Providências cautelares depois da reforma do
contencioso administrativo
I.
Generalidades
Os processos urgentes
decorrem de uma garantia Constitucionalmente prevista pelo princípio da tutela
jurisdicional efectiva decorrente do artigo 268.º nº4[1] da
Constituição da República Portuguesa (CRP).
No âmbito dos
processos urgentes, é pedido ao Tribunal que acautele a irreparabilidade,
irreversibilidade e até mesmo a difícil reparação integral ou parcial dos danos
decorrentes da execução de um acto administrativo alegadamente ilegal, tendo em
conta a necessidade de efeito útil da decisão que venha a ser proferida no
processo principal. O grande objectivo será que o Tribunal proporcione ao
particular uma tutela final com caracter de urgência.
II.
Admissibilidade
Por forma a dar
cumprimento ao supra referido princípio da jurisdição efectiva perante a administração
pública, o Código de Processo dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CPTA)
determina as regras aplicáveis aos Processos Cautelares nos artigos 112.º a 134.º
(Título V do referido Código). O artigo 112.º do CPTA estabelece uma cláusula geral
aberta que permite a adopção de todo o tipo de providências cautelares sendo
que o critério decisivo para aquela ser decretada, será a que for a mais
adequada para garantir a utilidade da sentença a proferir no processo
principal. Poderão ser assim tonadas as providências previstas no CPTA (indicadas
a título meramente exemplificativo), bem como as estatuídas no Código do
Processo Civil (CPC) e ainda aquelas que sejam atípicas (desde que sejam
consideradas as mais adequadas). Verifica-se assim um alargamento substancial
da tutela cautelar no novo contencioso administrativo[2].
O legislador procurou
suprir deficiências apontadas ao regime jurídico anterior permitindo agora que
as providências cautelares de condenação provisória de um determinado comportamento
sejam dirigidas quer contra um particular, quer contra a administração. Embora
seja verdade que os tribunais administrativos já anteriormente podiam conceder providências
cautelares, aplicando subsidiariamente as regras do CPC, a sua aplicação estava
limitada à suspensão da eficácia de actos administrativos.
Tendo em consideração
o disposto no artigo 114.,nº1 do CPTA podem ser instauradas providências
cautelares em três circunstâncias, nomeadamente: i) previamente à instauração da
acção principal, ii) juntamente com a petição inicial, iii) na pendência da
acção principal. Os requisitos do requerimento inicial encontram-se descritos
no artigo 114.º,nº3 e nº4 do referido Código, sendo que a falta de algum ou
alguns dos requisitos, dará lugar a convite de aperfeiçoamento.
III. Características e Modalidades
O artigo 36.º do CPTA
determina a existência de cinco modalidades de processos urgentes: i)
contencioso eleitoral; ii) contencioso pré-contratual; iii) intimação para prestação
de informações, consulta de documentos e passagem de certidões; iv) providências
cautelares.
Tendo em conta o que
já foi especificado relativamente à última modalidade agora enunciada, em matéria
de conteúdo, importa lembrar que, a lei administrativa portuguesa admite providências
de qualquer tipo, desde que sejam adequadas a assegurar a utilidade da sentença
a proferir no processo principal.
São admitidos
essencialmente dois tipos de providências cautelares: a) Providência cautelar
antecipatória e, b) providência cautelar conservatória.
A primeira visa a antecipação
parcial ou total da solução pretendida no processo principal, ainda que em
termos provisórios, ou, por outras palavras, quando seja provável que a decisão
do processo principal será adoptada nesse sentido. Este critério é claramente o
mais exigente[3].
As segundas têm por objectivo a manutenção da situação existente de forma a
garantir a utilidade da sentença a proferir no processo principal, como por
exemplo a providência cautelar contra um acto de demolição de uma construção
(critério menos exigente) [4].
São apontadas três grandes
características das providências cautelares:
i)
Instrumentalidade/acessoriedade:
as providências cautelares decorrem por apenso a um processo principal. Têm uma
tramitação autónoma e um percurso processual próprio;
ii)
Provisoriedade: o
facto de a providência ser decretada não visa a resolução definitiva de um litígio
mas antes uma resolução a título provisório até haver sentença no âmbito do
processo principal;
iii)
Sumaridade: A
providência segue uma tramitação especial urgente, existindo apenas um
conhecimento sumário dos factos e do direito da questão levada a juízo.
IV.Critérios de procedência
São três os critérios
que servem para fundamentar a decisão do juiz relativamente à procedência ou a improcedência
das providências cautelares intentadas:
i)
“Periculum in mora”.
Este critério decorre na necessidade da providência garantir a utilidade da
sentença no processo principal; é pressuposta a existência de um perigo de
inutilidade dessa mesma sentença resultante da demora da resolução do litígio.
A lei exige assim que haja fundado receio da constituição de uma situação de
facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses
que o requerente da providência quer acautelar na acção principal. Deve assim o
juiz fazer um juízo de prognose, avaliando a consequência de uma sentença em
diversos sentidos (procedência ou improcedência do pedido), tendo de concluir
pela existência ou inexistência de motivos que sirvam de fundamento para
sustentar o receio de serem entretanto produzidas situações de facto incompatíveis
com a futura decisão no processo principal levando à inevitável inutilidade da
sentença final.[5].
ii)
“Fumus boni iuris”. Também conhecido como aparência
de bom direito, é um critério decisivo: se o requerente conseguir demonstrar ao
juiz a evidência da procedência do processo principal, deve ser decretada a
providência cautelar sem ser necessário a prova de outro requisito legalmente
exigido (p.ex. existência de “periculum in mora”). A contrario, se for manifesta a falta de fundamentação da pretensão
do processo principal, “fumus malus”, a providência cautelar não é decretada
ainda que seja provado a existência de “periculum in mora”.[6]
iii)
Ponderação de
interesses. Os dois critérios anteriores não são suficientes por si só devendo
ser complementados com este critério, o da proporcionalidade no seu sentido
mais estrito. Estatuído no artigo 120.º,nº2 do CPTA determina que deve ser
rejeitada a providência cautelar se se entender que a sua concessão pode
provocar danos (ao interesse publico ou a terceiros) desproporcionados em relação
aos danos do requerente que se pretendem evitar. Com efeito, fora o caso em que
seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular em sede se
processo principal, existe um critério de ponderação de interesses envolvidos:
O juiz decide a concessão da providência cautelar mediante a comparação da situação
do requerente com a dos eventuais contra-interessados. Significa isto que os
efeitos gerados pela concessão da providência não podem trazer maiores prejuízos
do que aqueles que se pretende evitar através da própria providência.
Estamos assim perante
um exemplo da amplitude de meios que os particulares passam a ter ao seu dispor
no âmbito no processo administrativo, para fazer valer as suas pretensões, o
que nos permite afirmar que existe uma verdadeira e própria tutela
jurisdicional.
V.Conclusões
Nas providências
cautelares onde seja requerida a suspensão de eficácia de um acto administrativo,
a citação tem por efeito proibir o início ou prosseguimento da execução do acto
impugnado ( cfr. artigo 128.º, n.º 1 do CPTA). A entidade administrativa que, ainda
assim pretenda iniciar ou prosseguir a execução do acto, deverá proferir
resolução fundamentada no sentido de que o diferimento da execução seria
gravemente prejudicial para o interesse público.
No que respeita à relação entre a providência cautelar e a acção
principal, em termos de caducidade da providência, não tem aplicação no CPTA a
norma do artigo 389.º do CPC (caducidade da providência, caso a acção principal
não seja promovida no prazo de 30 dias contados da notificação da decisão que a
tenha ordenado).
Porém, a instauração de providência cautelar não interrompe nem suspende
o prazo de impugnação do acto administrativo anulável estabelecido no artigo
58.º do CPTA (cfr. artigo 123.º, n.º 1 do CPTA). Desta forma, caso a providência
seja acessória a uma impugnação de acto administrativo anulável, a acção
principal deverá ser sempre ser proposta dentro do prazo de três meses, ainda
que a providência aguarde decisão.
Caso o recurso ao meio processual que constituirá a acção principal não
esteja sujeito a prazo legal, a providência decretada caducará na caso da acção
principal não ser promovida no prazo de 3 meses contados do trânsito em julgado
da decisão cautelar ( cfr. artigo 123.º, n.º 2 do CPTA).
Maria Madalena Zenóglio de Oliveira,
nº17429
Bibliografia:
ALMEIDA, Mário Aroso. 2010. Manual de Processo Administrativo.
Coimbra: Edições Almedina;
Silva, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da
Psicanálise - Ensaio Sobre as Acções no Novo Contencioso Administrativo,
Coimbra, 2005;
Amaral, Diogo Freitas de/ Almeida, Mário Aroso de, "Grande Linhas
da Reforma de Contencioso Administrativo", Almedina, 2004.
[1] «É garantido aos
administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses
legalmente protegidos incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos
ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem,
independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos
administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas.»- Artigo 268.º, n.º 4 da C.R.P.
[2] E é nessa linha que
se insere o art. 112º do CPTA, onde o legislador vem reconhecer aos tribunais
administrativos a possibilidade de adoptarem a providência cautelar,
antecipatória ou conservatória, que considerem mais adequada a garantir o
efeito útil da sentença a proferir no processo principal.
[3] A
emissão de providências antecipatórias prende-se com a tentativa do interessado
em obter a adopção de medidas por parte da Administração, podendo envolver a
prática de um acto administrativo - o interessado pretende que a Administração
adopte uma conduta favorável às suas pretensões. Esta providência cautelar
surge, assim, para minimizar os efeitos da inércia da Administração em adoptar
a referida conduta, concretizando-se na imposição, ainda que provisória, à
Administração da adopção de medidas tendentes a minimizar as consequências do
periculum in mora, antecipando assim o efeito pretendido no processo principal.
[4] À
luz do art.120º/1/b, a providência conservatória depende de dois requisitos
essenciais: terá de se verificar receio da constituição de uma situação de
facto consumado ou um prejuízo potencialmente irreversível (periculum in mora);
e não poderá ser manifesta a falta de fundamento da pretensão do autor. É
suficiente que não se afigure evidente decisão judicial, em sede de pedido
principal, contrária à pretendida pelo autor. Trata-se de um fummus boni iuris,
na sua dimensão negativa, atendendo à natureza da própria providência
conservatória face à providência antecipatória.
[5] A prova do “periculum in mora” é um ónus do requerente da providência
cautelar.
[6] O legislador português optou por fazer uma graduação consoante o tipo
de providência cautelar em questão. Se for provável que a pretensão principal
venha a ser julgada procedente, pode ser decretada a providência mesmo que seja
antecipatória. Se a providência requerida for conservatória, já não é
necessário que o juiz fique com a convicção da probabilidade de que a pretensão
seja procedente, bastando que não seja manifesta a falta de fundamento.
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