quarta-feira, 19 de dezembro de 2012


A tutela jurisdicional efectiva no actual contencioso administrativo

O princípio da tutela jurisdicional efectiva implica que cada direito ou interesse legalmente protegido dos cidadãos perante a Administração Pública encontre, na jurisdição administrativa, a via de protecção adequada, de onde resulta que os tribunais administrativos dispõem e devem fazer uso de todos os poderes que são próprios da sua função para assegurar a tutela adequada a quem se lhes dirige em busca de protecção.
O Prof. Dr. Vasco Pereira da Silva considera o direito a uma tutela jurisdicional efectiva a pedra angular do processo administrativo, que tem vindo a ser aperfeiçoado em sucessivas revisões constitucionais, prevendo, após a revisão de 1989 e reforçado novamente em 1997, o acesso a uma multiplicidade de meios processuais que giram à volta deste direito ao acesso à Justiça Administrativa. Esta alteração acompanha o sentido da Convenção Europeia dos Direitos do Homem que, nos seus artigos 6º e 13º, já previam esta garantia.
Passámos, com estas reformas, de um modelo de administrador-juiz, em que os poderes jurisdicionais se limitavam à anulação de actos, para um modelo em que os tribunais administrativos são verdadeiros tribunais, em que a força e os limites da sentença são suficientemente amplos para tutelar os direitos dos particulares na íntegra.
O Código de Processo nos Tribunais Administrativos adopta um modelo essencialmente subjectivista de contencioso administrativo, tendo como princípio orientador a garantia da tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses dos administrados, em consonância com o texto constitucional, nos termos do artigo 20º e 268º/4 da Constituição da República Portuguesa (CRP). A propósito, Diogo Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida sustentam que a consagração legal deste princípio significou o reconhecimento final pelo legislador de que, num Estado de Direito Democrático, baseado na dignidade da pessoa humana, “os indivíduos são titulares de direitos fundamentais anteriores e superiores a qualquer forma de organização política”.
O artigo 268º/4 do mesmo diploma exige, para cumprimento da exigência de uma tutela jurisdicional efectiva, não só a existência de meios processuais para reconhecimento de direitos e interesses e para impugnação de actos administrativos, como também para determinação de actos devidos e existência de medidas cautelares adequadas. Tanto o artigo 20º, como o 268º/4 da CRP exigem concretização legal do princípio aqui em análise, sendo já comummente aceite que deverá existir sempre um meio contencioso apto a satisfazer as pretensões do administrado, não sendo nunca admissível a não concretização dos seus direitos pela falta de meio jurisdicional que os faça valer.
Do próprio CPTA constam vários artigos concretizadores deste princípio. O art. 2.º CPTA começa por enunciar o princípio geral da tutela jurisdicional efectiva, o qual, nos termos do n.º 1, compreende o direito de qualquer cidadão “obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, cada pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar e de obter as providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão”. O n.º 2 acrescenta que “a todo a todo o direito ou interesse legalmente protegido corresponde a tutela adequada junto dos tribunais administrativos”, prevendo um modelo de plena jurisdição. O art. 3.º nº 2 e 3 CPTA prevê mecanismos complementares para assegurar a efectividade da tutela (imposição de prazos para cumprimento de deveres, aplicação de sanções pecuniárias compulsórias e poderes de substituição dos tribunais). Também o artigo 7º explicita que o conteúdo deste direito implica o direito a uma justiça material, que se pronuncie sobre o mérito das questões suscitadas, não bastando portanto uma mera apreciação formal do litígio. Fica assim o tribunal com os mais amplos poderes de pronúncia, dado que este se pode pronunciar sobre qualquer tipo de pretensões relativas a relações de natureza administrativa, em consonância com o princípio da plena jurisdição dos tribunais administrativos.

Podemos, no entanto, desdobrar este princípio em três planos distintos:

-Tutela Declarativa, onde se inserem as pretensões dos particulares, para reconhecimento de situações jurídicas ou pedidos de condenação à prática de actos que foram omissos pela Administração, tendo o artigo 2º/2 CPTA um elenco vasto de hipóteses, meramente exemplificativo (artigos 37º e ss. do CPTA);

- Tutela Cautelar: utilizados quando há necessidade de acautelar o efeito útil de uma decisão futura, durante o tempo em que o processo declarativo estiver pendente. Quanto a estas em especial, o princípio exige a possibilidade de providências cautelares não especificadas, uma vez que é impossível tipificar previamente todas as medidas que serão eventualmente necessárias para garantir o efeito útil da pretensão, como consta em paralelo no processo civil no 399º do CPC, sendo esta a lei supletiva, nos termos do artigo 1º CPTA, estendendo-se portanto aos meios processuais acessórios da acção principal. Tal ideia vem plasmada no acórdão nº 1072B/02 do Supremo Tribunal Administrativo, de 24 de Outubro de 2002. Tem previsão expressa nos artigos 112º e ss. do CPTA;

-Tutela Executiva: comporta as formas processuais adequadas a fazer valer a decisão e obter a sua execução, quando tenha sido obtida sentença com força de caso julgado. Tem previsão expressa nos artigos 157º e ss. do CPTA, tendo a sua obrigatoriedade em relação a entidades públicas e privadas, assim como a sua prevalência sobre as autoridades administrativas, previsão no artigo 158º do mesmo diploma.

A redefinição dos meios processuais existentes, como veio a ser feita na última reforma do Código, de modo a assegurar que as pretensões possam ser tuteladas, constituía uma exigência formal e expressamente imposta pelo texto constitucional para o Prof. Dr. Mário Aroso de Almeida.
Para Vieira de Andrade, não ignorando que esta relação se reveste de uma especial delicadeza, uma vez que uma das partes é uma entidade pública, defende que este principio de desdobra em vários direitos:
- Direito de acesso aos tribunais, nos termos do 20º CRP, cujo núcleo essencial é a protecção pela via judicial;
- Direito a uma decisão judicial em prazo razoável e mediante processo equitativo;
- Direito à efectividade das sentenças proferidas, que consta também do 205º/2 e 3 da CRP.
Quanto ao direito ao recurso a doutrina diverge, já que a maior parte da desta e da jurisprudência está inclinada para que a Constituição não assegure tal direito, fora litígios penais ou quando estão em causa decisões que afectem direitos, liberdades e garantias. Para o mesmo autor, o legislador deve prever a possibilidade de recurso como concretização do princípio da tutela jurisdicional efectiva.
Esta tutela não se refere apenas a direitos dos cidadãos, mas também à protecção do interesse público e de valores colectivos, como a saúde pública, ambiente, qualidade de vida, ordenamento do território, entre outros.
 A plena jurisdição do tribunal, tal como está traçada no actual regime, permite a tomada de decisões justas e adequadas à protecção dos direitos dos particulares e assegura a eficácia dessas decisões, destacando-se um forte reforço dos poderes do juiz sobre os actos da administração, nomeadamente em matéria de poderes de anulação e de condenação à prática de actos, assim como ao poder de intimação ou condenação imediata à reconstituição da situação hipotética actual.

Tomás Maia



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