulidade com base em fundamentos não analisados pelo juiz (3)
Por fim,
ainda que não se possa recorrer a qualquer destas soluções, está disponível a
proposição de acção de responsabilidade civil por facto ilícito, á luz dos
artigos 37/2f e 38/1 CPTA.
È verdade que
se poderá, como acima exposto, encontrar um problema de igualdade, conclui-se
que o legislador acabou aqui por dar prevalência á força do caso julgado, como
parece acertado.
Requisitos
A aplicação deste mecanismo tem de respeitar determinados elementos a
verificar no caso concreto. Em primeira linha exige-se que em causa estejam situações
perfeitamente idênticas. Neste âmbito tem-se colocado a questão do
preceito circunscrever ou não a extensão de efeitos a actos plurais.
Segundo o Prof. Vasco PEREIRA DA SILVA, os actos plurais são conjunto de
actos, lógica e praticamente separáveis, com uma pluralidade de destinatários,
mas que se encontram formalmente unificados, enquanto que o Prof. Diogo FREITAS
do AMARAL (4) os define como actos
em que Administração toma uma decisão aplicável por igual a várias pessoas
diferentes. Por seu lado o Prof. Marcelo REBELO DE SOUSA (5), considera que os actos plurais são actos que produzem efeitos
idênticos em relação a uma pluralidade de pessoas, instrumentalmente unificados
numa exteriorização única por razões de economia e de eficiência
procedimentais.
Nesta matéria veio o Acordão do STA de 19 de Abril de 2007 referir que não
colhe a visão que limita a aplicação do artigo 161º a actos plurais ou gerais,
até porque a letra do mesmo não infere nesse sentido falando em “acto
administrativo favorável” ou “situação jurídica favorável” no geral.
O nº2 do artigo indicia a sua aplicação ao domínio publico e no âmbito de
concursos mas não o circunscreve a estes âmbitos (6).
Prosseguindo a análise á letra do referido número, o mesmo refere um dos
aspectos que mais polémica suscitou a nível doutrinário: a exigência de cinco
sentenças transitadas em julgado no mesmo sentido ou três sentenças no mesmo
sentido de processos seleccionados em situação de processos de massa segundo o
artigo 48º CPTA. (7)
A diferença em termos de exigência advém do facto de uma sentença nos termos
do art.48º ser emitidas no processo–modelo, após identificação de vinte e um
processos semelhantes, logo pressupõe-se que os tribunais reconheceram um potencial de aplicação a um elevado número de outros
processos pendentes pelo que ainda que se exijam apenas três sentenças
estas reflectem um número enormemente elevado de processos (8).
Quanto ao maior número de processos, cinco, exigidos nos outros casos,
procura-se que o sentido da decisão tenha um acolhimento jurisprudencial
consolidado e de extensão considerável, de forma a precaver a segurança
jurídica. Parece-me portanto perfeitamente justificável esta diferença de
exigência até porque, em ultima instância, as três decisões em processos de
massa reflectem um numero superior de processos em relação ás cinco sentenças
exigidas na primeira parte do artigo.
Outra questão é apurar se de facto parece necessário exigir número tão
elevado de sentenças, o que acaba por tornar bastante difícil a utilização
deste mecanismo, ao tornar a sua aplicação muito estreita, principalmente após
a alteração operada pela lei 4/2003 que fixou esta letra. Se de facto se
pretende evitar a propositura de novas acções e descongestionar os tribunais
com processos semelhantes em curso, parece suficiente o requisito da lei
original (9), pois a segurança
jurídica parece na mesma salvaguardada, até pelo respeito por eventuais
contra interessados, temática adiante analisada.
Não se pense que decisão proferida em matéria cautelar pode aqui ser tida
em conta, já que ainda que esta verse sobre questões de mérito, dada a sua
provisoriedade e instrumentalidade, esta não decide o fundo da causa, função essa
que é do processo principal sob a qual a providência corre por apenso. Quanto
aos processos sumários é verdade que a letra não o exclui mas dado o seu
caracter célere coloca-se a dúvida.
De extrema importância é a salvaguarda dos direitos dos contra
interessados. De facto o nº5 ressalva que quando hajam contra interessados
que não tomaram parte na sentença, a extensão só pode ser requerida se o
próprio interessado tiver lançado tempestiva mão da via judicial, processo esse
pendente.
Esta defesa de interesses de terceiros, públicos ou privados, surge assim
na defesa da legalidade, como contraponto á igualdade, que se vê assim com toda
a razão limitada. Pretende-se que não sejam ignorados outros interesses que não
foram avaliados na sentença cujos efeitos de pretendem estender, protegendo a
tutela jurisdicional de quem, possuindo interesses não pode fazer valer-se
dessa tutela constitucionalmente garantida. A própria noção de caso julgado na
sua vertente subjectiva (alvo de estudo na PARTE I) vai de encontro a esta
solução, bem como o principio da boa fé.
Esta ressalva tem contudo, juntamente com os outros requisitos, tornado
bastante difícil a aplicação do preceito em estudo até porque a Administração
tem sempre a tendência recusar o pedido requerido com base no
161º/3 CPTA com base em contra interesses logo á partida, remetendo discussão
para o processo nos termos do 161º/4 CPTA.
De forma mais detalhada passemos a analisar como se processa o pedido do
particular para extensão de efeitos da sentença:
- O particular pode primeiramente, através de pedido á entidade
administrativa nos termos do 161º/3 CPTA, vir requerer os efeitos pretendidos
pelo que a questão pode logo ficar decidida extrajudicialmente. O particular
faz assim valer o deu direito de exigir que a administração se comporte com ele
como se tivesse sido ele a obter a sentença transitada em julgado proferida
contra essa entidade em processo instaurado por terceiro, evitando a propositura de
qualquer acção (10).
- Sendo indeferida a pretensão, em sede de 161º/4, o interessado procura
que seja em tribunal a comprovar o preenchimento dos requisitos para haver
extensão. A pronúncia do tribunal irá ou não no sentido de determinar que os
efeitos de sentença idêntica proferida noutro processo aproveitam ao
interessado. A decisão seguirá os trâmites do processo de execução de
sentenças de anulação de actos administrativos (atente-se á localização do
artigo 161º no Titulo VII – Processo Executivo).
No caso de existirem interesses de terceiro que não intervieram no processo
que confere a vantagem:
- o interessado na extensão dos efeitos lançou mão da via judicial
adequada e chamou os terceiros ou pode ainda fazê-lo (via 10/7º CPTA, 326,
322/1 e 320/a CPC), sendo os interesses em causa avaliados em tribunal.
- o interessado não accionou o meio processual adequado e a extensão
é de todo impossível.
Em conclusão cumpre referir que de facto este mecanismo visou o
descongestionamento dos tribunais, reduzindo também custos ao particular, o que
há partida é de facto de louvar bem como intentou promover a promoção do princípio
da igualdade. Porém dada a dificuldade de articulação com outros princípios,
nomeadamente o respeito pelo caso julgado e a tutela jurisdicional acaba por se
alcançar uma “complexa simplificação” (11)
dada a duplicidade de órgãos a quem irá recorrer o particular bem como a
tendência da Administração em recusar a pretensão ou negá-lo com base em
contra-interessados. A própria solução de exigência de três ou cinco sentenças
poderá inclusive parecer exagerada sob pena de paralisar a efectiva utilidade
do mecanismo em demasiados casos
(1) O artigo 110º
da LJCAE vem consagrar a visão da jurisprudência espanhola que, com o objectivo
de aligeirar a carga processual dos tribunais, considerava extensível “ultra
partem” a eficácia anulatória de certo acto e o reconhecimento de determinada
situação jurídica aos demais interessados que se encontrassem na mesma situação
jurídica, independentemente de terem recorrido á via judicial ou não.
(2) Neste
sentido, CARLA AMADO GOMES, “Textos Dispersos de Direito do Contencioso
Administrativo”, 2009
(3) CARLA AMADO
GOMES refere porém um problema: o artigo 95/2 CPTA indica que o juiz deve
apreciar causas de invalidade diferentes das alegadas em consequência de
qualquer pedido impugnatório.
(4) DIOGO FREITAS DO AMARAL, “Curso de
Direito Administrativo” II, 2001
(5) MARCELO
REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, “Direito Administrativo Geral”, Tomo
III, 2010
(6) A lei
espanhola apenas admite extensão de efeitos em matéria tributária e de
funcionalismo público.
(7) A letra da versão
original do artigo apenas exigia três sentenças ou uma decisão de processo
seleccionado.
(8) JOÃO TIAGO SILVEIRA“A
extensão dos efeitos de sentenças a casos idênticos no contencioso
administrativo”, in Estudo em Homenagem a Miguel Galvão Teles, Volume I, 2012,
(9) Neste
sentido, VIEIRA DE ANDRADE, “A Justiça Administrativa” Lições, 2011.
Por outro lado, concorda com o critério da lei, CARLA AMADO GOMES
“Textos…..”.
(10) DIOGO FREITAS DO AMARAL E MÁRIO
AROSO DE ALMEIDA “Grandes Linhas da Reforma do Contencioso
Administrativo”, 2007
(11) Como bem vem chamar COLAÇO ANTUNES no seu comentário ao artigo 161º.
João Teles
20410
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