segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

BREVÍSSIMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS


GOMES CANOTILHO descreve os direitos fundamentais como “elementos constitutivos da legitimidade constitucional”, constituem para o Professor, “elementos legitimativo-fundamentantes da própria ordem constitucional positiva”, traduzindo o estado dos direitos no contexto do Estado de Direito. Tal fenómeno é patente na Constituição da República Portuguesa (CRP), que baseia a República no princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1.º), que associa o princípio da juridicidade da acção do Estado à garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais (artigo 2.º), que incumbe ao Estado, a título de tarefa fundamental, a defesa e promoção dos direitos fundamentais (artigo 9.º/b), que consagra uma cláusula aberta de direitos fundamentais (artigo 16.º/1), enfim, que dedica a sua Parte I à enunciação dos direitos e deveres fundamentais dos cidadãos.

Se é verdade que a essência do Direito não depende da susceptibilidade da sua imposição coerciva e da sancionabilidade das condutas prevaricadoras, não é menos verdade que a realização de um Estado de direitos fundamentais depende de mecanismos adequados à sua tutela, plena e efectiva.

O artigo 109.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), constitui uma novidade deste Código. Estamos perante um processo urgente (que pode mesmo ser urgentíssimo: cfr. Artigo 111.º) que serve para obter, dentro de um prazo curto, uma intimação que tanto pode ser dirigida contra uma entidade pública como contra um particular, e se destina a salvaguardar o exercício de direitos, liberdades e garantias.

Estamos antes de mais, perante um processo principal e não perante um processo cautelar. Estamos, depois, perante um processo de intimação. Isto significa que se trata de um processo dirigido à emissão de uma sentença de condenação, mediante a qual o tribunal impõe a adopção de uma conduta, que tanto poderá consistir num facere, como num non facere, numa conduta positiva (uma acção),como numa conduta negativa (uma abstenção).

Trata-se de um processo dirigido a proteger direitos, liberdades e garantias. Para MARIO AROSO DE ALMEIDA, todo e qualquer tipo de direitos, liberdades e garantias, sem que haja, que distinguir entre direitos, liberdades e garantias pessoais e direitos, liberdades e garantias de conteúdo patrimonial.

O propósito primacial do legislador com a introdução desta nova forma de processo, foi dar cumprimento a uma imposição constitucional que apenas se reporta a direitos, liberdades e garantias pessoas: cfr. artigo 20.º, n.º5, da CRP. Mas o que é certo é que, nem em nenhum dos artigos que integram a presente Secção, nem no próprio título da Secção, o legislador introduziu qualquer restrição. Embora pudesse não o ter feito, o legislador optou por ir além da mera concretização da Constituição e, assim, por estender o âmbito de intervenção deste processo de intimação à protecção de todo e qualquer direito, liberdade ou garantia.

Desta forma MARIO AROSO DE ALMEIDA, critica e não subscreve o entendimento propugnado no acórdão do STA de 18 de Novembro de 2004, Processo n.º 978/04, que, por referência ao disposto no artigo 20.º, n.º 5, da CRP, circunscreveu o âmbito de aplicação da intimação ao exercício de direitos, liberdades e garantias pessoais. No mesmo sentido, CARLA AMADO GOMES em anotação crítica a este acórdão.

Por outro lado, como o regime dos direitos, liberdades e garantias se aplica aos direitos fundamentais de natureza análoga (cfr. artigo 17.º da CRP), também não se vê fundamento para excluir os direitos de natureza análoga do âmbito de intervenção deste processo.

Contudo, uma dúvida pode ainda colocar-se, em face da cláusula de excepção do regime constante do artigo 17.º da CRP: estão também abrangidos os direitos fundamentais de natureza análoga a direitos, liberdades e garantias? Se sim, só os inseridos no texto constitucional (embora fora do catálogo), ou também os provenientes da lei e do Direito Internacional?

CARLA AMADO GOMES responde afirmativamente à primeira questão. Por um lado porque a abertura demostrada pelo legislador ao afastar a limitação da natureza pessoal do direito revela a intenção de alargar o âmbito da providência; por outro lado, na medida em que a criação de um meio processual como a intimação reflecte a preocupação com a tutela especialmente célere de certos direitos que, pela sua natureza, espelham de forma mais sensível a relação do cidadão em face do Estado.

Já relativamente ao segundo problema, a Professora, hesita em abranger no âmbito de aplicação da intimação direitos cuja sede não seja o texto constitucional. Isto porque o alcance desmesurado que a intimação poderia revestir tenderia, eventualmente, a reduzir a operacionalidade do meio, por “afogamento” dos tribunais.

Importa ter, no entanto, presentes os ensinamentos de JORGE REIS NOVAIS. Para o Professor, nem todos os direitos fundamentais têm conteúdo imediatamente determinado ou determinável a partir da norma constitucional, em termos de poderem usufruir de idênticas possibilidades de realização e judicialização. A aplicabilidade directa dos preceitos respeitantes aos direitos, liberdades e garantias, resultante do artigo 18.º, n.º 1, da CRP, não é equivalente a exequibilidade imediata, sucedendo que o exercício efectivo da generalidade dos direitos, liberdades e garantias está dependente de regulamentação legislativa. Nessa medida, há uma maior garantia de realização jurisdicional do direito quando este se encontre melhor concretizado pelo legislador no plano infraconstitucional. Como conclui aquele Professor, “o pressuposto da existência de um direito, liberdade ou garantia para efeitos de justiça administrativa define-se, portanto, em função destes critérios: há lugar para recorrer à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias desde que, verificados os restantes pressupostos, se trate de um direito fundamental em sentido material, e, além disso, tenha um conteúdo normativo tão precisamente determinado (pela Constituição e/ou pela lei) que permita a intervenção do juiz administrativo sem perda ou afectação da separação de poderes própria do Estado de Direito”.
João Mascarenhas de Carvalho, 18198

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