domingo, 18 de novembro de 2012

Era uma vez uma Lacuna…

A tempestividade na ação de condenação à prática de ato devido com fundamento na recusa de apreciação de requerimento.

Considerações Iniciais
Começando por enquadrar a questão, no âmbito da ação especial de condenação à prática de ato devido (artigo 66º e ss CPTA) cumpre referir, enquanto pressuposto processual a necessidade de se verificar um dos seguintes fundamentos: omissão, de resposta, pela administração, após a entrega do requerimento para a prática de certo ato (alínea a) do artigo 67º); a recusa da administração à prática de ato devido (alínea b) do artigo 67º) e, finalmente, a recusa de apreciação do requerimento (alínea c) do artigo 67º.
Vingando para a ação especial de impugnação de atos administrativos (46º, nºs 1 e 2, alínea b) e artigo 50º e ss) a solução do artigo 69º, estará aqui em causa a existência de uma lacuna por esta norma nada dizer quanto à situação de recusa de apreciação de requerimento?
Cumpre então iniciar esta questão começando por distinguir os dois regimes resultantes do CPTA. Para o caso da ação se fundar em omissão da decisão devida (expressamente previsto no artigo 69º/1) isto é, nos casos em que a Administração se limita a rejeitar liminarmente o requerimento, neste caso, o requerente pode pedir, com base no requerimento e no prazo de um ano (do qual não obteve resposta) que a administração seja sancionada pela omissão. Este prazo de um ano tem contudo uma limitação, pois no caso de surgir recusa ou indeferimento, o prazo passará a contar desde a notificação desse ato e é reduzido para três meses (posição dúbia como veremos), independentemente de já terem passado tanto um mês, como dois, ou mesmo onze. Quanto à contagem deste prazo, este começa a contar-se após o prazo para a emissão da decisão requerida e, face à circunstância da administração não se ter pronunciado, nada obsta a que, passado o prazo de um ano, seja apresentado novo requerimento com o mesmo conteúdo e que, caso a administração não se pronuncie novamente, corra de novo o prazo de um ano para propor ação. Esta situação resulta do facto do disposto no artigo 9º/2 não se aplicar uma vez que, nesta circunstância, a administração nunca se pronunciou sobre o primeiro requerimento.
Resulta também do artigo 69º/2 o prazo para a instauração de ações de condenação com fundamente na pretensão do autor ter sido diferida. Aqui, ao contrário da situação anterior, a administração pronuncia-se pelo indeferimento e o prazo é agora mais reduzido: três meses. Um prazo mais curto encontra justificação na certeza quanto à tomada de decisão, o particular tem conhecimento da atuação da administração no sentido do indeferimento.

Problema
Pergunta-se agora: Prevendo o artigo 67º três fundamentos de condenação à prática do ato devido e pronunciando-se o artigo 69º apenas quanto a dois, estamos aqui perante uma lacuna? Qual será a o entendimento a adotar? Trata-se de uma questão que suscita algumas dúvidas na doutrina, pois para alguma doutrina, nomeadamente Vieira de Andrade, defende que deve aplicar-se analogicamente o prazo de um ano. Pelo contrário, Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira e parte da Jurisprudência defendem a aplicação do prazo de três meses. Em cima da mesa debatemo-nos com alguns argumentos. Por um lado, é compreensível a analogia ao 9º/1 (prazo de um ano), pois o caso em questão nada nos diz acerca do mérito da pretensão. A administração recusa-se a aprecia-la e indefere-a por razões alheias a esse mérito, está aqui em causa uma ausência de pronuncia ou por razões formais, ou por se tratar de uma situação de discricionariedade quanto à oportunidade do dever de agir ou do dever de proceder, podendo assim recusar a apreciação do mérito. Ora, tal como na omissão, não há uma pronúncia de mérito. Mais, tratando-se de uma situação não prevista na lei, deve funcionar a lógica in dúbio pro particular, concedendo-se um prazo mais lato. Assim, na dúvida, prevalecerá o prazo mais longo. Pelo contrário, a solução que me parece mais aceitável, por razões coerência das soluções legislativas, é aquela que a este caso manda aplicar o prazo de três meses. Vejamos então, a rácio do artigo 9º1 deve-se à existência de “um nada”, de uma omissão, que deixa o autor numa situação desagradável de total ausência de pronúncia. Não chega a haver nenhum ato. Pelo contrário, nos casos da pretensão ser recusada, deixa de estar em causa “um nada”, para passar a estar uma pronúncia de recusa expressa. Não é aqui de esperar que a administração se pronuncie (pois já o fez). A mesma segurança não é manifesta nos casos de omissão, que são deste prima, situação totalmente diferentes no que toca à necessidade de proteção das expectativas. Um outro argumento preponderante é a necessidade de segurança e estabilidade na definição do quadro das relações jurídico administrativo. Esta estabilidade exige que os atos administrativos apenas possam ser questionados durante um período de tempo limitado (Acórdão TAF Viseu, 01/18/2007). Finalmente, poderíamos aqui questionar se seria invocável o princípio do aceso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva (artigo 20º, 268º CRP), o princípio do “favor processo” e a possibilidade de abertura da via judicial a qualquer circunstâncias e a qualquer custo (Acórdão TAF Porto, 02/25/2011). Nos casos de dúvida na interpretação de normas processuais, nomeadamente, normas sobre prazos (artigo 7º), faria todo o sentido atender ao princípio pro actione e favorecer objetivamente o processo, permitindo a apreciação de mérito quando o particular recorra à via judicial, mesmo após três meses e antes de terminar o prazo de um ano. No entanto, vingam aqui valores e interesses aos quais o princípio pro actione deve conformidade, nomeadamente: a segurança jurídica e a justiça. Assim, face ao exposto, parece-me o mais correto defender a aplicação de um prazo de três meses, ou seja, o artigo 9º/2, pois na linha do que referi supra, aqui há uma atuação expressa da administração, que deixa o particular satisfeito (com resposta, ainda que não de mérito). Ainda assim, esta não é a solução a adotar para todos os casos, pois dependeram de uma análise final pelo princípio do favor do processo, que face às circunstâncias concretas permitirá ou não uma interpretação no sentido da validade ou da eficácia dos atos processuais praticados pelo Tribunal.


Bibliografia:
Almeida, Mário Aroso de Almeida, “Manual de Processo Administrativo”, Almedina 2012
Oliveira, Mário Esteves e Oliveira, Rodrigo Esteves, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, volume I, Almedina, 2006
Silva, Vasco Pereira da, Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2ºEdição, Almedina
Jurisprudência: Acórdão TAF Porto, 02/25/2011, Acórdão  TAF Viseu, 01/18/2007

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