Na
sequência do que foi discutido numa aula prática passada, parece-me
interessante e relevante continuar aqui a discussão ali iniciada. Discutia-se o
critério do art. 9.º/1 CPTA, em particular a questão de saber como aferir se um
terceiro é parte na relação material, permitindo-se assim um alargamento da
legitimidade activa.
A
letra da lei apenas nos diz que a legitimidade activa, enquanto pressuposto
processual, se afere mediante a titularidade da situação material que subjaz
àquele litígio. O problema reside na densificação da expressão “alegue ser
parte na relação material”. Desde já se percebe o potencial extensivo da
legitimidade que o preceito incorpora. De facto, se tivermos uma visão ampla do
que seja ser ”parte” na relação jurídica que subjaz à causa, então, terá
legitimidade qualquer pessoa que demonstre um qualquer nexo com a situação
material. Ao invés, quem defenda uma visão restrita do preceito acabará por, no
limite, negar tutela aos terceiros.
Ora,
na indagação de saber quem é parte na relação material haverá que proceder à
verificação dos pressupostos do que esteja em causa, i.e. análise do
direito substantivo.
Imagine-se
que um terceiro invoca o mesmo fundamento que o autor invoca. Deste modo, se o
autor alega um determinado direito como decorrência de certos factos, então, se
esses factos estiverem verificados face a terceiros, não se vê como negar a
legitimidade do terceiro ir a juízo. Pense-se no caso do autor, no âmbito do
contencioso da responsabilidade civil extracontratual, pedir uma indemnização
por entender que estão reunidos os pressupostos da responsabilidade civil,
então, se um terceiro entender que esse mesmo acto lhe gera um dano e que
também face a ele se encontram preenchidos os pressupostos, nesse caso, poderá
ir a juízo.
E
de outro modo não poderia ser. Por força do principio da tutela jurisdicional
efectiva (art. 20.º CRP e art. 268/4.º CRP e ainda art. 2.º CPTA) todo o
particular que tenha um direito pode fazer valer esse direito. Por isso se diz
que a cada direito corresponde uma acção. Assim sendo, como salienta FREITAS do
AMARAL e AROSO de ALMEIDA, este direito invocado encontra a sua tutela na jurisdição
administrativa, por via da tutela declarativa, cautelar ou executiva. Como tal,
não faria sentido afirmar no plano material um direito e depois negar a
possibilidade dessa pessoa ir a juízo fazendo valer esse direito. Como se
poderia dizer que A tem direito à indemnização e no entanto não pode fazer
valer esse direito? Tal constituiria uma clara violação do princípio da tutela
jurisdicional efectiva. Daqui se retira que sempre que alguém preencha os
pressupostos exigidos para que se afirme a existência de um direito, então,
essa pessoa tem legitimidade activa para fazer valer esse seu direito.
Significa
por isso que para aferir a legitimidade à luz do art. 9.º/1 haverá que
(re)visitar o direito material e aí descobrir se há algum direito ou interesse
de que essa pessoa seja titular. Ou seja, se tivermos de recorrer ao critério
geral do art. 9.º, só terá legitimidade quem for parte na relação material
controvertida. Aqui, perguntar-se-á se o terceiro em causa tem, à luz do
direito material, algum direito ou pretensão que possa fazer valer, i.e.
cumpre analisar se estão reunidos os pressupostos da responsabilidade civil,
por exemplo. Depois, haverá que retornar ao direito adjectivo para afirmar a
legitimidade activa de quem é parte na relação material controvertida.
Portanto,
o iter argumentativo que proponho - materializado na (re)visita ao direito
material - garante a coerência entre direito substantivo e direito adjectivo,
na medida em que não se permite que se afirme um direito e se negue a sua
tutela, como aliás sempre decorreria do principio da tutela jurisdicional
efectiva.
Escrito
por David Reis
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