A
tutela jurisdicional efectiva no actual contencioso administrativo
O princípio da tutela jurisdicional
efectiva implica que cada direito ou interesse legalmente protegido dos
cidadãos perante a Administração Pública encontre, na jurisdição
administrativa, a via de protecção adequada, de onde resulta que os tribunais
administrativos dispõem e devem fazer uso de todos os poderes que são próprios
da sua função para assegurar a tutela adequada a quem se lhes dirige em busca
de protecção.
O Prof. Dr. Vasco Pereira da Silva
considera o direito a uma tutela jurisdicional efectiva a pedra angular do
processo administrativo, que tem vindo a ser aperfeiçoado em sucessivas
revisões constitucionais, prevendo, após a revisão de 1989 e reforçado
novamente em 1997, o acesso a uma multiplicidade de meios processuais que giram
à volta deste direito ao acesso à Justiça Administrativa. Esta alteração
acompanha o sentido da Convenção Europeia dos Direitos do Homem que, nos seus
artigos 6º e 13º, já previam esta garantia.
Passámos, com estas reformas, de um
modelo de administrador-juiz, em que os poderes jurisdicionais se limitavam à
anulação de actos, para um modelo em que os tribunais administrativos são
verdadeiros tribunais, em que a força e os limites da sentença são
suficientemente amplos para tutelar os direitos dos particulares na íntegra.
O Código de Processo nos Tribunais
Administrativos adopta um modelo essencialmente subjectivista de contencioso
administrativo, tendo como princípio orientador a garantia da tutela
jurisdicional efectiva dos direitos e interesses dos administrados, em consonância
com o texto constitucional, nos termos do artigo 20º e 268º/4 da Constituição
da República Portuguesa (CRP). A propósito, Diogo
Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida sustentam que a consagração legal
deste princípio significou o reconhecimento final pelo legislador de que, num
Estado de Direito Democrático, baseado na dignidade da pessoa humana, “os
indivíduos são titulares de direitos fundamentais anteriores e superiores a
qualquer forma de organização política”.
O artigo 268º/4 do mesmo diploma
exige, para cumprimento da exigência de uma tutela jurisdicional efectiva, não
só a existência de meios processuais para reconhecimento de direitos e
interesses e para impugnação de actos administrativos, como também para
determinação de actos devidos e existência de medidas cautelares adequadas.
Tanto o artigo 20º, como o 268º/4 da CRP exigem concretização legal do
princípio aqui em análise, sendo já comummente aceite que deverá existir sempre
um meio contencioso apto a satisfazer as pretensões do administrado, não sendo
nunca admissível a não concretização dos seus direitos pela falta de meio
jurisdicional que os faça valer.
Do próprio CPTA constam vários
artigos concretizadores deste princípio. O art. 2.º CPTA começa por enunciar o
princípio geral da tutela jurisdicional efectiva, o qual, nos termos do n.º 1,
compreende o direito de qualquer cidadão “obter, em
prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado,
cada pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a
fazer executar e de obter as providências cautelares, antecipatórias ou
conservatórias, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão”. O n.º 2
acrescenta que “a todo a todo o direito ou interesse legalmente protegido
corresponde a tutela adequada junto dos tribunais administrativos”, prevendo um
modelo de plena jurisdição. O art. 3.º nº 2 e 3 CPTA prevê mecanismos
complementares para assegurar a efectividade da tutela (imposição de prazos
para cumprimento de deveres, aplicação de sanções pecuniárias compulsórias e
poderes de substituição dos tribunais). Também o artigo 7º explicita que o
conteúdo deste direito implica o direito a uma justiça material, que se
pronuncie sobre o mérito das questões suscitadas, não bastando portanto uma
mera apreciação formal do litígio. Fica assim o tribunal com os mais amplos
poderes de pronúncia, dado que este se pode pronunciar sobre qualquer tipo de
pretensões relativas a relações de natureza administrativa, em consonância com
o princípio da plena jurisdição dos tribunais administrativos.
Podemos, no entanto,
desdobrar este princípio em três planos distintos:
-Tutela Declarativa, onde
se inserem as pretensões dos particulares, para reconhecimento de situações
jurídicas ou pedidos de condenação à prática de actos que foram omissos pela
Administração, tendo o artigo 2º/2 CPTA um elenco vasto de hipóteses, meramente
exemplificativo (artigos 37º e ss. do CPTA);
- Tutela Cautelar:
utilizados quando há necessidade de acautelar o efeito útil de uma decisão
futura, durante o tempo em que o processo declarativo estiver pendente. Quanto a estas em especial, o
princípio exige a possibilidade de providências cautelares não especificadas,
uma vez que é impossível tipificar previamente todas as medidas que serão
eventualmente necessárias para garantir o efeito útil da pretensão, como consta
em paralelo no processo civil no 399º do CPC, sendo esta a lei supletiva, nos
termos do artigo 1º CPTA, estendendo-se portanto aos meios processuais
acessórios da acção principal. Tal ideia vem plasmada no acórdão nº 1072B/02 do
Supremo Tribunal Administrativo, de 24 de Outubro de 2002. Tem previsão
expressa nos artigos 112º e ss. do CPTA;
-Tutela Executiva:
comporta as formas processuais adequadas a fazer valer a decisão e obter a sua
execução, quando tenha sido obtida sentença com força de caso julgado. Tem
previsão expressa nos artigos 157º e ss. do CPTA, tendo a sua obrigatoriedade
em relação a entidades públicas e privadas, assim como a sua prevalência sobre
as autoridades administrativas, previsão no artigo 158º do mesmo diploma.
A redefinição dos meios processuais
existentes, como veio a ser feita na última reforma do Código, de modo a
assegurar que as pretensões possam ser tuteladas, constituía uma exigência
formal e expressamente imposta pelo texto constitucional para o Prof. Dr. Mário
Aroso de Almeida.
Para Vieira de Andrade, não
ignorando que esta relação se reveste de uma especial delicadeza, uma vez que
uma das partes é uma entidade pública, defende que este principio de desdobra
em vários direitos:
- Direito de acesso aos tribunais,
nos termos do 20º CRP, cujo núcleo essencial é a protecção pela via judicial;
- Direito a uma decisão judicial em
prazo razoável e mediante processo equitativo;
- Direito à efectividade das sentenças
proferidas, que consta também do 205º/2 e 3 da CRP.
Quanto ao direito ao recurso a
doutrina diverge, já que a maior parte da desta e da jurisprudência está
inclinada para que a Constituição não assegure tal direito, fora litígios
penais ou quando estão em causa decisões que afectem direitos, liberdades e
garantias. Para o mesmo autor, o legislador deve prever a possibilidade de
recurso como concretização do princípio da tutela jurisdicional efectiva.
Esta tutela não se refere apenas a
direitos dos cidadãos, mas também à protecção do interesse público e de valores
colectivos, como a saúde pública, ambiente, qualidade de vida, ordenamento do
território, entre outros.
A plena jurisdição do
tribunal, tal como está traçada no actual regime, permite a tomada de decisões
justas e adequadas à protecção dos direitos dos particulares e assegura a
eficácia dessas decisões, destacando-se um forte reforço dos poderes do juiz
sobre os actos da administração, nomeadamente em matéria de poderes de anulação
e de condenação à prática de actos, assim como ao poder de intimação ou
condenação imediata à reconstituição da situação hipotética actual.
Tomás Maia
Tomás Maia
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