Com o intuito de evitar danos
irreversíveis ou situações graves que causem perigo, o autor, no decorrer de
uma acção declarativa, pode solicitar ao tribunal que este decrete uma medida
de precaução de maneira a impedir que tal ocorra – a Providência Cautelar. Conforme
o artigo 112.º CPTA, visam “assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse
processo”; caso ocorressem danos que prejudicassem o objecto do processo
declarativo, ficariam frustradas as expectativas das partes em relação ao mesmo
e é isso que este procedimento visa evitar, sendo, portanto, acessório ao
processo principal e adequado à utilidade da sentença.
Trata-se de um
processo instrumental (dependente), provisório e sumário, que pode apresentar
duas espécies/formas: conservatória e antecipatória, sendo que a primeira, à
luz de um sentido funcional, procura a tutela de “situações jurídicas finais,
estáticas ou opositivas” (aquelas em que se quer que os outros não adoptem
determinadas condutas que ponham em causa a sua posição, de forma a manter ou
conservar um direito em perigo, sendo que a satisfação do seu interesse não está
sujeita à prestação de outrem), e a segunda, “situações jurídicas
instrumentais, dinâmicas ou pretensivas” (aquelas em que é necessária a
prestação de outrem para a satisfação do seu interesse, pretendendo obter a
prestação necessária para tal) – terminologia do Prof. Mário Aroso Almeida.
Não
tendo prazo para a sua propositura, é necessário averiguar determinados
critérios, presentes no artigo 120.º CPTA. A única excepção para averiguação
dos requisitos encontra-se presente na alínea a) do número 1 do dito artigo.
Temos,
então, como primeiro requisito, o critério do “periculum in mora”, ou seja, “quando haja fundado receio da
constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de
difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar ou
pretende ver reconhecidos no processo principal” (alíneas b) e c) do 120.º/1).
O
segundo critério é o da aparência do bom direito, isto é, o juiz deve
analisar o grau de probabilidade de sucesso da pretensão do requerente no
processo declarativo, sendo esse grau mais exigente quando o motivo seja o
decretar de uma providência antecipatória; no caso da providência conservatória,
esta será concedida, após demonstrado o primeiro critério, caso não seja manifesta
a falta de fundamento da pretensão formulada ou a existência de circunstâncias
que obstem ao seu conhecimento de mérito” (120.º/1 b)).
Consoante
o critério preenchido, estamos ou numa Providência Cautelar Antecipatória
ou Conservatória. No entanto, esse mesmo critério tem de estar cumulado com o
critério estabelecido no número 2 do mesmo preceito: o da Ponderação de Interesses.
Está,
então, em causa, para além de juízo de valor absoluto por parte do juiz, também
um juízo de valor relativo, onde se têm de “comparar” o interesse do requerente
com os restantes interesses em causa. Trata-se, nas palavras do Prof. Mário
Aroso Almeida, de uma cláusula de
salvaguarda, na medida em que tende a proteger os interesses dos demais
sujeitos envolvidos, podendo a providência
ser recusada se causar danos desproporcionais em relação àqueles que pretendia
evitar que fossem causados ao interesse do requerente. Este critério adicional
tem em conta tanto interesses públicos como privados independentemente do
sujeito a quem pertencem – princípio de
equilíbrio e proporcionalidade.
Há
a ideia da prevalência do interesse público em detrimento do interesse
particular; no entanto, não deverá ser essa a ideia a seguir: como o prof.
Vieira de Andrade o diz, “a lei não pode ser interpretada como um
reconhecimento implícito ou um pretexto para a prevalência sistemática do
interesse público sobre o particular”. Este critério tem especial relevância e
aplicabilidade em situações de dúvida e/ou incerteza. No fundo, está-se a
ponderar, sim, danos e prejuízos decorridos do tempo e das circunstâncias.
Antes
da reforma, basicamente, o decretamento de providências cautelares dizia
respeito, quase exclusivamente, à suspensão da eficácia de actos
administrativos, tendo agora uma maior abrangência, pelo que, o legislador teve
de adoptar um critério excepcional no ordenamento jurídico português (não
previsto no Direito Processual Administrativo Europeu) para averiguar os
benefícios trazidos pelo decretamento da providência cautelar. Miguel Prata Roque entende que se trata
de um requisito negativo, na medida em que, após a verificação dos outros dois
requisitos, o tribunal pode “ponderar a necessidade de assegurar os interesses
conflituantes”, recusando ou substituindo a dita providência cautelar, ou “impondo
a prestação de caução por parte do requerente”. Este mesmo autor entende que a
providência só deve ser recusada se os prejuízos dela decorrentes forem
“consideravelmente” superiores ao benefício para a efectividade da decisão de
mérito na acção administrativa principal, na medida em que a interpretação
literal do preceito em causa “restringe de modo desproporcionado o direito
fundamental à tutela jurisdicional efectiva” pois dá prevalência ao interesse
público, ao que vem o número 3 do artigo 120.º afastar esse mesmo elemento
literal, pois, “a contrario” pressupõe-se que a recusa de providências
cautelares deve ser “limitada ao estritamente necessário para evitar a lesão do
interesse público e dos interesses privados dos contra-interessados” (in Providências Cautelares Administrativas – O
juiz Nacional enquanto Interprete do DPAE) .
Como,
então, fazer tal ponderação de interesses?
Thiago
Lins Monteiro diz-nos que depende da técnica de subsunção da norma.
Relativamente
à ponderação de interesses no âmbito administrativo e, em especial, à
ponderação e à proporcionalidade, há quem entenda que a proporcionalidade é um
instrumento da ponderação; outros defendem que ambos os conceitos se misturam e
se relacionam entre si. O autor referido posiciona-se na primeira perspectiva,
através dos elementos da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido
estrito.
O
juiz deverá ter em conta a efectividade de todos os objectivos da AP (268.º
CRP) de maneira a que estes não sejam frustrados. A ponderação dos interesses é
uma realidade da discricionariedade da AP. É necessário que se encontre um fim
constitucionalmente legítimo, e que a medida seja adequada a esse fim (através
da eficiência e da intensidade). Deve-se verificar o grau de intensidade da
restrição ao interesse contraposto, identificar o grau de importância da
realização do princípio que justifica a acção administrativa, e analisar se a
relevância da promoção do interesse público justifica a intervenção do
interesse contraposto. O que apresentar peso maior na situação concreta,
prevalece.
Penso
que no decretamento de uma providência cautelar deve fazer-se o mesmo pensamento:
verificação do fim da acção, tendo como ponto de partida os interesses de todos
os sujeitos, indo ao encontro do estipulado na CRP e fazendo a ponderação, caso
a caso, mediante as circunstâncias e realidades envolventes, analisando os
danos possíveis relativos aos interesses em causa.
Analisemos
o Acórdão do Processo n.º 00812/11.0BECBR-A.
Trata-se de uma situação em que uma técnica de
farmácia foi suspensa das duas funções por retirar uma substância do cofre da
farmácia, cocaína, ao longo de quase um ano, e em quantidades que dão para
consumo próprio e entrega a terceiros. Foi pedida providência cautelar com o
motivo de, estando suspensa das suas funções, ser demitida do seu anterior
local de trabalho, e não pôde procurar outro, pelo que está parcialmente
dependente dos seus pais, diminuindo a sua qualidade vida e a sua independência
económica. Além do mais, ao ser julgada procedente a acção principal, até lá já
cumpriu, ilegalmente, uma pena disciplinar. Assim, entenderam que, por uma
questão de dignidade, deveria ser decretada providência cautelar conservatória.
No outro lado, estando em causa os princípios da Ordem dos Farmacêuticos,
defenderam que se estaria a por em causa o bom nome da mesma.
Entenderam-se que o requisito do periculum in mora estava preenchido na medida em que, não tendo
qualquer tipo de remuneração mensal, não poderá pagar as suas dívidas. Mais à
frente, vêm a dizer que, como a suspensão foi meramente preventiva e
temporária, que a possibilidade de encontrar de novo emprego não está, de todo,
fora de questão, mas, tendo em conta a situação em causa, ficará para sempre no
seu “registo” pelo que, dificilmente, alguém lhe vai conceder emprego, o que
quer dizer que o prestigio da ordem não está em causa. Assim, deveria ser decretada
providencia cautelar.
No entanto, o recurso entendeu de forma diferente.
Como há algum tempo a técnica farmacêutica em causa sofre de dependência de
drogas, a verdade, é que, caso seja empregada novamente, poderá vir a cometer
exactamente o mesmo crime, e, na lógica da prevenção geral, tal facto não
poderá ser posto de lado, uma vez que pôs em causa o tratamento de doentes, por
não estar disponível a substância, e a confiança da população que ia
regularmente àquela farmácia. Desta forma, defenderam os princípios da ordem e
o interesse público, dando como improcedente o decretamento da providência cautelar.
Daqui conclui-se que o critério de ponderação de
interesses é, de facto, de difícil conclusão e de difícil ponderação. Como
neste caso, estavam em questão dois factores bastante importantes: o do direito
ao trabalho e a ter dignidade e independência económica (artigos 26.º e 58.º da
CRP) contra o da prevenção geral das penas, ou seja, revelar à comunidade o que
acontece se praticar um crime, e revelar a intimidação da população.
Afinal o que deverá ser considerado como mais
importante? Penso que é uma questão de subjectividade por parte de quem vai
ponderar os interesses em causa. Não há como fazer uma lista de quais os
interesses que prevalecem sobre outros. Apenas se pode pensar que os juízes
irão decidir e ponderar da melhor maneira. Mas é claro, o que é importante para
mim, poderá não o ser para outros. No entanto, o que interesse é a prossecução
do interesse público tendo em conta os direitos e interesses legalmente
protegidos dos cidadãos. Acho que daqui, dá para, de certa forma, a nível
administrativo, irá sempre haver uma tendência, errada, para a prevalência dos
interesses públicos em detrimento dos interesses privados, nas circunstâncias
do caso concreto.
Bibliografia:
è
Almeida, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Edições Almedina, Coimbra, 2010
è
Andrade, José Carlos Vieira de, A Justiça Administrativa, 11.ª Edição,
Edições Almedina, Coimbra, 2011
è
Monteiro, Thiago Lins, Um Contributo para o Estudo da Ponderação de Interesse no Direito Administrativo,
Tese 6373
è
Roques, Miguel Prata, Providências Cautelares Administrativas – O juíz Nacional Enquanto
Interprete do Direito Processual Administrativo Europeu, Revista do
Ministério Público 127, Julho, Setembro 2011
è
Serra, Manuel Fernando dos Santos, Breve Apontamento sobre as Providências
Cautelares no Novo Contencioso Administrativo, Lisboa, Coimbra Editora,
2006, Páginas 975 a 986, Sep. Estudos Jurídicos e Económicos em Homenagem ao
Prof. Doutor Sousa Franco
Link Acórdão:
http://www.gde.mj.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/f0b61106ea0d779d80257a000033078c?OpenDocument
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