GOMES CANOTILHO
descreve os direitos fundamentais como “elementos constitutivos da legitimidade
constitucional”, constituem para o Professor, “elementos legitimativo-fundamentantes
da própria ordem constitucional positiva”, traduzindo o estado dos direitos no contexto do Estado de Direito. Tal fenómeno
é patente na Constituição da República Portuguesa (CRP), que baseia a República
no princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1.º), que associa o
princípio da juridicidade da acção do Estado à garantia de efectivação dos
direitos e liberdades fundamentais (artigo 2.º), que incumbe ao Estado, a
título de tarefa fundamental, a defesa e promoção dos direitos fundamentais
(artigo 9.º/b), que consagra uma cláusula aberta de direitos fundamentais
(artigo 16.º/1), enfim, que dedica a sua Parte I à enunciação dos direitos e
deveres fundamentais dos cidadãos.
Se é verdade que a
essência do Direito não depende da susceptibilidade da sua imposição coerciva e
da sancionabilidade das condutas prevaricadoras, não é menos verdade que a
realização de um Estado de direitos fundamentais depende de mecanismos
adequados à sua tutela, plena e efectiva.
O artigo 109.º do
Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), constitui uma novidade
deste Código. Estamos perante um processo urgente (que pode mesmo ser
urgentíssimo: cfr. Artigo 111.º) que serve para obter, dentro de um prazo
curto, uma intimação que tanto pode ser dirigida contra uma entidade pública
como contra um particular, e se destina a salvaguardar o exercício de direitos,
liberdades e garantias.
Estamos antes de mais,
perante um processo principal e não perante um processo cautelar. Estamos,
depois, perante um processo de intimação. Isto significa que se trata de um
processo dirigido à emissão de uma sentença de condenação, mediante a qual o
tribunal impõe a adopção de uma conduta, que tanto poderá consistir num facere,
como num non facere, numa conduta positiva (uma acção),como numa conduta
negativa (uma abstenção).
Trata-se de um processo
dirigido a proteger direitos, liberdades e garantias. Para MARIO AROSO DE
ALMEIDA, todo e qualquer tipo de direitos, liberdades e garantias, sem que
haja, que distinguir entre direitos, liberdades e garantias pessoais e
direitos, liberdades e garantias de conteúdo patrimonial.
O propósito primacial
do legislador com a introdução desta nova forma de processo, foi dar
cumprimento a uma imposição constitucional que apenas se reporta a direitos,
liberdades e garantias pessoas: cfr. artigo 20.º, n.º5, da CRP. Mas o que é
certo é que, nem em nenhum dos artigos que integram a presente Secção, nem no
próprio título da Secção, o legislador introduziu qualquer restrição. Embora
pudesse não o ter feito, o legislador optou por ir além da mera concretização
da Constituição e, assim, por estender o âmbito de intervenção deste processo
de intimação à protecção de todo e qualquer direito, liberdade ou garantia.
Desta forma MARIO AROSO
DE ALMEIDA, critica e não subscreve o entendimento propugnado no acórdão do STA
de 18 de Novembro de 2004, Processo n.º 978/04, que, por referência ao disposto
no artigo 20.º, n.º 5, da CRP, circunscreveu o âmbito de aplicação da intimação
ao exercício de direitos, liberdades e garantias pessoais. No mesmo sentido,
CARLA AMADO GOMES em anotação crítica a este acórdão.
Por outro lado, como o
regime dos direitos, liberdades e garantias se aplica aos direitos fundamentais
de natureza análoga (cfr. artigo 17.º da CRP), também não se vê fundamento para
excluir os direitos de natureza análoga do âmbito de intervenção deste
processo.
Contudo, uma dúvida
pode ainda colocar-se, em face da cláusula de excepção do regime constante do
artigo 17.º da CRP: estão também abrangidos os direitos fundamentais de
natureza análoga a direitos, liberdades e garantias? Se sim, só os inseridos no
texto constitucional (embora fora do catálogo), ou também os provenientes da
lei e do Direito Internacional?
CARLA AMADO GOMES
responde afirmativamente à primeira questão. Por um lado porque a abertura
demostrada pelo legislador ao afastar a limitação da natureza pessoal do
direito revela a intenção de alargar o âmbito da providência; por outro lado,
na medida em que a criação de um meio processual como a intimação reflecte a
preocupação com a tutela especialmente célere de certos direitos que, pela sua
natureza, espelham de forma mais sensível a relação do cidadão em face do
Estado.
Já relativamente ao
segundo problema, a Professora, hesita em abranger no âmbito de aplicação da
intimação direitos cuja sede não seja o texto constitucional. Isto porque o
alcance desmesurado que a intimação poderia revestir tenderia, eventualmente, a
reduzir a operacionalidade do meio, por “afogamento” dos tribunais.
Importa ter, no
entanto, presentes os ensinamentos de JORGE REIS NOVAIS. Para o Professor, nem
todos os direitos fundamentais têm conteúdo imediatamente determinado ou
determinável a partir da norma constitucional, em termos de poderem usufruir de
idênticas possibilidades de realização e judicialização. A aplicabilidade directa
dos preceitos respeitantes aos direitos, liberdades e garantias, resultante do
artigo 18.º, n.º 1, da CRP, não é equivalente a exequibilidade imediata,
sucedendo que o exercício efectivo da generalidade dos direitos, liberdades e
garantias está dependente de regulamentação legislativa. Nessa medida, há uma
maior garantia de realização jurisdicional do direito quando este se encontre
melhor concretizado pelo legislador no plano infraconstitucional. Como conclui
aquele Professor, “o pressuposto da existência de um direito, liberdade ou
garantia para efeitos de justiça administrativa define-se, portanto, em função
destes critérios: há lugar para recorrer à intimação para protecção de
direitos, liberdades e garantias desde que, verificados os restantes pressupostos,
se trate de um direito fundamental em sentido material, e, além disso, tenha um
conteúdo normativo tão precisamente determinado (pela Constituição e/ou pela
lei) que permita a intervenção do juiz administrativo sem perda ou afectação da
separação de poderes própria do Estado de Direito”.
João Mascarenhas de Carvalho, 18198
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