sábado, 15 de dezembro de 2012

Providências Cautelares


Providências cautelares depois da reforma do contencioso administrativo

I.              Generalidades

Os processos urgentes decorrem de uma garantia Constitucionalmente prevista pelo princípio da tutela jurisdicional efectiva decorrente do artigo 268.º nº4[1] da Constituição da República Portuguesa (CRP).
No âmbito dos processos urgentes, é pedido ao Tribunal que acautele a irreparabilidade, irreversibilidade e até mesmo a difícil reparação integral ou parcial dos danos decorrentes da execução de um acto administrativo alegadamente ilegal, tendo em conta a necessidade de efeito útil da decisão que venha a ser proferida no processo principal. O grande objectivo será que o Tribunal proporcione ao particular uma tutela final com caracter de urgência.

II.             Admissibilidade

Por forma a dar cumprimento ao supra referido princípio da jurisdição efectiva perante a administração pública, o Código de Processo dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CPTA) determina as regras aplicáveis aos Processos Cautelares nos artigos 112.º a 134.º (Título V do referido Código). O artigo 112.º do CPTA estabelece uma cláusula geral aberta que permite a adopção de todo o tipo de providências cautelares sendo que o critério decisivo para aquela ser decretada, será a que for a mais adequada para garantir a utilidade da sentença a proferir no processo principal. Poderão ser assim tonadas as providências previstas no CPTA (indicadas a título meramente exemplificativo), bem como as estatuídas no Código do Processo Civil (CPC) e ainda aquelas que sejam atípicas (desde que sejam consideradas as mais adequadas). Verifica-se assim um alargamento substancial da tutela cautelar no novo contencioso administrativo[2].

O legislador procurou suprir deficiências apontadas ao regime jurídico anterior permitindo agora que as providências cautelares de condenação provisória de um determinado comportamento sejam dirigidas quer contra um particular, quer contra a administração. Embora seja verdade que os tribunais administrativos já anteriormente podiam conceder providências cautelares, aplicando subsidiariamente as regras do CPC, a sua aplicação estava limitada à suspensão da eficácia de actos administrativos.

Tendo em consideração o disposto no artigo 114.,nº1 do CPTA podem ser instauradas providências cautelares em três circunstâncias, nomeadamente: i) previamente à instauração da acção principal, ii) juntamente com a petição inicial, iii) na pendência da acção principal. Os requisitos do requerimento inicial encontram-se descritos no artigo 114.º,nº3 e nº4 do referido Código, sendo que a falta de algum ou alguns dos requisitos, dará lugar a convite de aperfeiçoamento.

      III. Características e Modalidades

O artigo 36.º do CPTA determina a existência de cinco modalidades de processos urgentes: i) contencioso eleitoral; ii) contencioso pré-contratual; iii) intimação para prestação de informações, consulta de documentos e passagem de certidões; iv) providências cautelares.

Tendo em conta o que já foi especificado relativamente à última modalidade agora enunciada, em matéria de conteúdo, importa lembrar que, a lei administrativa portuguesa admite providências de qualquer tipo, desde que sejam adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal.
São admitidos essencialmente dois tipos de providências cautelares: a) Providência cautelar antecipatória e, b) providência cautelar conservatória.

A primeira visa a antecipação parcial ou total da solução pretendida no processo principal, ainda que em termos provisórios, ou, por outras palavras, quando seja provável que a decisão do processo principal será adoptada nesse sentido. Este critério é claramente o mais exigente[3]. As segundas têm por objectivo a manutenção da situação existente de forma a garantir a utilidade da sentença a proferir no processo principal, como por exemplo a providência cautelar contra um acto de demolição de uma construção (critério menos exigente) [4].
São apontadas três grandes características das providências cautelares:

i)              Instrumentalidade/acessoriedade: as providências cautelares decorrem por apenso a um processo principal. Têm uma tramitação autónoma e um percurso processual próprio;

ii)             Provisoriedade: o facto de a providência ser decretada não visa a resolução definitiva de um litígio mas antes uma resolução a título provisório até haver sentença no âmbito do processo principal;

iii)            Sumaridade: A providência segue uma tramitação especial urgente, existindo apenas um conhecimento sumário dos factos e do direito da questão levada a juízo.

      IV.Critérios de procedência

São três os critérios que servem para fundamentar a decisão do juiz relativamente à procedência ou a improcedência das providências cautelares intentadas:


i)              “Periculum in mora”. Este critério decorre na necessidade da providência garantir a utilidade da sentença no processo principal; é pressuposta a existência de um perigo de inutilidade dessa mesma sentença resultante da demora da resolução do litígio. A lei exige assim que haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente da providência quer acautelar na acção principal. Deve assim o juiz fazer um juízo de prognose, avaliando a consequência de uma sentença em diversos sentidos (procedência ou improcedência do pedido), tendo de concluir pela existência ou inexistência de motivos que sirvam de fundamento para sustentar o receio de serem entretanto produzidas situações de facto incompatíveis com a futura decisão no processo principal levando à inevitável inutilidade da sentença final.[5].

ii)              “Fumus boni iuris”. Também conhecido como aparência de bom direito, é um critério decisivo: se o requerente conseguir demonstrar ao juiz a evidência da procedência do processo principal, deve ser decretada a providência cautelar sem ser necessário a prova de outro requisito legalmente exigido (p.ex. existência de “periculum in mora”). A contrario, se for manifesta a falta de fundamentação da pretensão do processo principal, “fumus malus”, a providência cautelar não é decretada ainda que seja provado a existência de “periculum in mora”.[6]

iii)            Ponderação de interesses. Os dois critérios anteriores não são suficientes por si só devendo ser complementados com este critério, o da proporcionalidade no seu sentido mais estrito. Estatuído no artigo 120.º,nº2 do CPTA determina que deve ser rejeitada a providência cautelar se se entender que a sua concessão pode provocar danos (ao interesse publico ou a terceiros) desproporcionados em relação aos danos do requerente que se pretendem evitar. Com efeito, fora o caso em que seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular em sede se processo principal, existe um critério de ponderação de interesses envolvidos: O juiz decide a concessão da providência cautelar mediante a comparação da situação do requerente com a dos eventuais contra-interessados. Significa isto que os efeitos gerados pela concessão da providência não podem trazer maiores prejuízos do que aqueles que se pretende evitar através da própria providência.

Estamos assim perante um exemplo da amplitude de meios que os particulares passam a ter ao seu dispor no âmbito no processo administrativo, para fazer valer as suas pretensões, o que nos permite afirmar que existe uma verdadeira e própria tutela jurisdicional.

      V.Conclusões

Nas providências cautelares onde seja requerida a suspensão de eficácia de um acto administrativo, a citação tem por efeito proibir o início ou prosseguimento da execução do acto impugnado ( cfr. artigo 128.º, n.º 1 do CPTA). A entidade administrativa que, ainda assim pretenda iniciar ou prosseguir a execução do acto, deverá proferir resolução fundamentada no sentido de que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público.

No que respeita à relação entre a providência cautelar e a acção principal, em termos de caducidade da providência, não tem aplicação no CPTA a norma do artigo 389.º do CPC (caducidade da providência, caso a acção principal não seja promovida no prazo de 30 dias contados da notificação da decisão que a tenha ordenado).

Porém, a instauração de providência cautelar não interrompe nem suspende o prazo de impugnação do acto administrativo anulável estabelecido no artigo 58.º do CPTA (cfr. artigo 123.º, n.º 1 do CPTA). Desta forma, caso a providência seja acessória a uma impugnação de acto administrativo anulável, a acção principal deverá ser sempre ser proposta dentro do prazo de três meses, ainda que a providência aguarde decisão.
Caso o recurso ao meio processual que constituirá a acção principal não esteja sujeito a prazo legal, a providência decretada caducará na caso da acção principal não ser promovida no prazo de 3 meses contados do trânsito em julgado da decisão cautelar ( cfr. artigo 123.º, n.º 2 do CPTA).



Maria Madalena Zenóglio de Oliveira,
nº17429


Bibliografia:

ALMEIDA, Mário Aroso. 2010. Manual de Processo Administrativo. Coimbra: Edições Almedina;

Silva, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise - Ensaio Sobre as Acções no Novo Contencioso Administrativo, Coimbra, 2005;

Amaral, Diogo Freitas de/ Almeida, Mário Aroso de, "Grande Linhas da Reforma de Contencioso Administrativo", Almedina, 2004.


[1] «É garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas.»- Artigo 268.º, n.º 4 da C.R.P.
[2] E é nessa linha que se insere o art. 112º do CPTA, onde o legislador vem reconhecer aos tribunais administrativos a possibilidade de adoptarem a providência cautelar, antecipatória ou conservatória, que considerem mais adequada a garantir o efeito útil da sentença a proferir no processo principal. 
[3] A emissão de providências antecipatórias prende-se com a tentativa do interessado em obter a adopção de medidas por parte da Administração, podendo envolver a prática de um acto administrativo - o interessado pretende que a Administração adopte uma conduta favorável às suas pretensões. Esta providência cautelar surge, assim, para minimizar os efeitos da inércia da Administração em adoptar a referida conduta, concretizando-se na imposição, ainda que provisória, à Administração da adopção de medidas tendentes a minimizar as consequências do periculum in mora, antecipando assim o efeito pretendido no processo principal.
[4] À luz do art.120º/1/b, a providência conservatória depende de dois requisitos essenciais: terá de se verificar receio da constituição de uma situação de facto consumado ou um prejuízo potencialmente irreversível (periculum in mora); e não poderá ser manifesta a falta de fundamento da pretensão do autor. É suficiente que não se afigure evidente decisão judicial, em sede de pedido principal, contrária à pretendida pelo autor. Trata-se de um fummus boni iuris, na sua dimensão negativa, atendendo à natureza da própria providência conservatória face à providência antecipatória.
[5] A prova do “periculum in mora” é um ónus do requerente da providência cautelar.
[6] O legislador português optou por fazer uma graduação consoante o tipo de providência cautelar em questão. Se for provável que a pretensão principal venha a ser julgada procedente, pode ser decretada a providência mesmo que seja antecipatória. Se a providência requerida for conservatória, já não é necessário que o juiz fique com a convicção da probabilidade de que a pretensão seja procedente, bastando que não seja manifesta a falta de fundamento.



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