quarta-feira, 19 de dezembro de 2012


QUE ACÇÃO PARA O ACTO DE INDEFERIMENTO?


A 1 de Janeiro de 2012, a empresa X foi notificada, por resolução de Conselho de Ministros, de que havia sido adjudicada a proposta apresentada pela empresa Y ao concurso público para a celebração de um contrato de fornecimento de bens, tendo esta última ficado classificada em primeiro lugar à luz do critério de adjudicação, respectivos factores e subfactores de densificação e ponderações previstos no Programa do Concurso e no Regulamento de Avaliação das Propostas.
Considerando ilegal o acto de indeferimento, a empresa X resolve recorrer aos meios judiciais. Para o efeito, propõe uma acção administrativa especial com o pedido de impugnação do acto de indeferimento, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.


Para poder ser contestado em sede de Processo Administrativo, o acto deve revestir a forma de acto administrativo, preenchendo os requisitos que constam do art.º 120.º do CPA, especialmente, possuir conteúdo decisório, definindo situações jurídicas.

O acto administrativo, no que concerne ao seu conteúdo, pode ser um de três tipos: de conteúdo positivo, negativo ou ambivalente (simultaneamente de conteúdo positivo e negativo).

O acto de indeferimento é o exemplo paradigmático de acto de conteúdo negativo, e, para este tipo de actos, o legislador considerou que a acção administrativa especial de condenação à prática do acto devido seria a mais adequada a satisfazer a pretensão do autor, conferindo-lhe uma tutela mais intensa, evitando o risco da multiplicação de novos litígios. Esta opção legislativa compreende-se à luz dos princípios da economia processual e da promoção do acesso à justiça, concretizados nos preceitos 51.º/4, aproveitando a instância convidando o autor a substituir a petição, e 66.º/1 e 2, ambos do CPTA. A substituição da petição apresenta a vantagem de garantir a celeridade na satisfação dos direitos e interesses do particular.

Mas, será sempre assim? E os princípios do dispositivo e da vinculação do juiz ao pedido?

Em que situações, a existirem, é este critério legal afastado quando nos encontramos perante um acto de indeferimento?

Pode o autor ignorar o convite do juiz e deduzir pedido de anulação ou declaração de nulidade ou inexistência de um acto de recusa?

Há quem defenda que o autor pode, efectivamente, não aceder ao convite do juiz, sem que a falta de correcção do pedido determine sistematicamente a absolvição da instância, em virtude da deficiência da petição nem sempre ser susceptível de ser qualificada como obstando ao prosseguimento do processo, de acordo com os artigos 88.º e 89.º do CPTA. Esta visão é sustentada, também, recorrendo à comparação entre regimes, dentro do CPTA, nomeadamente o que resulta do art.º 120.º/4, donde se retira uma excepção expressa ao princípio da vinculação do juiz ao pedido, que não é feita no âmbito do art.º 51.º/4[1] [2].

Já o Senhor Professor Mário Aroso de Almeida admite a situação em apreço apenas em casos excepcionais, onde o autor assuma, justificadamente, que não pretende obter o acto ilegalmente recusado, mas apenas o reconhecimento judicial da sua ilegalidade e remoção da ordem jurídica, e quando se admita que tem interesse processual em obter uma tal providência, que não é satisfeito com a condenação à prática do acto devido.

Este quadro é, desde logo, admitido no Direito alemão, verificados os pressupostos processuais gerais e a necessidade de protecção jurídica.

Uma outra configuração é a que o art.º 47.º/2, al. a) do CPTA encerra, relativo à cumulação de pedidos.

Encontramo-nos, agora, no âmbito de actos administrativos de conteúdo ambivalente, de que é exemplo o acto de adjudicação de um contrato, como no caso em análise, que envolve um acto positivo (de adjudicação) e outro negativo (de indeferimento ou recusa), consequentemente. Nestes casos, o autor pretende que o acto seja removido da ordem jurídica e substituído por outro. O autor tem de cumular à acção principal de impugnação do acto acção de condenação à prática do acto devido.

O regime do art.º 66.º não assegura esta pretensão, pois faz depender a eliminação do acto de indeferimento da prossecução da acção de condenação proposta pelo autor. Se for improcedente, o acto de indeferimento subsistirá.


Bibliografia:
  • Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo
  • Ana Gouveia Martins, “A Tutela Cautelar no Contencioso Administrativo (em especial, nos procedimentos de formação dos contratos)”, 2002 (tese de mestrado)



[1] Ana Gouveia Martins, “A Tutela Cautelar no Contencioso Administrativo (em especial, nos procedimentos de formação dos contratos)”, 2002 (tese de mestrado).
[2] Situações em que o interessado na prática de um determinado acto pode já não ter interesse na sua emissão no momento da propositura da acção, mas, contudo, pretende obviar a que a decisão da administração se torne inimpugnável.

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