terça-feira, 13 de novembro de 2012

Qual o tribunal territorialmente competente?


APÊNDICE SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Decisão proferida pela 1ª Secção (Contencioso Administrativo)
Decisões em Pleno durante o 2º trimestre de 2011


Acórdão de 14 de Abril de 2011

Assunto: Competência territorial. Coligação de autores.

Aqui é colocada a questão de saber qual o tribunal competente em razão do território para decidir do pedido de nulidade de atos administrativos e o correspondente pedido cautelar de suspensão de eficácia, na medida em que as duas autoras têm sedes em locais diferentes: uma – Astrazeneca Pharmaceuticals – no estrangeiro – em Wilmington, Delaware – e outra – Astrazeneca Produtos Farmacêuticos Lda. – em Portugal – em Queluz de Baixo, Sintra. [1]

Por outro lado, também se está perante uma cumulação de pedidos. O CPTA introduziu no processo administrativo o princípio da livre cumulabilidade de pedidos, que se encontra consagrado no art. 4º. “Em princípio, a cumulação de pedidos é uma faculdade que assiste ao interessado e que ele é, portanto, livre de optar por exercer ou não.” [2] Estão aqui em causa dois meios processuais: um principal – de caráter não urgente, referente à administração administrativa especial de impugnação de atos administrativos – e um acessório, relativamente à tutela cautelar invocada. Este último funciona necessariamente em conjugação com o meio processual principal, garantindo, assim, a utilidade da sentença.

Questão relevante, penso que, também é aferir a legitimidade das autoras. A legitimidade ativa nas ações de impugnação de atos administrativos decorre do critério do art. 55º/1, a) CPTA: “tem legitimidade para impugnar (…) quem alegue ser titular de um interesse direto e pessoal”. “O caráter direto do interesse tem que ver com a questão de saber se existe um interesse atual e efetivo em pedir a anulação ou a declaração de nulidade do ato que é impugnado”.[3]

Na minha perspetiva, as conclusões mais relevantes que se podem retirar, e que se baseiam nas alegações das requerentes, para comentar estão questão, são as referidas nos pontos 1, 9, 10, 11, 12 e 13. Genericamente, os pontos mencionados determinam o cerne da matéria:

·         Não se dá importância ou, de outro modo, apenas se dá exclusividade ao fato de a requerente Astrazeneca – Produtos Farmacêuticos Lda. ter sede em Portugal, aplicando-se, sem mais nem menos, o art. 16º CPTA;

·         De acordo com o critério referido artigo, o tribunal territorialmente competente é o da sede do autor. É o critério-regra que aqui não tem aplicação (?), uma vez que uma das requerentes tem sede nos Estados Unidos da América;

·         Não existem normas específicas de competência territorial para os casos em que a sede do autor não se situe em Portugal: aplica-se a regra supletiva do art. 22º CPTA;

·         Por último, mas não menos importante, a clara desconsideração pela existência de dois pedidos autónomos (um principal e outro acessório), não suscitando a aplicação do art. 20º/6 CPTA.

O INFARMED, um dos recorridos, alegou que o tribunal a quo esteve bem ao considerar a aplicação do art. 16º CPTA.

O sentido do problema é este: o critério do art. 16º aplica-se para aferir a competência territorial dos tribunais portugueses, quando o autor tenha residência ou sede em Portugal. Concretamente, uma das autoras tinha sede no estrangeiro; não se pode, assim, determinar o tribunal competente pelo critério-regra, quando o elemento de conexão do mesmo se refere exclusivamente à residência ou sede em Portugal. 

Conclui-se que o art. 16º não resolve este problema:

·        Cai-se na previsão subsidiária do art. 22º CPTA: “(…) é competente o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.” Há que ter em conta que os arts. 17º, 18º e 19º não são aqui relevantes, dado que “consagram, entretanto, critérios próprios para as ações respeitantes a bens imóveis, responsabilidade civil extracontratual e contratos”.[4]

E o fato de haver uma autora com sede no estrangeiro não é relevante? É, mas não retira a atribuição de competência territorial pela conjugação dos dois artigos em questão. Há mais que um tribunal territorialmente competente. “A melhor solução é a de permitir aos autores a escolha do foro dentro daqueles são territorialmente competentes”. Esta opção é preferível porque não há maioria de autores.

“As autoras poderiam escolher o foro de Sintra, por residir na respetiva área de uma das autoras; ou o de Lisboa, por residir no estrangeiro, a outra autora. Tendo escolhido o de Lisboa, é o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa o territorialmente competente.”

Pode-se concluir que se está perante um contorno à decisão inicial dado que desta forma as autoras têm a possibilidade de escolha do tribunal, de entre os que são territorialmente competentes. O fundo da questão passa pela conjugação do critério-regra do art. 16º com o art. 21º/2: não se vai preterir a aplicação daquele, ponto claramente invocado pelas autoras, mas vai-se agilizar a hipótese daquelas determinarem o foro competente mediante escolha das mesmas, dado que está aqui em causa uma questão de cumulação de pedidos “para cuja apreciação sejam territorialmente competentes tribunais diversos”. Quais? O da sede do autor e o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.

Rejeita-se a consideração de que o art. 16º não é aqui aplicável. Apenas não o será se as autoras escolherem o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, como se verifica no caso.




[1] “O critério-regra consta do art. 16º, e é o do local da residência habitual ou da sede do autor ou da maioria dos autores.” Crf. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Direito Administrativo, p. 200.
[2] Crf. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Direito Administrativo, p. 69.
[3] Crf. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Direito Administrativo, p. 235.
[4] Crf. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, “Manual de Direito Administrativo”, p. 201.


Bibliografia
ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Ed. Almedina, 2010



Mª Inês Nunes



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