quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Literalidade ou Alternatividade


Um erro de interpretação e aplicação ao caso concreto, artigo 53ª CPTA

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo, do Tribunal Central Administrativo Norte:
1 – RELATÓRIO:
F, identificado nos autos, interpôs recurso jurisdicional da decisão do TAF de Mirandela proferida em 17/02/2010, que no âmbito da presente AAE julgou procedente a excepção de inimpugnabilidade do acto impugnado, por confirmatividade, e nesta procedência absolveu da instância o recorrido MUNICÍPIO DE CHAVES.
TCAN, 1º Secção – Contencioso Administrativo, 20/04/2012, nº processo: 00212/09.1BEMDL

Análise:
No presente acórdão[i], o recorrente interpõe recurso por considerar impugnável o acto praticado pelo Presidente Câmara Municipal de Chaves, em 23-03-2009, de indeferimento do pedido de revogação, feito pela autora, de acto de transição para a modalidade de contrato de trabalho por tempo indeterminado (ao abrigo do artigo 109° da Lei nº 12-A12008, de 27 de Fevereiro).
Estamos aqui perante dois actos: um de transição que foi notificado ao autor em 03-03-3009, do qual a autora solicitou através de requerimento, que deu entrada nos serviços administrativos, em 03-03-2009, a revogação (do acto de transição). O segundo, o acto (despacho) de indeferimento notificado ao autor em 27-03-2009.
Da decisão recorrida consta que esta se pronunciou pela procedência da exceção da impugnabilidade do acto, por entender que o acto eleito pelo recorrente como objeto daquela ação administrativa era meramente confirmativo do acto de transição constante da lista de transições e manutenções, que foi regular e pessoalmente notificado ao recorrente em 03/03/2009.

Interpretação do artigo53º CPTA:
Literalidade ou alternatividade das alíneas do artigo 53ª
É unânime na posição jurisprudencial e doutrinal que considera que, para que um acto administrativo possa ser considerado confirmativo de outro, é necessário que reúna vários pressupostos: a mesma situação fáctica e o mesmo regime jurídico aplicável, mas também utilização em ambos da mesma fundamentação. (Acórdão do STA de 21/05/2008 (rec 770/06)) e a jurisprudência nele indicada. Nos casos de alteração de circunstâncias mesmo que o pedido seja igual ao anterior se a administração decidir, o acto não é confirmativa e admite a impugnação contenciosa (Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco de Amorim)
Na doutrina, encontramos as seguintes definições de acto confirmativo. Segundo Mário Esteves de OliveiraPara que o acto confirmativo se considere contenciosamente inimpugnável necessário (...). Em primeiro lugar é necessário que o acto confirmado e o acto confirmativo hajam sido praticados ao abrigo da mesma disciplina jurídica: se, entre a prática de um e de outro, se verifica uma alteração legal ou regulamentar dessa disciplina, o acto posterior não se considera confirmativo e é suscetível de impugnação contenciosa. O mesmo se diga para a modificação das condições fácticas que rodeiam a prática do acto. Em segundo lugar, o acto confirmativo só não pode ser impugnado se o particular já tivesse conhecimento (por qualquer dos modos referidos no art.º 52º do RSTA) do acto confirmado antes da interpretação do recurso contra o acto confirmativo. O terceiro requisito para que o acto confirmativo se diga impugnável é a total correspondência entre os seus diversos elementos – efeitos jurídicos, interessados, fundamentos de facto e de direito (art. 140 nº 2 do Projeto do CPAG) – e os do acto confirmado; se assim não acontecer, o acto só será de considerar como parcialmente confirmativo e então torna-se suscetível de impugnação contenciosa, podendo arguir-se contra ele todas as ilegalidades concretas (não vícios em abstrato) que não pudessem ser deduzidas contra o acto parcialmente confirmado.” Também Rogério Soares e Sérvulo Correia, segundo os quais um acto confirmativo não é um acto administrativo pois limita-se a manter uma situação (lesiva) anteriormente criada, não inova na esfera jurídica do destinatário que não vê alterado o “status quo ante”. Para Marcello Caetano o acto confirmativo é aquele que se limita a repetir um acto administrativo anterior, sem nada acrescentar ou retirar ao seu conteúdo. Finalmente, também a jurisprudência e ecoa numa definição: um acto é confirmativo de outro quando se verifique uma “identidade dos sujeitos, que os dois actos tenham os mesmos pressupostos, a mesma fundamentação e o mesmo regime jurídico (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11-10-2006, tirado no Proc. 0614/06). “O Acto é confirmativo quando emana da entidade que proferiu decisão anterior, apresenta objeto e conteúdo idênticos aos desta e se dirige ao mesmo destinatário, limitando-se a repetir essa decisão, perante pressupostos de facto e de direitos idênticos (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19-06-2007, processo n.º 0997/06).É ainda de realçar as duas espécies de actos confirmativos tratadas pela doutrina, nomeadamente, Freitas do Amaral, os actos meramente confirmativos, isto é, aqueles que eram contenciosamente impugnáveis e que proveem do mesmo autor ou do seu superior hierárquico, não acrescentando nada de novo á situação anterior. Já a outra categoria, os actos confirmativos, referentes àqueles que ainda não são susceptiveis de impugnação contenciosa, o acto de confirmação atribuí força própria ao primeiro, sendo por isso o único acto passível de impugnação.
É exatamente um acto meramente confirmativo aquele que resulta do caso sub judice: o segundo acto não inova em nada em relação ao acto de transição que lhe foi pessoalmente notificado em 03/03/2009.
Ainda assim, tratando-se de acto confirmativo, o tribunal só rejeitará a ação de impugnação de acto meramente confirmativo verificando-se um dos casos das alíneas do artigo 53º: a)Tenha sido o primeiro acto impugnado pelo autor; OU b) Tenha sido objecto de notificação ao autor; OU c) Tenha sido objecto de publicação, sem que tivesse de ser notificado ao autor lei. No entanto, a recorrente defende que como o primeiro acto não foi impugnado , o acto confirmativo pode ser impugnado nos termos da alínea a) do artigo 53º. Mostra-nos aqui a recorrente uma interpretação das alíneas do artigo 53º de forma cumulativa. Mas será assim? São várias as razões que apontam no sentido na alternatividade, isto é: basta que uma das alíneas se preencha, para que a impugnação seja rejeitada com fundamento no caracter meramente confirmativo (Mário Aroso de Almeida): O primeiro deles é que o preceito em análise manteve o que dispunha o artigo 55º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos[ii], sendo esse preceito claro quanto à alternatividade. O segundo, é que a interpretação não pode ser literal. Ainda que não se veja referencia à conjunção “ou”, a interpretação deve atender ao elemento sistemático e teleológico das leis. Estando o regime da inimpugnabilidade dos actos associado à necessidades de estabilidade e segurança jurídicas (os actos anuláveis devem consolidar-se pelo decurso do prazo da impugnação.) um acto jurídico administrativo anulável só se consolida na ordem Juridica se foi notificado ao interessado que não o impugnou (alínea b) – ou, se foi publicado[iii] e não foi impugnado (alínea c). Se o acto não foi notificado ou publicado quando o deveria ser, então o acto não produz efeitos relativamente ao interessado (é ineficaz). Assim, por esta razão pode impugnar o acto que o confirma. Mas se o interessado impugnar o acto, apesar de não ter sido notificado, ou de não ter havido a publicação obrigatória, reconhece o conhecimento oficial do mesmo, consequentemente não pode invocar a ineficácia. Deste modo, quando na alínea a) se dispõe que uma impugnação só pode ser rejeitada com fundamento no carácter meramente confirmativo do acto, quando o acto anterior tenha sido impugnado pelo autor, tem como pressuposto que o primeiro acto não foi notificado ao autor, ou não foi publicado. Neste sentido escrevem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha: “A impugnabilidade do acto confirmativo depende de o acto confirmado se ter tornado ou não oponível aos interessados. Se o acto confirmado tiver sido notificado ao interessado e publicado, sendo de publicação obrigatória, produz efeitos jurídicos externos, sendo esse o acto susceptível de impugnação nos termos do art. 51º, nº 1. Do mesmo modo, se, apesar de não ter tido lugar a notificação ou a publicação, o interessado intentou processo impugnatório contra o acto confirmado, revelou, por essa forma, ter tido conhecimento oficial do acto, não podendo invocar a sua ineficácia jurídica para efeito de deduzir nova impugnação contra o acto conformativo.”. Finalmente, resulta ainda do artigo 59º/3 c) a possibilidade de um interessado impugnar um acto administrativo ainda não notificado ou não publicado
Concluímos, assim, pela conformidade da decisão do douto acórdão, o qual defende a alternatividade das alíneas do artigo 53º. O acto impugnado tem efeito meramente confirmativo do anterior e, sendo este notificado de forma regular e pessoal ao autor, o acto é inimpugnável. Esta afirmação decorre desde logo da interpretação de acordo com a rácio, pois basta que o interessado tenha conhecimento oficial do acto anterior, ao confirmativo, para que o acto se torne ininpugnável. Releva ainda uma interpretação sistemática, de acordo com as regras vigentes no CPTA, das quais se destaca o artigo 59º/3 e do qual extraímos a conclusão de que um acto que não seja notificado ou publicado pode ser impugnado. E, por isso, deve ser afastada a ideia de literalidade e afirmada a ideia de alternatividade do elenco do artigo 53º.


Bibliografia
Almeida, Mário Aroso de Almeida, “Manual de Processo Administrativo”, Almedina 2012
Oliveira, Mário Esteves e Oliveira, Rodrigo Esteves, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, volume I, Almedina, 2006
Silva, Vasco Pereira da, Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2ºEdição, Almedina
Jurisprudência: TCAN, 1º Secção – Contencioso Administrativo, 20/04/2012, nº processo: 00212/09.1BEMDL, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11-10-2006, tirado no Proc. 0614/06, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19-06-2007, processo n.º 0997/06, Acórdão TCAN 5/04/2012 processo 00386/07.6BEMDL, Acórdão do STA de 21/05/2008 (rec 770/06




[i]http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:v04gD-oaNf0J:www.gde.mj.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/fd502f1485bfede0802579f0002e0328%3FOpenDocument+acord%C3%A3o+53%C2%BA+acto+confirmativo&cd=2&hl=pt-PT&ct=clnk&gl=pt
[ii] Artigo 55ª: O recurso só pode ser rejeitado com fundamento no carácter meramente confirmativo do acto recorrido quando o acto anterior tiver sido objeto de notificação ao recorrente, de publicação
imposta por lei ou de impugnação deduzida por aquele.
[iii] Apenas nos casos em que é obrigatória

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