sábado, 15 de dezembro de 2012

Providências Cautelares: delimitação no CPTA, funcionamento e critérios de atribuição



        I.            No âmbito do contencioso administrativo, os artigos 112º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), delimitam o campo de actuação dos processos cautelares. É, acima de tudo, um corolário do artigo 268º/4 da Constituição da República Portuguesa (CRP); de facto, a tutela jurisdicional efectiva perante a Administração Pública inclui a adopção de medidas cautelares adequadas. Perante isto, é fulcral para o bom funcionamento da justiça, que exista a possibilidade, para os tribunais, em adoptar num momento anterior àquele que o processo venha a ser definitivamente decidido, instrumentos do foro cautelar, com o objectivo de garantir uma correcta e eficaz regulação com características provisórias acerca dos interesses em litígio.

      II.            À luz Capítulo I do Título V do CPTA, as providências cautelares surgem como um mecanismo que assegura a utilidade das sentenças a proferir nos processos judiciais e, consequentemente, previne a inutilidade (total ou parcial) das próprias sentenças. Essa inutilidade existe, no seio das circunstâncias que envolvem o processo, quando não seja possível concretizar, no campo factual, ao que é tido em conta na sentença, assistindo-se à perda de utilidade que é pretendida em sede de processo principal.
 
    III.            Que critérios de atribuição das providências cautelares?

a)      Os critérios de que dependem as providências caute­la­res são de­finidos no artigo 120º, que, por isso, determina os preceitos que de­vem orientar o juiz numa decisão que envolve a possibilidade de adoptar os mais diver­sos tipos de providências cautelares. Isto explica o facto de o nº 1 do artigo 120º es­ta­be­­le­cer, nas suas alí­neas b) e c), critérios diferenciados, conso­ante se trate de conce­der pro­vi­dên­cias con­ser­va­tórias ou providências antecipatórias, respectivamente.
b)      Neste sentido, estabelece-se um conjunto de critérios que estão intimamente ligados com a providência cautelar. Em primeiro lugar, o periculum in mora diz-nos que é necessário que “haja fun­da­do receio da constituição de uma si­­tuação de facto consumado ou da pro­du­ção de pre­juí­zos de difícil reparação para os in­te­­­res­ses” do requerente. Ou seja, quando os factos con­cre­­tos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for re­cu­sada, se tornará depois impossível, no ca­so de o processo prin­ci­pal vir a ser jul­gado procedente, proceder à rein­te­gra­ção, no pla­no dos factos, da situa­ção con­forme à legalidade.

c)      Por outro lado, o fumus boni iuris, também denomidado por aparência de bom direito é uma expressão latina que significa probabilidade ou verosimilhança da existência de um direito, também ele presente na letra do artigo 120º. Um último critério é o da ponderação de interesses, por força do qual a atribuição de providências cautelares fica dependente da formulação de um juízo de valor relativo. Por outras palavras, é importante que exista uma comparação entre os interesses do requerente e os interesses da contraparte no processo.

    IV.            No que respeita ao momento para intentar uma providência cautelar, o CPTA permite que o sejam antes, juntamente com a petição inicial ou até na pendência do processo principal, como tipifica o artigo 114º/1.

      V.            Para mais, e no que toca aos sujeitos interessados nas providências cautelares, resulta do referido artigo 112º, que “quem possua le­gitimidade para intentar um processo junto dos tribunais ad­mi­nis­­tra­ti­vos”; mas tam­bém transparece dos vários preceitos que, ao longo do Título V, se re­­ferem aos “interesses que o requerente visa assegurar”, por exemplo, os artigos 120º e 129º do CPTA, a le­gi­ti­mi­da­de para requerer a adopção de pro­vidências cautelares não per­tence apenas aos par­ti­cu­la­res que recorram à justiça ad­mi­nis­trativa em defesa dos seus di­reitos ou interesses legal­men­te protegidos, mas também ao Mi­nistério Público. Desta forma, a referência no artigo 124º/1 do CPTA é permitido a quem quer que actue no exercício da acção po­pu­lar ou impugne um acto ad­­ministrativo com funda­men­to num in­teresse directo e pes­soal, no óbvio pressuposto de que a todos deve ser reconhecida a possibilidade de verem acautelada a utilidade do pro­ces­so prin­cipal que estão legitimados a intentar.

    VI.            As providências cautelares têm como principais características, a instrumentalidade e a provisoriedade. A primeira, e tendo por base a relação com um processo posterior, diz-nos que o mecanismo cautelar apenas pode ser iniciado por quem tenha legitimidade para poder intentar um processo principal. O artigo 113º refere a dependência da causa “que tem por objecto a decisão sobre o mérito” e desta forma, ficamos a saber que, caso o processo cautelar seja intentado em momento anterior ao da instauração do processo principal, tem-se como “preliminar”. Consequentemente, as providências cautelares caducam no prazo de três meses, se o requerente não fizer uso do meio principal adequado, como consta do artigo 123º/2 do CPTA. Na mesma ordem de ideias, o processo também caduca se tiver parado durante mais de três meses, por motivos de negligência do interessado; ou caso seja proferida decisão transitada em julgado que lhe seja manifestamente desfavorável.

  VII.            A provisoriedade transparece da possibilidade de o tri­bu­nal revogar, alterar ou substituir, na pendência do processo principal, a sua decisão de adoptar ou recusar a adopção de providências cautelares se tiver ocorrido uma alteração relevante das cir­cuns­tâncias inicialmente existentes (veja-se o artigo 124º/1 do CPTA); designadamente por ter sido proferida, no processo principal, decisão de improcedência  de que tenha sido in­ter­posto recurso com efeito suspensivo (124º/3 do CPTA). Apesar de tudo, sabemos que o tribunal não pode atribuir, através de uma providência cautelar, aquilo que apenas a sentença pode garantir, no case de se dar provimento àquilo que é deduzido no processo proncipal. Por outras palavras, quer-se que essa “antecipação” tenha o referido carácter provisório e que, permaneça a plena possibilidade de a mesma caducar no processo principal, se o Juíz concluir que exista uma incompatibilidade com a manutenção anteriromente criada. Paralelamente, e num pensamento a contrario, a providência cautelar não pode, a título definitivo, consituir situações em que apenas a própria decisão proferida no processo principal pode determinar.

VIII.            De todo o modo, se se comprometer o efeito útil do processo principal e este apenas só pode ser evitado através da antecipação de um efeito apenas determinado pela sentença (a proferir no processo principal), sob pena de inutilidade, a solução do CPTA vai noutro sentido: apesar de ter carácter de urgência, não caímos no âmbito da tutela cautelar, mas sim no domínio da tuteal final urgente; maxime, o processo urgente de intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, como indica o artigo 109º do código.
 
 
 
BIBLIOGRAFIA:
- ALMEIDA, Mário Aroso de, "Manual de Processo Administrativo", Almedina, 2010;
 -AMARAL, Diogo Freitas /ALMEIDA, Mário Aroso de,   "Grandes linhas da reforma do contencioso administrativo", 3ª ed., Almedina, 2004;
- SILVA, Vasco Pereira da, "O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise", Almedina, 2009;
 - DIAS, José Eduardo Figueiredo, "Cadernos de Justiça Administrativa".
 
 
João Frazão, n.18199
 
 
 
 
 

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