Conhecemos a história e os “traumas”
(agora superados) do contencioso administrativo. É efectivamente com a
subjectivização que, o “renovado” contencioso administrativo, consagra uma
tutela jurisdicional efectiva dos particulares, acautelando por isso, que a
cada direito, interesse, liberdade ou garantia, haja um meio idóneo à sua
defesa em juízo. Estes meios[1]
são hoje essencialmente: a acção administrativa comum, a acção administrativa
especial e a tutela cautelar.
Para aquilo que por ora
interessa, toma-se em consideração a tutela cautelar. Diga-se, antes de tudo o
resto, que a tutela cautelar é o meio adequado a uma tutela jurisdicional, que
determinado particular obtém do tribunal, visando acautelar o seu direito,
liberdade ou garantia, em tempo útil, quando a opção por um meio de tutela
normal não seja suficiente e haja a possibilidade de se provocar um qualquer
dano irreversível com a actuação da administração. Em certo sentido, pode-se
afirmar, que a tutela cautelar é a garantia de uma garantia do particular,
garantida constitucionalmente (vide art.268º/4 da Constituição).
Invariavelmente, a par da
utilidade que tal meio tem para a defesa do particular, a tutela cautelar
constitui também uma incumbência aos tribunais administrativos, que pela
constitucionalização do contencioso administrativo, veio a exigir que estes
proporcionassem uma tutela jurisdicional efectiva, a todos os sujeitos (não só
os particulares, embora paradigmaticamente se os refira), que necessitem de
recorrer a estes meios. Este campo comum
de atribuição de tutela pelos particulares e para os particulares resulta da
subjectivização operada no seio do contencioso: o processo contencioso acautela
as partes (sendo por isso referido a esse propósito, que este é também um
processo de partes) e incumbe o juiz de poderes de cognição e de decisão.
Todavia, que não se perca de
vista aquilo a que aqui se alude: os processos urgentes autónomos. Estes são
enunciados primeiramente no art.36º/1 do CPTA. À luz do artigo, referem-se, o “caracter
de urgência” é dado aos processos relativos ao contencioso eleitoral (al.a)); ao contencioso pré-contratual (al.b)); à intimação para a prestação de
informações, consulta de documentos ou passagem de certidões (al.c)); à intimação para a defesa de direitos,
liberdades e garantias (al.d)); e às
providências cautelares (al.e)).
Decorre também da letra da lei que estes sãos os processos urgentes previstos
na lei, “sem prejuízo dos demais casos”. Esta expressão, introduzida pelo
legislador, permite que se alcance a ratio
não só da norma mas também daquilo que esteve presente no espírito do
legislador. A intenção foi inequivocamente a de criar um mecanismo de resolução
célere e flexível dos conflitos, criando para isso certos tipos específicos de
tutelas cautelares e abrindo ao mesmo tempo, espaço para outras, que apesar de
não consagradas especificamente, possam vir a ter lugar. É claro, que também se
tomou em linha de conta a demora da resolução dos litígios da justiça
administrativa. Por essa razão, e para que se mantivesse um efeito útil de uma
decisão, isto é, para que, uma qualquer pretensão jurídico-administrativa não
perdesse a sua razão de ser, criou-se no contencioso administrativo urgente, a
par dos processos principais, as providências cautelares.
Os processos urgentes principais,
são autónomos e caracterizam-se por terem uma tramitação mais simplificada e
mais célere, pois a questão que gera o conflito necessita de uma resolução num
curto espaço de tempo. Aqui, ao contrário daquilo que sucede nas providências
cautelares, decide-se definitivamente o mérito da causa.
Já relativamente à tutela
cautelar, esta é subsidiaria ao processo principal, pois pretende-se que
através de medidas conservatórias ou antecipatórias, seja uma qualquer
situação, regulada provisoriamente, tendo-se em vista assegurar a utilidade da
sentença num espaço de tempo normal.
Não obstante da distinção que o
legislador tomou, ambos os processos são urgentes. Aquilo que os deferência é
essencialmente seu alcance e “impacto” da questão. Os principais “resolvem”
enquanto os cautelares não. Todavia é imperativo respeitar a escolha do
legislador e a sistemática do CPTA. Por isso, são Processos Urgentes principais
(Título IV do CPTA) as impugnações urgentes (capítulo I deste Título do CPTA) e
as intimações urgentes (capítulo II deste Título do CPTA). Nos primeiros
englobam-se as impugnações de actos administrativos em matéria eleitoral
(art.97º do CPTA) e o contencioso pré-contratual (art.100º e ss. do CPTA). Nos
segundos englobam-se também dos tipos: as intimações para a prestação de
informações, consulta de processos ou passagem de certidões (art.104 e ss) e as
intimações para protecção de direitos, liberdades e garantias (art.109º e ss).
Tomando em linha de conta, a tão
afamada subjectivização do contencioso, que não só supra se mencionou, mas se tem
vindo a mencionar também nas análises publicadas anteriormente, segue-se neste
linha de raciocínio importante considerar as intimações para protecção de
direitos, liberdades e garantias. A mais verifica-se que o subjectivismo
alcançado com a constitucionalização do contencioso, o próprio art.20º/5 da
Constituição veio a influenciar o contencioso administrativo. Nele se estatui
que em vista da “defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei
assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e
prioridade, de modo a obter tutela efectiva em tempo útil”. Esta tutela
judicial é em primeiro caso uma resposta da justiça administrativa, à
solicitação de tutela de direitos ou interesses, articulando-se o direito em
causa com uma acção mais adequada para fazê-lo valer em juízo. Além disso, recorde-se que a intimação
desencadeia no âmbito dos processos urgentes, uma decisão que atinge o mérito
da causa, superando por isso as dificuldades da tutela cautelar[2].
A intimação, que serve o propósito
primordial do legislador constitucional de protecção de direitos, liberdades e
garantias, levanta ainda uma importante questão: serão unicamente os direitos
pessoais que estão na ratio da
intimação, ou poderá ser dado maior alcance, estendendo-se por isso a outros
direitos que não somente os pessoais?[3]
Parece impor-se uma resposta
negativa. No seguimento de Viera de Andrade, Mário Aroso de Almeida e Vasco
Pereira da Silva, parece que não há razão aparente para que se limite o alcance
aos direitos pessoais. O Mestre Tiago Antunes, refere nas suas aulas práticas,
que “neste sentido o legislador ordinário foi mais abrangente que o
constitucional”. É este o balanço do confronto do art.20º/5 da Constituição com
o art.109º do CPTA. Efectivamente parece não haver qualquer base que sustente
uma interpretação restritiva. O entendimento do art.17º da Constituição reforça
ainda mais este sentido, ao afirmar que “o regime dos direitos, liberdades e
garantias aplica-se aos enunciados no título II (art.24º a 57º da Constituição)
e aos direitos fundamentais de natureza análoga”. Conforme refere Ana Sofia
Firmindo[4]
“não tendo o CPTA restringido esse âmbito de aplicação, não cabe obviamente ao
intérprete fazê-lo”. Assim justifica-se que estejam abrangidos pelo sentido da
norma, todos os direitos de natureza análoga aos direitos fundamentais.
A análise presente, da intimação,
leva a que se mencione também o seu caracter subsidiário. No disposto do
art.109º/1 do CPTA é expressa a referência a esta subsidiariedade – “ a
intimação (…) pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de
mérito (…) imponha à Administração a adopção de uma conduta (…) por não ser
possível (…) o decretamento provisório de uma providência cautelar” nos termos
do art.131º do CPTA. Da subsidiariedade da intimação é possível concluir que,
apesar de ser um processo urgente principal, não é de todo o processo urgente
normal ou primeiro. O detalhe desta análise, não pode fazer esquecer que contra
a actuação (ou omissão) da Administração se reage através das acções
administrativas comuns ou especiais. A intimação é subsidiária e além disso,
deve ser manifesta a urgência de uma decisão para dela se poder lançar mão. A
providência cautelar prevalece nesta lógica sobre a intimação[5].
Também é preciso lembrar que para se socorrer da intimação, terá de se provar a
sua indispensabilidade “para assegurar o exercício, em tempo útil, de um
direito, liberdade e garantia. Entretanto é fulcral não esquecer que ainda
assim a providência é instrumental e provisória, não atingindo por isso uma
decisão de mérito.
Deste confronto faz sentido
estabelecer uma certa articulação. É o próprio Mestre Tiago Antunes que refere,
que há uma articulação, “não pela urgência mas sim pela definitividade ou não”.
Veja-se que a intimação é um processo urgente e principal, que segue uma
tramitação sumária, apta a uma decisão de mérito definitiva. Enquanto o
decretamento provisório da providência cautelar é uma decisão urgente mas
provisória, pelo que não é por si, o meio apto a uma decisão mérito definitiva.
Pelo contrário, o decretamento provisório de uma providência é apto para
proteger um direito, liberdade ou garantia, mas “espera” que a acçao onde
segue, decidida definitivamente o caso, não descorando que em algumas
situações, antecipa até essa decisão, na medida em que com ela for congruente[6].
Coloca-se uma ultima questão: no
caso de o juiz é chamado a proferir uma intimação e verifique que não se
encontram preenchidos os critérios de que depende a sua aplicação, e entender
que é suficiente recorrer ao decretamento provisório de uma providência
cautelar, nos termos do art.131º do CPTA, como deve proceder? Parece que uma
resposta possível será a que permite ao juiz proceder à convolação oficiosa do
processo, num processo cautelar segundo o disposto do art.131ºCPTA. Esta
solução alicerça-se na tutela judicial efectiva e na efectividade dos direitos,
liberdades e garantias.
Desta forma é possível retomar a
questão inicialmente exposta. A intervenção do juiz neste caso é fruto da
constitucionalização do contencioso administrativo, que veio permitir ao juiz
um alargamento dos seus poderes de cognição e de decisão. A subjectivização do
contencioso administrativo, materializa-se assim, perante o âmbito em análise,
numa dupla funcionalidade: defesa de direitos, liberdades e garantias dos
particulares, para os particulares, pelo juiz.
Diogo Duarte
nº18107
[1]
Refira-se que sendo subsidiariamente aplicável o código de processo civil
(art.1º CPTA), parece ser de admitir que os meios probatórios são também eles
aplicáveis, alargando assim, a possibilidade de defesa de tais direitos,
liberdades, garantias e interesses. É também possível, por esta remissão,
concretizar que, mais uma vez, a evolução histórica do contencioso
administrativo, sobretudo com a constitucionalização (“milagre” do contencioso),
se demonstra o ponto de ruptura com o antigo contencioso objectivista.
[2]
A que já se sabe, faltar o caracter da definitividade.
[3] Veja-se
que é o próprio artigo 20º/5 da Constituição que refere a “defesa dos direitos,
liberdades e garantias pessoais”.
[4] Vide Ana
Sofia Firmindo, “novas e velhas andanças…”, Lisboa.
[5]
Alguma doutrina tem entendido que este “nexo” de subsidiariedade da intimação
em relação ao decretamento provisório de uma providência cautelar, estende-se
às providências cautelares específicas de protecção de direitos, liberdades e
garantias. Parece que este entendimento é razoável se se entender, como sendo
paradigmático, o art.131º do CPTA. De facto o interprete não tem de ficar preso
somente à letra da lei. A ratio da
norma parece admitir esta extensão.
[6]
Caso contrário cabe ao juiz altera-la ou levanta-la.
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