I.
No âmbito do contencioso administrativo, os artigos 112º e seguintes do
Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), delimitam o campo de
actuação dos processos cautelares. É, acima de tudo, um corolário do artigo
268º/4 da Constituição da República Portuguesa (CRP); de facto, a tutela
jurisdicional efectiva perante a Administração Pública inclui a adopção de
medidas cautelares adequadas. Perante isto, é fulcral para o bom funcionamento
da justiça, que exista a possibilidade, para os tribunais, em adoptar num
momento anterior àquele que o processo venha a ser definitivamente decidido,
instrumentos do foro cautelar, com o objectivo de garantir uma correcta e
eficaz regulação com características provisórias acerca dos interesses em
litígio.
II.
À luz Capítulo I do Título V do CPTA, as providências cautelares surgem
como um mecanismo que assegura a utilidade das sentenças a proferir nos
processos judiciais e, consequentemente, previne a inutilidade (total ou
parcial) das próprias sentenças. Essa inutilidade existe, no seio das
circunstâncias que envolvem o processo, quando não seja possível concretizar,
no campo factual, ao que é tido em conta na sentença, assistindo-se à perda de
utilidade que é pretendida em sede de processo principal.
III.
Que critérios de atribuição das providências cautelares?
a) Os critérios
de que dependem as providências cautelares são definidos no artigo 120º,
que, por isso, determina os preceitos que devem orientar o juiz numa decisão
que envolve a possibilidade de adoptar os mais diversos tipos de providências
cautelares. Isto explica o facto de o nº 1 do artigo 120º estabelecer, nas
suas alíneas b) e c), critérios diferenciados, consoante se trate de conceder
providências conservatórias ou providências antecipatórias,
respectivamente.
b) Neste
sentido, estabelece-se um conjunto de critérios que estão intimamente ligados
com a providência cautelar. Em primeiro lugar, o periculum in mora diz-nos que é necessário que “haja fundado
receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de
prejuízos de difícil reparação para os interesses” do requerente. Ou
seja, quando os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado
receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível,
no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à
reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade.
c) Por outro
lado, o fumus boni iuris, também
denomidado por aparência de bom direito
é uma expressão latina que significa probabilidade ou verosimilhança da existência
de um direito, também ele presente na letra do artigo 120º. Um último critério é
o da ponderação de interesses, por
força do qual a atribuição de providências cautelares fica dependente da
formulação de um juízo de valor relativo. Por outras palavras, é importante que
exista uma comparação entre os interesses do requerente e os interesses da
contraparte no processo.
IV.
No que respeita ao momento para intentar uma providência cautelar, o CPTA
permite que o sejam antes, juntamente com a petição inicial ou até na pendência
do processo principal, como tipifica o artigo 114º/1.
V.
Para mais, e no que toca aos sujeitos interessados nas providências
cautelares, resulta do referido artigo 112º, que “quem possua legitimidade
para intentar um processo junto dos tribunais administrativos”; mas também
transparece dos vários preceitos que, ao longo do Título V, se referem aos
“interesses que o requerente visa assegurar”, por exemplo, os artigos 120º e
129º do CPTA, a legitimidade para requerer a adopção de providências
cautelares não pertence apenas aos particulares que recorram à justiça administrativa
em defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, mas também
ao Ministério Público. Desta forma, a referência no artigo 124º/1 do CPTA é
permitido a quem quer que actue no exercício da acção popular ou impugne um
acto administrativo com fundamento num interesse directo e pessoal, no
óbvio pressuposto de que a todos deve ser reconhecida a possibilidade de verem
acautelada a utilidade do processo principal que estão legitimados a
intentar.
VI.
As providências cautelares têm como principais características, a
instrumentalidade e a provisoriedade. A primeira, e tendo por base a relação
com um processo posterior, diz-nos que o mecanismo cautelar apenas pode ser
iniciado por quem tenha legitimidade para poder intentar um processo principal.
O artigo 113º refere a dependência da causa “que tem por objecto a decisão
sobre o mérito” e desta forma, ficamos a saber que, caso o processo cautelar
seja intentado em momento anterior ao da instauração do processo principal,
tem-se como “preliminar”. Consequentemente, as providências cautelares caducam
no prazo de três meses, se o requerente não fizer uso do meio principal
adequado, como consta do artigo 123º/2 do CPTA. Na mesma ordem de ideias, o
processo também caduca se tiver parado durante mais de três meses, por motivos
de negligência do interessado; ou caso seja proferida decisão transitada em
julgado que lhe seja manifestamente desfavorável.
VII.
A
provisoriedade transparece da possibilidade de o tribunal revogar, alterar ou
substituir, na pendência do processo principal, a sua decisão de adoptar ou
recusar a adopção de providências cautelares se tiver ocorrido uma alteração
relevante das circunstâncias inicialmente existentes (veja-se o artigo 124º/1
do CPTA); designadamente por ter sido proferida, no processo principal, decisão
de improcedência de que tenha sido interposto
recurso com efeito suspensivo (124º/3 do CPTA). Apesar de tudo, sabemos que o
tribunal não pode atribuir, através de uma providência cautelar, aquilo que
apenas a sentença pode garantir, no case de se dar provimento àquilo que é
deduzido no processo proncipal. Por outras palavras, quer-se que essa
“antecipação” tenha o referido carácter provisório e que, permaneça a plena
possibilidade de a mesma caducar no processo principal, se o Juíz concluir que
exista uma incompatibilidade com a manutenção anteriromente criada.
Paralelamente, e num pensamento a
contrario, a providência cautelar não pode, a título definitivo, consituir situações
em que apenas a própria decisão proferida no processo principal pode
determinar.
VIII.
De todo o
modo, se se comprometer o efeito útil do processo principal e este apenas só
pode ser evitado através da antecipação de um efeito apenas determinado pela
sentença (a proferir no processo principal), sob pena de inutilidade, a solução
do CPTA vai noutro sentido: apesar de ter carácter de urgência, não caímos no
âmbito da tutela cautelar, mas sim no domínio da tuteal final urgente; maxime, o processo urgente de intimação
para a protecção de direitos, liberdades e garantias, como indica o artigo 109º
do código.
BIBLIOGRAFIA:
- ALMEIDA, Mário Aroso de, "Manual de Processo
Administrativo", Almedina, 2010;
-AMARAL, Diogo Freitas /ALMEIDA, Mário Aroso de, "Grandes linhas da reforma do
contencioso administrativo", 3ª ed., Almedina, 2004;
- SILVA, Vasco Pereira da, "O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise", Almedina, 2009;
- DIAS, José Eduardo Figueiredo, "Cadernos de Justiça Administrativa".
João Frazão, n.18199
Sem comentários:
Enviar um comentário