Desde sempre a Doutrina discute qual o modelo de Contencioso Administrativo a adoptar com base na finalidade que cumprirá ao mesmo prosseguir, numa ponderação entre a defesa dos direitos subjectivos dos particulares e a defesa da legalidade, o clássico confronto entre a concepção subjectivista e objectivista.
Sucintamente, por um lado, o modelo subjectivista,
enraizado na Alemanha, dá primazia á tutela dos direitos dos particulares
instituindo um processo de partes, por outro, para a facção objectivista de matriz
francesa a garantia da legalidade apresenta-se como o grande paradigma a
preservar. Ora, tais concepções, irão conduzir a uma panóplia de consequências
nomeadamente a nível da legitimidade activa, muito mais alargada nos modelos
objectivistas e mais circunscrita na visão subjectivista, e principalmente, no
elenco de meios processuais, manifestamente em menor numero no modelo
subjectivista.
A concepção especificamente francesa, que na visão de
MICHEL FROMONT acaba por lhe conferir um carácter de “insularidade”, provém da
convicção de que um juiz administrativo não deve ser somente especializado em matéria
administrativa mas também possuidor de um apurado espírito de administrador.
O Contencioso é visto como parte da tarefa de
Administrar, como enfatiza SANDEVOIR (1). Administrar possui assim duas vertentes,
realizando-se portanto, em ultima análise, de duas formas: através da
regulamentação e do contencioso.
Já outrora, e imbuído neste espírito, Napoleão manifestou
a sua vontade do "Conseil d´ État" ter um carácter de corpo semi-administrativo e
semi-judicial (2).
O perfil orgânico dos tribunais administrativos franceses
é sui generis, estes estão ligados ao poder executivo e não ao poder judicial,
com o” Conseil de État”, as “Cours administratives d´Appel” e os “Tribunaux
administratives” fora do âmbito judicial. Se é verdade que o Contencioso Francês
protege o princípio da proibição dos tribunais judiciais de decidir sobre a
legalidade das decisões administrativas, princípio fundamental na visão do
Conselho Constitucional, tal não se explica por uma estrutura compositória do
poder judicial.
O "Conseil d´État" é o órgão máximo da jurisdição
especial com atribuições de ordem contenciosa, administrativa e consultivas.
Não se pense, porém, e como nota CHAPUS (3), que os membros dos tribunais
administrativos não exerçam funções de magistrados, pois de facto possuem essa
qualidade, afastando-se qualquer errónea percepção de uma pretensa perpetuação
da existência de um administrador-juiz, sob a capa de nova aparência.
Esta visão de que “julgar a administração é ainda
administrar” manifesta-se no facto dos magistrados administrativos beneficiarem,
ao contrário dos magistrados judiciais, do estatuto geral de função pública tal
como a generalidade dos funcionários do Estado. O mesmo se revela no
recrutamento destes magistrados da área administrativa que ao invés de ser na “École
Nationale de Magistrature”, é a partir da “École Nationale de Administration”.
CHAPUS alerta contudo, e de forma pertinente, para o
facto da imparcialidade da jurisdição administrativa poder estar sob suspeita
dada a proximidade e interdependência entre a administração activa e
contencioso administrativo e que tal deve ser alvo de pormenorizada atenção de
forma a ser evitado. Conclui que é a própria concepção do Direito
Administrativo Francês que se apresenta necessária e estruturalmente como na
origem desse risco pelo que a salvaguarda do Principio da Imparcialidade tem de
ser alvo de especial salvaguarda.
Nesse sentido, o próprio Conseil d État apresenta uma
separação orgânica entre a formação de julgamento (“section du contentiex”) e
as cinco secções administrativas. Estas dividem-se numa “section du rapport et
des études” que a par da elaboração de um relatório anual sobre a actividade do
próprio Conselho dos estudos para-legislativos, se encontra incumbida de uma
tarefa de auxilio á execução de sentenças administrativas, consistindo numa
espécie de mediação entre o requerente e autoridade requerida, e em quatro
secções consultivas – interior, finanças, obras públicas e social- sendo que as
últimas reúnem todo o ano uma vez por semana e dão parecer ao governo sobre
projectos lei e decretos para alem de aconselhamento sobre questões jurídicas
complexas.
Para além do acima
exposto, os tribunais administrativos franceses mantém um respeito assinalável
sobre o campo de actuação da administração activa. A Administração dispõe do
privilégio de decisão executória que significa que esta, através de acto
unilateral, pode impor ao particular deveres e sujeições e conferir lhes
direitos sem o consentimento do próprio e sem qualquer intervenção previa do juiz.
Uma das componentes deste mecanismo é o “previlége du prealable”, que
determina, que por simples manifestação unilateral de vontade da Administração
e pela imperatividade dos actos que produzem esses efeitos constitutivos, esta
pode produzir uma transformação no ordenamento jurídico.
A intervenção do tribunal administrativo é grosso modo
meramente revisora da decisão administrativa, típico traço do modelo
objectivista. O meio processual central é o recurso por excesso de poder, por
meio do qual, o interessado pede a anulação de um acto administrativo com base
em ilegalidade. O caracter geral do “previlége du préable” faz com que, mesmo
em caso de anulação de contencioso de plena jurisdição, no qual o juiz possui
poderes mais extensos nomeadamente a possibilidade de condenar a Administração
em prestações pecuniárias e de substituir as suas decisões ás decisões da
Administração perante ele contestadas , a forma da iniciativa processual deve
ser o recurso, ainda que o litígio nasça mais de uma pretensão do particular do
que de uma decisão administrativa. Está patente o princípio “pas de décision,
pas de action”, excepto em matéria de obras públicas.
Por fim, urge, precisamente
no sentido de uma concepção de separação de funções no seio do poder do Conseil
d´État e de uma certa autolimitação com base na ideia de evitar qualquer
possibilidade de conflito com o executivo, referenciar o princípio geral de
proibição do juiz de decretar injunções, paradigma obstinadamente defendido
pela jurisprudência no passado. Esta solução coloca á partida problemas quanto
ao respeito pelo caso julgado e efectividade da tutela jurisdicional.
O facto é que em 1995, com a reforma Código dos Tribunais
Administrativos, por intenção do legislador impulsionado pelo Direito
Comunitário, o tribunal passa a poder,
em face de pedido oferecido pelo requerente: quer prescrever medidas de
execução de sentenças podendo completar a decisão com uma sanção pecuniária
compulsória; quer em caso de litigio em que o tribunal decida pela necessidade
da Administração proferir nova decisão após nova instrução, prescrever que essa
decisão tenha lugar em prazo determinado sob pena de sanção pecuniária
compulsória. É portanto, como nota SÉRVULO CORREIA, um reposicionamento entre a
justiça administrativa e a administração activa proporcionado uma alteração
clara á visão secular do principio de separação de funções. Foi assim ajustado
o equilíbrio entre a tarefa de Administrar e julgar a Administração, inclusive
á luz do panorama constitucional (4).
(1) SANDEVOIR,
Pierre, Etudes sur le recours de pleine
jurisdiction, 1964
(2) RIDET, F., Opinions de Napoléon, 1833, p. 191
(3) CHAPUS, Melangés, Contenciex
Administratif , p. 40 – 48
(4) CORREIA, Sérvulo,
Direito do Contencioso Administrativo, 2005
João Teles 20410
João Teles 20410
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