Parte 2 - Recurso Contencioso e Impugnação de Acto Administrativo: breve comparação
Comparando o Código de Processo dos Tribunais Administrativos
Português (CPTA) e o Código de Processo Administrativo e Contencioso de Macau
(CPAC), verificamos logo no art. 1º de ambos os códigos que se aplica
subsidiariamente o disposto na lei de Processo Civil.
Ainda assim, os diplomas diferem quanto aos meios processuais administrativos. Como já sabemos, em Portugal, os
meios regulados no CPTA são:
- Acção administrativa comum (arts. 37º e ss)
- Acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo (arts. 51º e ss)
- Acção administrativa especial de condenação à prática do acto devido (arts. 66º e ss)
- Acção administrativa especial de impugnação de normas e declaração de ilegalidade por omissão (arts.72º e ss)
- Processos urgentes (arts.97º e ss)
- Processos cautelares (arts. 112º e ss)
- Processo Executivo (arts. 157º e ss)
Já o CPAC de Macau, prevê,
como meios processuais:
- Recurso contencioso (arts. 20º e ss)
- Impugnação de normas de regulamentos (arts. 88º e ss)
- Contencioso eleitoral (arts. 94º e ss)
- Acções, onde inclui, nomeadamente, a condenação à prática do acto devido (arts. 97º e ss)
- Outros processos urgentes
- Processo Executivo (arts. 174º e ss)
A experiência portuguesa indica, ainda que só pelo título, que o
equivalente macaense à nossa acção administrativa especial de impugnação de
actos administrativos é, claramente, o recurso contencioso. Como ficará exposto
infra, o recurso contencioso macaense, regulado no CPAC, foi claramente
influenciado, como de resto também uma gigantesca quantidade de diplomas
legais, pela nossa legislação, designadamente, pelo anterior recurso
contencioso de anulação, agora acção administrativa especial. Assim,
proponho-me a uma breve análise
comparativa das disposições relativas a estes dois meios processuais
regulados no CPAC de Macau e no CPTA Português (note-se que, doravante, quando
me referir aos termos “recorribilidade” ou “recorríveis” estarei também a
referir-me a “impugnação” ou “impugnáveis” no equivalente Português e
vice-versa).
O art. 21º CPAC enumera, taxativamente, os fundamentos para o recurso
contencioso de anulação. Nos termos do nosso art. 51º/1 CPTA “são impugnáveis os actos administrativos com
eficácia externa”. À sua
semelhança, o art. 28º/1 CPAC indica como contenciosamente recorríveis os actos
administrativos que produzam “efeitos externos”, impondo contudo
uma condição de não se encontrarem sujeitos a impugnação administrativa necessária. Como se pode depreender, a
impugnação administrativa necessária é a irmã gémea do recurso hierárquico
necessário, já falecido no nosso contencioso.
Os arts. 52º CPTA e 29º CPAC são equivalentes: “a recorribilidade dos actos administrativos não depende da sua forma”, nos termos do segundo preceito;
assim como os arts. 53º CPTA e 31º/1 CPAC quanto à impugnação de actos meramente confirmativos.
Sem equivalente no diploma Português, o art. 32º CPAC, sob a epígrafe
“Recorribilidade do Indeferimento Tácito” estabelece a cessação da impugnabilidade
do acto de indeferimento tácito quando “o
acto expresso seja publicado ou notificado ao interessado”.
No que concerne a legitimidade
activa, os artigos 33º CPAC e 55º CPTA diferem, embora não
substancialmente. Nos termos do primeiro preceito têm legitimidade activa:
“a) As pessoas singulares ou
colectivas que se considerem titulares de direitos subjectivos ou interesses
legalmente protegidos que tivessem sido lesados pelo acto recorrido ou que
aleguem interesse directo, pessoal e legítimo no provimento do recurso;
b) Os titulares do direito de
acção popular;
c) O Ministério Público;
d) As pessoas colectivas, ainda
em relação aos actos lesivos dos direitos ou interesses que a elas cumpra
defender;
e) Os municípios, também em
relação aos actos que afectem o âmbito da sua autonomia.”
O CPTA acrescenta, por assim
dizer, que têm legitimidade para impugnar um acto administrativo “órgãos administrativos, relativamente a
actos praticados por outros órgãos da mesma pessoa colectiva” (art. 55º/1
d)) e “presidentes de órgãos colegiais,
em relação a actos praticados pelo respectivo órgão, bem como outras
autoridades, em defesa da legalidade administrativa, nos casos previstos na lei”
(art. 55º/1 e)). Além do que, como se pode ver, as primeiras alíneas de casa
preceito, não são idênticas. Aparentemente, o art. 33º a) CPAC, na sua primeira
parte, parece abarcar um critério mais subjectivista comparativamente ao
equivalente português (art. 55º/1 a) CPTA), uma vez que exige que o potencial
autor alegue ser titular de um direito subjectivo ou interesse legalmente
protegido lesado pelo acto administrativo. Contudo, pela segunda parte do
preceito podemos entender que assim não o é, dado que será também atribuída
legitimidade quando alegado um interesse directo
e pessoal (e legítimo) na procedência do recurso
contencioso – critério objectivo -, à semelhança do nosso art. 55º/1 a) CPTA.
O art. 39º CPAC e o art. 56º CPTA estabelecem que “não pode impugnar um acto administrativo quem
o tenha aceitado, expressa ou
tacitamente, depois de praticado” (redacçã do segundo preceito); assim
como tanto o art. 39º CPAC como o art. 57º CPTA obrigam a que sejam demandados
também os contra-interessados a quem
a procedência do processo possa prejudicar.
Como se vê, ambos os diplomas parecem prescrever exactamente o mesmo
para estes meios processuais. Contudo, uma diferença substancial é encontrada
na redacção dos preceitos referentes à cumulação
de pedidos. A questão é que, enquanto o preceito macaense (art. 44º/2 CPAC)
delimita pela negativa as situações em que pode existir cumulação de pedidos (“Não é admissível condenação: a) quando seja
apresentada em termos de subsidiariedade ou de alternatividade; b) quando a
competência para o conhecimento das impugnações caiba a tribunais diferentes”),
os preceitos portugueses não o fazem. O art. 4º CPTA, no seu nº1 enuncia os
casos em que é sempre permitida a cumulação, e o seu nº2 enuncia,
exemplificativamente, alguns casos em que essa cumulação é possível. Por seu
turno, o art. 47º, no seu nº2 também indica, não taxativamente, cumulações
possíveis com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência
de acto administrativo. Ainda, o nº4 do mesmo artigo, mesmo proibindo a
subsidiariedade ou alternatividade de pedidos, enumera as situações em que se
podem cumular impugnações de actos administrativos. No fundo, o regime de
cumulação de pedidos em Portugal e em Macau é bastante similar, ainda que as
redações dos artigos sejam bastante diferentes. Parece-me contudo que o
legislador de Macau, ao delimitar pela negativa, poupou-se à listagem de
situações existente nos artigos portugueses.
Outra grande diferença, desta vez a nível da sistematização, diz
respeito aos preceitos referentes à “Marcha
do Processo”. No nosso CPTA a tramitação processual para a generalidade das
acções administrativas especiais encontra-se regulada no Capítulo III do Título
II, e ainda em algumas disposições nas secções respectivas. Pelo contrário, o
CPAC macaense regula a tramitação na Secção V do Capítulo II (referente ao
Recurso Contencioso) nos arts. 41º a 50º. Assim, a tramitação regra no
Contencioso Macaense é a do Recurso Contencioso, aplicando-se a alguns dos
outros meios processuais por remissão (por exemplo, o art. 92º/1 CPAC: “o processo de impugnação de normas segue os
termos do processo de recurso contencioso de actos administrativos”).
Assim se vê, numa visão muito “ao de leve”, que, diferenças literais
ou sistemáticas à parte, o contencioso administrativo macaense, no que concerne
ao recurso contencioso, foi claramente influenciado pelo nosso anterior recurso
contencioso de anulação, isto é, pela agora acção administrativa especial de
impugnação de actos administrativos.
Referências:
Código de Processo dos Tribunais Administrativos
Código de Processo Administrativo e Contencioso da
RAEM (disponível em http://bo.io.gov.mo/bo/i/99/50/codpacpt/codpac051.asp#c3a88)
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