sábado, 17 de novembro de 2012

“Pro Actione”


Mérito ou Formalismo?
Para a efetivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas. Artigo 7º CPTA
Enquanto corolário do princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, o princípio do favorecimento do processo (ou principio anti-formalista, Acordão CT – 2º Juízo 01/27/2009), visa a interpretação das normas processuais de forma a permitir uma apreciação de mérito da causa quando tal não seria possível devido à visão formalista do processo administrativo. Assim, é assegurada a apreciação e julgamento do litigio e, consequentemente, a obtenção de uma sentença com valor de caso julgado nos casos em que uma interpretação formalista não se funde num interesse digno de proteção. Como nos diz Vieira de Andrade, a utilidade deste princípio repousa essencialmente na sua contribuição para a redução das situações de “denegação da justiça”.
Apenas nos casos de “in dúbio” estará em causa a aplicação deste princípio, pois como resulta do artigo 7º CPTA , a interpretação ou integração das normas processuais no sentido mais favorável à obtenção de uma decisão de mérito apenas poderá ser feita nesta condição: a de a norma suscitar dúvidas quanto à sua interpretação. Só nestes casos.
Neste sentido, o acórdão TAF do Porto, 11/04/2011, afirma: (...) “Não relevando aqui o invocado princípio pro actione, pois que, como se refere no já citado Acórdão do STA de 26.08.2009, “o chamado princípio «pro actione», vertido no art. 7° do CPTA, só opera em caso de dúvida sobre o sentido das normas a interpretar”, sendo que aqui não existe qualquer dúvida sobre o sentido das normas a interpretar, até pela forma uniforme como as mesmas sempre têm sido aplicadas pela jurisprudência, pelo que o julgador se deve cingir à aplicação da lei. E ainda, como bem defendem Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, no CPTA anotado, pág. 147, este princípio traduz-se num favorecimento do processo, não no favorecimento do pedido, valendo objetivamente, para o processo, não subjetivamente, para o Autor”.
Assim, verificamos: 1) A sua ponderação apenas nos casos de dúvidas sobre a interpretação de uma norma, e não quando determina solução processual resulte expressamente da lei. 2) Trata-se de um princípio de favorecimento do processo e não de favorecimento do pedido. Assim, por exemplo, em caso de duvidas, deve o tribunal decidir a favor da validade do ato processual praticado (admitindo assim a continuidade do processo e não a absolvição de instância). 3) Finalmente, não visa favorecer subjetivamente o autor.
O artigo 7º consagra um princípio que não é de todo desconhecido no direito processual administrativo. Contemplando as várias disposições do CPTA encontramos preceitos que de certa forma que recomendam uma interpretação mais favorável em vista do acesso ao Direito e uma tutela efetiva das posições subjetivas dos particulares. Quanto ao suprimento de deficiências e correção de irregularidades, temos os artigos 4º/3 e 4, o artigo 12º/3 e 4, o artigo 14º, o artigo 88º, o artigo 89º/2 e 3, o artigo 116º/2 alínea a) e o artigo 146º/4. Preceitos que admitem recurso jurisdicional contra decisões formais artigo 142º/3 alínea d), normas que permitem a impugnação fora do prazo normal (artigo 58º/4).
Concluindo, estamos perante um princípio que alarga a via judicial e que está ao serviço da tutela jurisdicional como meio da sua melhor realização e não como obstáculo. Visa no essencial, que os Tribunais se pronunciem sobre o mérito das questões ao invés de proferirem decisões que põem termo aos processos por razões de natureza formal ou meramente lateral sem entrar no conhecimento da questão de fundo. Não está aqui em causa um princípio de âmbito reduzido, pelo contrário, aplica-se a todos os domínios processuais o que no entanto não obsta a que os tribunais façam “tábua rasa das normas jurídicas” onde se consagram pressupostos processuais (Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira). Não vinga aqui uma total informalidade, devem sim ser considerados valores e interesses relevantes, nomeadamente a segurança, justiça, ordem pública e eficiência e conformidade com outros princípios que mereçam maior dignidade processual.

Andrade, José Carlos Vieira, “A Justiça Administrativa (Lições), 12º Edição, Almedina, 2012
Almeida, Mário Aroso de Almeida, “Manual de Processo Administrativo”,  Almedina 2012
Oliveira, Mário Esteves e Oliveira, Rodrigo Esteves, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, volume I, Almedina, 2006
Jurisprudência: Acórdão CT – 2º Juízo 01/27/2009, Acórdão do STA de 26.08.2009, acórdão TAF do Porto, 11/04/2011

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