Um erro de
interpretação e aplicação ao caso concreto, artigo 53ª CPTA
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso
Administrativo, do Tribunal Central Administrativo Norte:
1 – RELATÓRIO:
F, identificado nos autos, interpôs recurso
jurisdicional da decisão do TAF de Mirandela proferida em 17/02/2010, que no
âmbito da presente AAE julgou procedente a excepção de inimpugnabilidade do acto impugnado, por
confirmatividade, e nesta procedência absolveu da instância o recorrido
MUNICÍPIO DE CHAVES.
TCAN, 1º Secção
– Contencioso Administrativo, 20/04/2012, nº processo: 00212/09.1BEMDL
Análise:
No presente acórdão[i],
o recorrente interpõe recurso por considerar impugnável o acto praticado pelo Presidente
Câmara Municipal de Chaves, em 23-03-2009, de indeferimento do pedido de
revogação, feito pela autora, de acto de transição para a modalidade de
contrato de trabalho por tempo indeterminado (ao abrigo do artigo 109° da Lei
nº 12-A12008, de 27 de Fevereiro).
Estamos aqui perante dois actos: um de
transição que foi notificado ao autor em 03-03-3009, do qual a autora solicitou
através de requerimento, que deu entrada nos serviços administrativos, em 03-03-2009,
a revogação (do acto de
transição). O segundo, o acto (despacho) de indeferimento notificado ao autor
em 27-03-2009.
Da decisão recorrida consta que esta
se pronunciou pela procedência da exceção da impugnabilidade do acto, por entender que o acto eleito pelo recorrente como objeto
daquela ação administrativa era meramente confirmativo do acto
de transição constante da lista de transições e manutenções, que foi regular e
pessoalmente notificado ao recorrente em 03/03/2009.
Interpretação do artigo53º CPTA:
Literalidade ou
alternatividade das alíneas do artigo 53ª
É unânime na posição jurisprudencial
e doutrinal que considera que, para que um acto administrativo possa ser considerado confirmativo de outro, é necessário que reúna vários pressupostos:
a mesma situação fáctica e o mesmo regime jurídico aplicável, mas também utilização
em ambos da mesma fundamentação. (Acórdão do STA de 21/05/2008 (rec 770/06)) e
a jurisprudência nele indicada. Nos casos de alteração de circunstâncias mesmo
que o pedido seja igual ao anterior se a administração decidir, o acto não é
confirmativa e admite a impugnação contenciosa (Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco de Amorim)
Na doutrina, encontramos as seguintes
definições de acto confirmativo. Segundo Mário Esteves de Oliveira “Para que o acto confirmativo
se considere contenciosamente inimpugnável necessário (...). Em
primeiro lugar é necessário que o acto
confirmado e o acto confirmativo hajam sido praticados ao
abrigo da mesma disciplina jurídica: se, entre a prática de um e de outro, se
verifica uma alteração legal ou regulamentar dessa disciplina, o acto posterior não se considera confirmativo e é suscetível de
impugnação contenciosa. O mesmo se diga para a modificação das condições
fácticas que rodeiam a prática do acto.
Em segundo lugar, o acto confirmativo só não pode ser impugnado se o particular já tivesse
conhecimento (por qualquer dos modos referidos no art.º 52º do RSTA) do acto confirmado antes da interpretação
do recurso contra o acto confirmativo. O terceiro requisito para que o acto confirmativo se diga impugnável é a total correspondência entre os
seus diversos elementos – efeitos jurídicos, interessados, fundamentos de facto
e de direito (art. 140 nº 2 do Projeto do CPAG) – e os do acto confirmado; se assim não
acontecer, o acto só será de
considerar como parcialmente confirmativo
e então torna-se suscetível de impugnação contenciosa, podendo arguir-se contra
ele todas as ilegalidades concretas (não vícios em abstrato) que não pudessem
ser deduzidas contra o acto
parcialmente confirmado.” Também
Rogério Soares e Sérvulo Correia, segundo os quais um acto
confirmativo não é um acto administrativo pois limita-se a manter uma situação (lesiva)
anteriormente criada, não inova na esfera jurídica do destinatário que não vê
alterado o “status quo ante”. Para Marcello Caetano o acto confirmativo é aquele que se
limita a repetir um acto
administrativo anterior, sem nada acrescentar ou retirar ao seu conteúdo.
Finalmente, também a jurisprudência
e ecoa numa definição: um acto é confirmativo
de outro quando se verifique uma “identidade dos sujeitos, que os dois actos
tenham os mesmos pressupostos, a mesma fundamentação e o mesmo regime jurídico (Acórdão
do Supremo Tribunal Administrativo de 11-10-2006, tirado no Proc.
0614/06). “O Acto é confirmativo quando emana da entidade
que proferiu decisão anterior, apresenta objeto e conteúdo idênticos aos desta
e se dirige ao mesmo destinatário, limitando-se a repetir essa
decisão, perante pressupostos de facto e de direitos idênticos (Acórdão do Supremo
Tribunal Administrativo de 19-06-2007, processo n.º 0997/06).É ainda de
realçar as duas espécies de actos confirmativos tratadas pela doutrina,
nomeadamente, Freitas do Amaral, os
actos meramente confirmativos, isto é, aqueles que eram contenciosamente
impugnáveis e que proveem do mesmo autor ou do seu superior hierárquico, não
acrescentando nada de novo á situação anterior. Já a outra categoria, os actos
confirmativos, referentes àqueles que ainda não são susceptiveis de impugnação
contenciosa, o acto de confirmação atribuí força própria ao primeiro, sendo por
isso o único acto passível de impugnação.
É exatamente um acto meramente
confirmativo aquele que resulta do caso sub judice: o segundo acto não inova em nada em relação ao acto de transição que lhe foi pessoalmente
notificado em 03/03/2009.
Ainda
assim, tratando-se de acto confirmativo, o tribunal só rejeitará a ação de
impugnação de acto meramente confirmativo verificando-se um dos casos das
alíneas do artigo 53º: a)Tenha sido o primeiro acto impugnado pelo autor; OU b)
Tenha sido objecto de notificação ao autor; OU c) Tenha sido objecto de
publicação, sem que tivesse de ser notificado ao autor lei. No entanto, a
recorrente defende que como o primeiro acto
não foi impugnado , o acto confirmativo pode ser impugnado nos
termos da alínea a) do artigo 53º. Mostra-nos aqui a recorrente uma
interpretação das alíneas do artigo 53º de forma cumulativa. Mas será assim?
São várias as razões que apontam no sentido na alternatividade, isto é: basta
que uma das alíneas se preencha, para que a impugnação seja rejeitada com
fundamento no caracter meramente confirmativo (Mário Aroso de Almeida): O primeiro deles é que o preceito
em análise manteve o que dispunha o artigo 55º da Lei de Processo nos Tribunais
Administrativos[ii], sendo
esse preceito claro quanto à alternatividade. O segundo, é que a interpretação
não pode ser literal. Ainda que não se veja referencia à conjunção “ou”, a
interpretação deve atender ao elemento sistemático e teleológico das leis. Estando o regime da inimpugnabilidade dos
actos associado à necessidades de estabilidade e segurança jurídicas (os actos
anuláveis devem consolidar-se pelo decurso do prazo da impugnação.) um acto jurídico administrativo anulável só
se consolida na ordem Juridica se foi notificado ao interessado que não o
impugnou (alínea b) – ou, se foi publicado[iii] e
não foi impugnado (alínea c). Se o acto não foi notificado ou publicado quando
o deveria ser, então o acto não produz efeitos relativamente ao interessado (é
ineficaz). Assim, por esta razão pode impugnar o acto que o confirma. Mas se o
interessado impugnar o acto, apesar de não ter sido notificado, ou de não ter havido
a publicação obrigatória, reconhece o conhecimento oficial do mesmo,
consequentemente não pode invocar a ineficácia. Deste modo, quando na alínea a) se dispõe que uma impugnação só pode
ser rejeitada com fundamento no carácter meramente confirmativo do acto, quando
o acto anterior tenha sido impugnado pelo autor, tem como pressuposto que o
primeiro acto não foi notificado ao autor, ou não foi publicado. Neste sentido escrevem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha: “A
impugnabilidade do acto confirmativo depende de o acto confirmado se ter
tornado ou não oponível aos interessados. Se o acto confirmado tiver sido
notificado ao interessado e publicado, sendo de publicação obrigatória, produz
efeitos jurídicos externos, sendo esse o acto susceptível de impugnação nos
termos do art. 51º, nº 1. Do mesmo modo, se, apesar de não ter tido lugar a
notificação ou a publicação, o interessado intentou processo impugnatório
contra o acto confirmado, revelou, por essa forma, ter tido conhecimento
oficial do acto, não podendo invocar a sua ineficácia jurídica para efeito de
deduzir nova impugnação contra o acto conformativo.”. Finalmente, resulta
ainda do artigo 59º/3 c) a possibilidade de um interessado impugnar um acto
administrativo ainda não notificado ou não publicado
Concluímos, assim, pela conformidade
da decisão do douto acórdão, o qual defende a alternatividade das alíneas do
artigo 53º. O acto impugnado tem efeito
meramente confirmativo do anterior e, sendo este notificado de forma regular e
pessoal ao autor, o acto é inimpugnável. Esta afirmação decorre desde logo da
interpretação de acordo com a rácio, pois basta que o interessado tenha
conhecimento oficial do acto anterior, ao confirmativo, para que o acto se
torne ininpugnável. Releva ainda uma interpretação sistemática, de acordo com
as regras vigentes no CPTA, das quais se destaca o artigo 59º/3 e do qual
extraímos a conclusão de que um acto que não seja notificado ou publicado pode
ser impugnado. E, por isso, deve ser afastada a ideia de literalidade e afirmada
a ideia de alternatividade do elenco do artigo 53º.
Bibliografia
Almeida, Mário Aroso de Almeida,
“Manual de Processo Administrativo”, Almedina 2012
Oliveira, Mário Esteves e Oliveira,
Rodrigo Esteves, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, volume I,
Almedina, 2006
Silva,
Vasco Pereira da, Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2ºEdição,
Almedina
Jurisprudência:
TCAN, 1º Secção – Contencioso Administrativo, 20/04/2012, nº processo: 00212/09.1BEMDL, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11-10-2006, tirado no
Proc. 0614/06, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19-06-2007,
processo n.º 0997/06, Acórdão TCAN 5/04/2012 processo 00386/07.6BEMDL, Acórdão do STA de 21/05/2008
(rec 770/06
[i]http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:v04gD-oaNf0J:www.gde.mj.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/fd502f1485bfede0802579f0002e0328%3FOpenDocument+acord%C3%A3o+53%C2%BA+acto+confirmativo&cd=2&hl=pt-PT&ct=clnk&gl=pt
[ii] Artigo 55ª: O recurso só pode ser rejeitado com fundamento no carácter
meramente confirmativo do acto recorrido quando o acto anterior tiver sido
objeto de notificação ao recorrente, de publicação
imposta por lei ou de impugnação deduzida
por aquele.
[iii] Apenas nos casos em que é obrigatória
Sem comentários:
Enviar um comentário