A tempestividade na ação de condenação à prática de
ato devido com fundamento na recusa de apreciação de requerimento.
Considerações
Iniciais
Começando
por enquadrar a questão, no âmbito da ação especial de condenação à prática de
ato devido (artigo 66º e ss CPTA) cumpre referir, enquanto pressuposto
processual a necessidade de se verificar um dos seguintes fundamentos: omissão,
de resposta, pela administração, após a entrega do requerimento para a prática
de certo ato (alínea a) do artigo 67º); a recusa da administração à prática de
ato devido (alínea b) do artigo 67º) e, finalmente, a recusa de apreciação do
requerimento (alínea c) do artigo 67º.
Vingando
para a ação especial de impugnação de atos administrativos (46º, nºs 1 e 2,
alínea b) e artigo 50º e ss) a solução do artigo 69º, estará aqui em causa a
existência de uma lacuna por esta norma nada dizer quanto à situação de recusa
de apreciação de requerimento?
Cumpre
então iniciar esta questão começando por distinguir os dois regimes resultantes
do CPTA. Para o caso da ação se fundar em omissão da decisão devida
(expressamente previsto no artigo 69º/1) isto é, nos casos em que a Administração se
limita a rejeitar liminarmente o requerimento, neste caso, o requerente
pode pedir, com base no requerimento e no prazo de um ano (do qual não obteve
resposta) que a administração seja sancionada pela omissão. Este prazo de um
ano tem contudo uma limitação, pois no caso de surgir recusa ou indeferimento,
o prazo passará a contar desde a notificação desse ato e é reduzido para três
meses (posição dúbia como veremos), independentemente de já terem passado tanto
um mês, como dois, ou mesmo onze. Quanto à contagem deste prazo, este começa a
contar-se após o prazo para a emissão da decisão requerida e, face à circunstância
da administração não se ter pronunciado, nada obsta a que, passado o prazo de
um ano, seja apresentado novo requerimento com o mesmo conteúdo e que, caso a
administração não se pronuncie novamente, corra de novo o prazo de um ano para
propor ação. Esta situação resulta do facto do disposto no artigo 9º/2 não se
aplicar uma vez que, nesta circunstância, a administração nunca se pronunciou
sobre o primeiro requerimento.
Resulta
também do artigo 69º/2 o prazo para a instauração de ações de condenação com
fundamente na pretensão do autor ter sido diferida. Aqui, ao contrário
da situação anterior, a administração pronuncia-se pelo indeferimento e o prazo
é agora mais reduzido: três meses. Um prazo mais curto encontra justificação na
certeza quanto à tomada de decisão, o particular tem conhecimento da atuação da
administração no sentido do indeferimento.
Problema
Pergunta-se
agora: Prevendo o artigo 67º três fundamentos de condenação à prática do ato
devido e pronunciando-se o artigo 69º apenas quanto a dois, estamos aqui
perante uma lacuna? Qual será a o entendimento a adotar? Trata-se de uma
questão que suscita algumas dúvidas na doutrina, pois para alguma doutrina,
nomeadamente Vieira de Andrade, defende que deve aplicar-se analogicamente o
prazo de um ano. Pelo contrário, Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira e parte da
Jurisprudência defendem a aplicação do prazo de três meses. Em cima da mesa
debatemo-nos com alguns argumentos. Por um lado, é compreensível a analogia
ao 9º/1 (prazo de um ano), pois o caso em questão nada nos diz acerca do
mérito da pretensão. A administração recusa-se a aprecia-la e indefere-a por
razões alheias a esse mérito, está aqui em causa uma ausência de pronuncia ou
por razões formais, ou por se tratar de uma situação de discricionariedade
quanto à oportunidade do dever de agir ou do dever de proceder, podendo assim
recusar a apreciação do mérito. Ora, tal como na omissão, não há uma pronúncia
de mérito. Mais, tratando-se de uma situação não prevista na lei, deve
funcionar a lógica in dúbio pro
particular, concedendo-se um prazo mais lato. Assim, na dúvida, prevalecerá o
prazo mais longo. Pelo contrário, a solução que me parece mais aceitável, por
razões coerência das soluções legislativas, é aquela que a este caso manda aplicar
o prazo de três meses. Vejamos então, a rácio do artigo 9º1 deve-se à
existência de “um nada”, de uma omissão, que deixa o autor numa situação
desagradável de total ausência de pronúncia. Não chega a haver nenhum ato. Pelo
contrário, nos casos da pretensão ser recusada, deixa de estar em causa “um
nada”, para passar a estar uma pronúncia de recusa expressa. Não é aqui de
esperar que a administração se pronuncie (pois já o fez). A mesma segurança não
é manifesta nos casos de omissão, que são deste prima, situação totalmente
diferentes no que toca à necessidade de proteção das expectativas. Um outro
argumento preponderante é a necessidade de segurança e estabilidade na
definição do quadro das relações jurídico administrativo. Esta estabilidade exige
que os atos administrativos apenas possam ser questionados durante um período
de tempo limitado (Acórdão TAF Viseu, 01/18/2007). Finalmente, poderíamos aqui
questionar se seria invocável o princípio do aceso ao direito e da tutela
jurisdicional efetiva (artigo 20º, 268º CRP), o princípio do “favor processo” e
a possibilidade de abertura da via judicial a qualquer circunstâncias e a
qualquer custo (Acórdão TAF Porto, 02/25/2011). Nos casos de dúvida na
interpretação de normas processuais, nomeadamente, normas sobre prazos (artigo
7º), faria todo o sentido atender ao princípio pro actione e favorecer objetivamente o processo, permitindo a
apreciação de mérito quando o particular recorra à via judicial, mesmo após
três meses e antes de terminar o prazo de um ano. No entanto, vingam aqui
valores e interesses aos quais o princípio pro
actione deve conformidade, nomeadamente: a
segurança jurídica e a justiça. Assim, face ao exposto, parece-me
o mais correto defender a aplicação de um prazo de três meses, ou seja, o
artigo 9º/2, pois na linha do que referi supra,
aqui há uma atuação expressa da administração, que deixa o particular
satisfeito (com resposta, ainda que não de mérito). Ainda assim, esta não é a
solução a adotar para todos os casos, pois dependeram de uma análise final pelo
princípio do favor do processo, que
face às circunstâncias concretas permitirá ou não uma interpretação no sentido
da validade ou da eficácia dos atos processuais praticados pelo Tribunal.
Bibliografia:
Almeida, Mário Aroso de Almeida, “Manual de Processo
Administrativo”, Almedina 2012
Oliveira, Mário Esteves e Oliveira, Rodrigo Esteves, Código
de Processo nos Tribunais Administrativos, volume I, Almedina, 2006
Silva, Vasco
Pereira da, Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2ºEdição,
Almedina
Jurisprudência: Acórdão TAF Porto, 02/25/2011, Acórdão
TAF
Viseu, 01/18/2007
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