Por razões que se prendem com o enquadramento do
problema, começaremos por referir que:
- Eram Autores
nesta causa a Astrazeneca Pharmaceuticals LP e a Astrazeneca – Produtos Farmacêuticos,
Lda., em coligação activa, a primeira com sede nos EUA e a segunda com
sede em Sintra;
- Estava
em causa um pedido de nulidade e anulação de actos administrativos e o
correspondente pedido cautelar de suspensão de eficácia, com fundamento na
ilegalidade e consequente lesão dos direitos e interesses legalmente
protegidos das Requerentes;
- O
Tribunal de Círculo de Lisboa decidiu que o tribunal territorialmente
competente para dirimir este litígio seria o Tribunal Administrativo e
Fiscal de Sintra, por aplicação do artigo 16º CPTA;
- O
Tribunal Central Administrativo Sul veio confirmar a decisão supra
mencionada a 25 de Junho de 2009;
- e, em
decorrência de tal facto, vêm os Autores interpôr recurso para
uniformização de jurisprudência do Acórdão do Tribunal Central Administrativo
Sul, competência esta decorrente da aplicação do artigo 25º/1/b) do ETAF e
do artigo 152º CPTA, já que esta decisão se encontra em contradição com as
anteriores proferidas pelo mesmo Tribunal datadas de 25 de Agosto de 2008
(Processo nº 3992/08) e de 18 de Dezembro de 2008 (Processo nº 4534/08),
que haviam decidido ser competente o Tribunal Administrativo de Círculo de
Lisboa, por aplicação do artigo 22º CPTA.
A que conclusões chegaram os juízes do
STA?
Em primeiro lugar, foi considerado ser
este um caso de aplicação do artigo 22º CPTA e não do artigo 16º CPTA, com a
consequência de anulação do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul e
revogação da sentença do Tribunal Central Administrativo.
Prevê o artigo 20º/6 CPTA que “os pedidos
dirigidos à adopção de providências cautelares são julgados pelo tribunal
competente para decidir a causa principal”.
Assim, dever-se-á verificar da aplicação
da regra geral do artigo 16º CPTA, que nos diz que são competentes
territorialmente para decidir da causa principal o tribunal da residência habitual
ou da sede do autor ou da maioria dos autores. Qual é o problema? Bom, é que
neste caso não poderemos aplicar o referido artigo 16º (que também não resolve
casos em que exista apenas um autor e este tenha residência ou sede no
estrangeiro, pois está pensado somente para os casos em que a residência ou a
sede se situam em Portugal), no entendimento do STA (contrariamente decidiu o
Tribunal Central Administrativo Sul no Acórdão ora recorrido, por entender ser
este um caso de aplicação do artigo 16º CPTA já que, tendo um dos Requerentes
sede em Portugal, não existia nenhuma impossibilidade de determinação do
tribunal territorialmente competente se se restingisse o âmbito de aplicação do
referido artigo para “se dos vários autores alguns tiverem residência ou sede
em Portugal e outros no estrangeiro, só há que atender àqueles para aferir do
tribunal territorialmente competente”) porque ignorar a sede da outra
Requerente constituiria, no entender dos Juízes do STA, uma violação do artigo
22º CPTA, porque deveria ter sido aplicado e não foi, e do artigo 16º CPTA,
porque foi aplicado indevidamente.
As regras constantes dos artigos 17º a
21º CPTA não relevam para o caso em discussão restando apenas, já que não é
possível determinar a competência territorial com recurso aos artigos 17º a 21º
CPTA, recorrer à regra supletiva do artigo 22º CPTA, que atribui competência
territorial ao Tribunal de Círculo de Lisboa. Esta foi a decisão constante do
Acórdão n. 4/2010 STA, contrariando a decisão anteriormente proferida pelo Tribunal
Central Administrativo Sul, que atribuía competência ao Tribunal Administrativo
e Fiscal de Sintra, em virtude da aplicação do artigo 16º CPTA. Assim, a
solução que no entendimento do STA se considera preferível seria a de permitir
sempre aos Autores que, dentro da pluralidade de comarcas competentes (no caso
em apreço Sintra, foro de uma das Autoras e Lisboa, tribunal supletivamente
competente por a outra Autora ter sede no estrangeiro), possam chegar a acordo
e escolher em qual dos tribunais irão propor a acção, mesmo que estejamos
perante um caso de aplicação da regra geral do artigo 16º CPTA, por aplicação
analógica do artigo 21/2 CPTA.
Importa referir a curiosa declaração de
voto de Jorge Madeira dos Santos que considera acertada a decisão em causa
(aplicação do artigo 22º CPTA, por não ser este um caso do artigo 16º CPTA) mas
discorda dos fundamentos: não se deveria concluir pela competência do Tribunal
de Círculo de Lisboa por escolha das partes, vedada neste caso pelo artigo 16º
CPTA mas não por analogia ao artigo 21/2 CPTA, analogia esta que deve estar
reservada somente para o preenchimento de lacunas (artigo 10º do Código Civil)
já que não estamos perante uma integração analógica, na medida em que existe
regulação pelo artigo 22º CPTA.
Com que questão interessante somos
defrontados neste Acórdão?
Em primeiro lugar, o que sucede é que,
contrariamente ao contencioso comum, constante dos artigos 65º e 65º-A do CPC,
em sede de Contencioso Administrativo não se encontra regulada a matéria da competência
internacional dos tribunais administrativos.
Como resolveremos então o problema de
aferir desta mesma competência internacional quando este problema, embora pouco
frequentemente[2],
se nos coloca?
Neste caso, e recorrendo aos ensinamentos
de Direito Internacional Privado, somos forçados a concluir estarmos em
presença de um litígio plurilocalizado no qual se verifica que existem
elementos de conexão com mais de um ordenamento jurídico, existindo
potencialmente dois tribunais territorialmente competentes para dirimir este
litígio.
Deveremos, dado não existirem regras de
competência internacionais dos tribunais administrativos tratar estas questões
como se de internas se tratasse? Parece que o STA assim o entendeu, ao afirmar
que “para aferir da competência internacional dos tribunais administrativos é
necessário resolver, primeiro, a questão de saber se eles são competentes, em
razão da matéria, pois que, terão de ser os tribunais comuns a julgarem a
competência internacional dos tribunais portugueses”. Ora, como bem salienta a
Professora Paula Costa e Silva, estamos perante um caso de inversão
metodológica, já que foi aferida a competência material para se aferir da
internacional e não o inverso.
Poder-se-á concluir que, por aplicação do
artigo 1º CPTA, dever-se-ão aplicar as regras referentes à competência
territorial interna à determinação da competência internacional? Tal seria
idêntico a perguntar se a noção de competência internacional e de jurisdição devem
ser interpretadas de forma equivalente. A resposta ter-se-á que afigurar
negativa. A jurisdição define os limites de actuação lícita do Estado a partir
de dados exógenos, enquanto que a competência internacional dos Estados é
definida a partir de dados endógenos, a partir do direito interno dos Estados.
Ou, como afirma Paulo Otero, será este um
caso de hiper-radicalização do princípio da aplicação territorialista da lei
administrativa, sendo sempre competentes os tribunais portugueses e aplicável o
direito material português? Também não se revela solução capaz. Ou, ainda, caso
existam, poderemos recorrer a normas de conflitos administrativas?
Ou, em consonância com a jurisprudência dos
Acórdãos de 14.05.2002 e de 30.10.2007 do TCA Sul deveremos considerar que
podemos recorrer às regras dos artigos 65º e 65º-A do CPC para aferir da
competência internacional dos tribunais administrativos? No meu entender não
poderemos, devendo antes preferir a solução de aplicar os artigos 16º a 22º
CPTA, tendo no entanto que nos resignar à conclusão de que, sempre que não se
consiga concretizar a competência internacional através da competência territorial
interna pela regra geral do artigo 16º CPTA, teremos que recorrer à regra
supletiva do artigo 22º CPTA, que deve ser considerada, na minha opinião, como
uma regra de salvaguarda e não atribuidora de uma competência exorbitante,
salvo se o direito aplicável ao mérito da causa for sempre o direito material
administrativo português.[3]
Bibliografia:
- OTERO,
Normas administrativas de conflitos – as situações
jurídico-administrativas transnacionais, Estudos em Memória do Professor
Doutor António Marques dos Santos, volume II, pgs. 781-790, Almedina, 2005
- SILVA, Paula Costa e, Jurisdição e competência internacional dos Tribunais Administrativos: a propósito do Acórdão N. 4/2010 STA, Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Jorge Miranda, volume IV – Direito Administrativo e Justiça Administrativa, pgs. 697-712, Coimbra Editora, 2012
- jurisprudência mencionada ao longo do escrito
[1] http://dre.pt/pdf1s/2010/05/10200/0181001812.pdf
[2] Como mencionam Mário Aroso de
Almeida e Fernandes Cadilha na 2º edição do Comentário ao CPTA
[3] aderimos, assim, parcialmente, à
posição doutrinária defendida por Paula Costa e Silva
Filipa Graça
Nº 18128
Sem comentários:
Enviar um comentário