quinta-feira, 1 de novembro de 2012

O art. 55º/1 a)

A Legitimidade Activa no Contencioso Administrativo



  A legitimidade é pressuposto processual do contencioso administrativo. No que respeita ao lado activo, as normas que estabelecem a legitimidade não se esgotam no art. 9º uma vez que o regime do CPTA estabelece nesse artigo um critério que é, em larga medida, derrogado por um conjunto de soluções especiais estabelecidos noutros artigos do próprio CPTA, para diversos tipos especiais de acções, designadamente o art. 55º quanto a acções administrativas especiais de impugnação de actos. Antes de se partir para uma análise da regra do art. 55º, sendo regra especial, importa contrapô-la com a regra geral do art. 9º, prevista para acções administrativas ditas comuns. Para efeitos da dita comparação, serão apenas analisado o nº1 do art. 9º e a alínea a) do nº1 do art. 55º.
  Assim, o art. 9º/1 estabelece que “é considerado parte legitima quando [o autor] alegue ser parte na relação material controvertida”, enquanto o art. 55º/1 a) dá legitimidade para impugnar acto administrativos “quem alegue ser titular de um interesse directo e pessoal”, sendo a segunda parte meramente exemplificativa. Afinal em que são diferentes estas normas? O art. 9º/1 é a nova norma do contencioso que aponta um critério subjectivo: a relação material controvertida. Pelo contrário, seguindo ainda a linha objectiva do antigo contencioso administrativo, o art. 55º/1 a) contém um critério objectivo, muito mais amplo. O antigo objectivismo levado ao máximo iria coincidir com um critério demasiado amplo: uma acção popular alargada. Como nunca poderia ser desta forma, por razões práticas, inseriu-se um critério de legitimidade, ainda que objectivo, para as acções de impugnação de actos administrativos, sucessoras do recurso contencioso de anulação. Temos pois um CPTA com um critério “especial” mais amplo que o geral.
  Posto isto, como se deve entender o “interesse directo e pessoal”. O critério estabelecido aponta no sentido de que a legitimidade individual para impugnar actos administrativos não tem de basear-se na ofensa de um direito ou interesse legalmente protegido, bastando-se com a circunstância de o acto estar a provocar consequências desfavoráveis na esfera jurídica do autor, de maneira que a anulação ou declaração de nulidade desse acto lhe traga, pessoalmente, uma vantagem directa ou imediata. Já era tradição no processo administrativo que a impugnação de actos administrativos pudesse ser pedida a um tribunal administrativo por quem nisso tivesse interesse, no sentido de reivindicar para si próprio uma vantagem que resulte da anulação ou declaração de nulidade (o tal objectivismo).
  Contudo, ensina o Professor Mário Aroso de Almeida, deve ser estabelecida uma clara distinção entre o que é interesse directo e o que é interesse pessoal. Para este Professor, apenas o carácter “pessoal” do interesse diz verdadeiramente respeito ao pressuposto processual da legitimidade, uma vez que se trata de exigir que a utilidade pretendida pelo interessado seja uma utilidade pessoal, que ele reivindique para si próprio, de maneira a poder afirmar-se que ele é o titular do interesse em nome do qual se move o processo, sendo por isso parte legítima. Pelo contrário, o carácter “directo” do interesse já não diria respeito ao pressuposto processual da legitimidade e sim ao “interesse em agir”: saber se existe um interesse actual e efectivo em pedir a anulação ou declaração de nulidade do acto administrativo. Portanto, admite-se que o impugnante tem um interesse pessoal, trata-se de saber se ele se encontra numa situação de lesão efectiva que justifique a utilização do meio impugnatório.
  No mesmo sentido, o Supremo Tribunal Administrativo tem sufragado o entendimento que o interesse directo (interesse processual ou interesse em agir) deve ser apreciado, na petição inicial, em função das vantagens que o autor alega poderem advir da impugnação do acto. Então, “os efeitos decorrentes da anulação devem repercutir-se, de forma directa e imediata, na esfera jurídica do impugnante” tendo legitimidade quem “espera obter da anulação do acto impugnado [ou da sua declaração de nulidade] um certo benefício e se encontra em condições de o poder receber” sendo directo o interesse desde que “de repercussão imediata na esfera do interessado” (1).
  O Professor Vasco Pereira da Silva não parece seguir o mesmo entendimento no sentido de separar os dois caracteres do interesse: importa para o pressuposto processual da legitimidade que o interesse seja pessoal e directo, o que não quer dizer que se ignore completamente a necessidade de existência do interesse em agir.

(1) Cfr. Acórdãos do Pleno do STA de 27 de Fevereiro de 1996, Rec. nº 24386, de 19-02-27, Rec. nº 31892, e de 29 de Outubro de 1997, Rec. nº 30105; e Acórdãos da Secção do STA de 7 de Novembro de 1996, Rec. nº 36559, de 25.03.99, Rec. nº40 703, de 22 de Junho de 1999, Rec. nº 44 568, e de 18 de Maio de 2000, Rec. nº 45894.

Bibliografia:
PEREIRA DA SILVA, Vasco, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise – Ensaio sobre as acções no novo processo administrativo, Ed. Almedina, 2009
ALMEIDA, Mário Arouso de, Manual de Processo Administrativo, Ed. Almedina, 2010
  

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