[1]Portugal mergulhado numa crise
económica e financeira depara-se em Abril de 2011 com a inevitabilidade de
solicitar assistência financeira junto do Conselho Europeu em colaboração com o
Banco Central Europeu e ao Fundo Monetário Internacional[2].
Na sequência deste
pedido, os Ministros do Eurogrupo e do Conselho Ecofin decidiram iniciar a
preparação do programa de ajustamento económico e financeiro a Portugal -
através dos mecanismos europeus de estabilização financeira (criado pelo
Regulamento (UE) n.º 407/2010 do Conselho, de 11 de Maio de 2010[3]),
mais concretamente, o mecanismo europeu de estabilização financeira (european
financial stabilisation mechanism (EFSM): o apoio financeiro da União
Europeia), e a “facilidade” europeia de estabilização financeira (european
financial stability facility (EFSF): o apoio financeiro da zona euro)[4],
e dos mecanismos assistência financeira do Fundo Monetário Internacional –,
tendo-se seguido um longo processo de negociações para definir as condições
deste programa.
O
programa de ajuda financeira externa implicaria “a celebração de dois contratos de empréstimo e o compromisso de
adopção de um programa de ajustamento, consubstanciado em dois memorandos[5] de
entendimento, com a duração de três anos, e constituído por um conjunto de
medidas de política económica e financeira”[6].
Este documento que
foi o requisito para o programa de ajuda financeira externa, específica quer em
termos gerais quer detalhadamente, diversas medidas estruturais que incidem
sobre os mais diversos âmbitos da política nacional, como a saúde, o
funcionamento da justiça, a organização da administração pública, a legislação
laboral, entre outros.
2- COLOCAÇÃO DO PROBLEMA
Nesta exposição
pretende-se dar resposta à seguinte questão: após a assinatura do Memorando de
Entendimento da Troika[7] por
parte do Estado Português, um particular poderá exigir judicialmente que o Estado
Português – em especial o governo - adopte as medidas descritas no mesmo Memorando
de Entendimento; ou seja se o Estado português através do governo decidisse não
implementar uma ou mais medidas – em especial um acto administrativo -
constante no Memorando de Entendimento, poderia um particular (cidadão
português) exigir contenciosamente a adopção das medidas impostas no dito Memorando
de Entendimento?
Será
importante começar por realçar a questão da “vinculatividade”, ou seja, esta
poderá ser abordada, neste caso, em dois sentidos. Em primeiro lugar, podemos
questionar-nos acerca da natureza jurídica do Memorando de Entendimento: de que
tipo de instrumento jurídico se trata? Da natureza jurídica poderemos retirar,
nomeadamente, conclusões acerca da vinculação internacional do Estado português
a este Memorando de Entendimento. Em segundo lugar, importa ainda saber qual o
nível de imperatividade do conteúdo da regulamentação: será que as partes
pretendiam obrigar-se ao cumprimento daquelas medidas?
Note-se
que estas duas questões são distintas: o instrumento pode ter a capacidade de
obrigar as partes – por estas serem competentes para se vincular, etc. – mas o
conteúdo do acordo ser um mero gentleman’s
agreement, que produz apenas efeitos políticos e não vincula juridicamente
(pense-se, por exemplo, num tratado internacional correctamente ratificado em
que as partes se limitam a declarar intenções).
E
por último será necessário sabermos se um cidadão poderá demandar o Estado
Português para que este seja condenado à prática de um acto administrativo que
tenha sido ilegalmente omitido ou recusado. Procuraremos, em seguida, dar
resposta a estas três questões.
2.1. A natureza jurídica do
Memorando de Entendimento da Troika
Como nota prévia,
saliente-se o facto de o Governo ao decidir recorrer ao pedido de ajuda externa
ter sido um acto discricionário[8]
(neste caso de acção). No entanto, tendo-a solicitado, comprometeu-se a tomar
certas medidas, que foram reduzidas a escrito no referido Memorando de
Entendimento.
Deste modo, perceber
a natureza deste instrumento é essencial para compreender qual o grau de
vinculação do Estado português a essas medidas. É importante salientar que esta
questão ainda não foi tratada nem na doutrina nem na jurisprudência[9],
pelo que temos sérias dúvidas em relação à sua natureza jurídica.
Afiguram-se-nos as seguintes hipóteses:
i.
Ter
natureza de acto administrativo;
ii.
Ter
natureza de acto jurídico da União Europeia;
iii.
Ter
natureza de convenção internacional;
iv.
Ter
natureza de recomendação.
Na medida em que o
Memorando de Entendimento foi assinado pelo Governo, este poderia assumir a
natureza de acto administrativo (i).
Quanto à noção de acto administrativo, há que notar que esta não é consensual.
Há, no entanto, um ponto que é unânime: o acto administrativo é unilateral.
Deste modo, como explica Freitas do
Amaral, “ficam de fora todos os
actos bilaterais da Administração e, nomeadamente, todos os contratos por ela
celebrados, sejam ou não contratos administrativos” [10].
Assim, o Memorando de Entendimento, por ser multilateral, não pode ser um acto
administrativo. Não devemos, no entanto, excluir a sua relevância como forma de
actividade administrativa, como veremos adiante.
Quanto à hipótese de
o Memorando de Entendimento ser um acto
jurídico da União Europeia (ii), nos termos do art. 288.º do Tratado de
Funcionamento da União Europeia, é claro, que pelas suas características se
pode afastar liminarmente a sua qualificação como regulamento[11]
ou directiva[12],
restando assim, analisar a sua qualificação como decisão ou recomendação.
Deixaremos para o final a recomendação, visto que o que será dito, vale para
qualquer tipo de acto com cariz recomendatório, seja ele comunitário ou
internacional. Assim, quanto à decisão, Fausto
de Quadros aproxima-a do acto administrativo definitivo, sendo “um acto individual e concreto” que “pode ter como destinatários os
Estados-Membros[13].
Tem, no entanto, o mesmo problema que o acto administrativo, é um acto
unilateral. Assim, o Memorando de Entendimento não pode ser uma decisão comunitária
(embora para ser celebrado, tenham obviamente existido decisões comunitárias
nesse sentido, como já referimos).
Sendo então um acto
bilateral em que as outras partes são entidades internacionais, devemos
procurar saber se terá natureza de convenção
internacional (iii). Uma convenção internacional é, nas palavras de Jorge Miranda, “um acordo de vontades entre sujeitos de Direito Internacional
constitutivo de direitos e deveres ou de outros efeitos nas relações entre
eles”[14],
podendo ser normativa ou não normativa. O Memorando de Entendimento é, sem
dúvida, um acordo de vontades, constitui efeitos entre as partes, e é celebrado
entre sujeitos de Direito Internacional. Assim, preenche o conceito de
convenção internacional. Importa no entanto recordar que o Direito
Constitucional português não aceita a figura dos acordos em forma
ultra-simplificada, pelo que o Estado Português só fica internamente vinculado
após a ratificação, art. 135.º, al. b) Constituição de República Portuguesa –
no caso dos tratados – ou após a aprovação, art. 134.º, al. b) Constituição de
República Portuguesa – no caso dos acordos sob a forma simplificada -, de
acordo com o disposto no art. 8.º, n.º 2, Constituição de República Portuguesa[15].
Neste caso, o
Conselho de Ministros português aprovou no dia 5 de Maio de 2011 a Resolução
n.º 8/2011, pela qual o Governo delegava no Ministro de Estado e das Finanças a
competência para, em representação da República Portuguesa, outorgar os
instrumentos necessários à concretização do Programa de Ajustamento Económico e
Financeiro a Portugal[16],
sendo que estes instrumentos foram, de facto, assinados no dia 17 de Maio. Esta
Resolução refere ainda que o Conselho de Ministros considerou que, tendo sido
finalizadas as negociações, já haveria condições para aprovar as duas propostas
de memorandos e as duas propostas de contratos de financiamento atrás referidos
(v. n.º 1, al. a) da Resolução).
As
primeiras dúvidas de constitucionalidade surgem a propósito da aprovação
exigida pela Constituição
de República Portuguesa no art. 200.º, n.º 1, al. c) em Conselho de
Ministros que parece não ter chegado a verificar-se. Como explicam Gonçalves Pereira e Fausto de Quadros, esta aprovação é “logicamente, posterior à assinatura”[17]
pelo Governo (neste caso, pelo Ministro das Finanças, que seria o
plenipotenciário - art. 7.º da Convenção de Viena) junto do Conselho Europeu, Banco
Central Europeu e Fundo Monetário Internacional. Inerente ao que ficou exposto verifica-se
também a ausência da assinatura pelo Presidente da República.
A não aprovação em
Conselho de Ministros e a consequente falta de assinatura do Presidente da
República têm sem dúvida, reflexos ao nível da vinculação do Estado Português a
este Memorando de Entendimento. Recorde-se que, no plano interno, o art. 200.º, n.º 1, al. c)
da Constituição de
República Portuguesa, exige
que o acordo tivesse sido aprovado em Conselho de Ministros, após a sua
assinatura no dia 17, para que o Memorando de Entendimento vigorasse na ordem
jurídica portuguesa - art. 8.º, n.º 2, da Constituição de República Portuguesa
- sendo que essa aprovação e sua publicação – art. 119.º, n.º 1, al. b) da
Constituição de República Portuguesa - não parece ter-se verificado[18].
Ainda neste ponto
justifica-se verificar se estamos perante um caso do art. 46.º, n.º 1 e 2 da
Convenção de Viena[19]
[20].
Será que houve uma violação manifesta de uma disposição do direito interno e
essa violação diz respeito a uma norma de importância fundamental?
O n.º 2 do art. 46.º
da Convenção de Viena faz-nos pender no sentido de não se tratar de uma
violação manifesta de uma disposição do direito interno, pois “Uma violação é manifesta se for
objectivamente evidente para qualquer Estado que proceda, nesse domínio, de
acordo com a prática habitual e de boa fé.”. Quanto à violação de uma norma
de importância fundamental esta suscita mais dúvidas, face ao art. 161.º al. i)
e n) da Constituição de República Portuguesa.
Em relação à alínea
i) 1.ª parte do art. 161.º, parece não haver qualquer tipo de
inconstitucionalidade pois quanto a Tratados só caberia na competência da Assembleia
da República as matérias designadas no início do mesmo artigo[21],
nenhuma versando o conteúdo do Memorando de Entendimento. Já à 2.ª parte da
alínea i) do art. 161.º parece levantar mais dúvidas pois o Memorando de
Entendimento versa directa ou indirectamente sobre matérias da competência
reservada da Assembleia da República, o que suscita aqui mais um caso de
constitucionalidade duvidosa.
Quanto à sua alínea
n), parece-nos bastante forçado considerar o Memorando de Entendimento como um
documento sobre matérias pendentes de
decisão em órgãos no âmbito da União Europeia, sob a competência
legislativa reservada da Assembleia da Republica, mas no entanto consideramos
pertinente assinalar.
De facto, a doutrina
administrativista tem considerado que, para além das formas de actuação formal
– o acto, o regulamento e o contrato administrativo -, a Administração Pública
pode desenvolver uma actividade à margem dos procedimentos e mecanismos
previstos na lei, afastando-se da legalidade formal[22].
Marcelo Rebelo de Sousa dá como
exemplos de actuações informais “declarações
de intenções da administração quanto a comportamentos a adoptar por si no
futuro”, “acordos de cavalheiros”
ou “protocolos entre a administração e
particulares quanto a condutas específicas futuras”, sendo que realça que
estes não têm qualquer tipo de vinculatividade[23].
Distingue-os, assim, dos contratos administrativos intraprocedimentais, que são
“acordos pelos quais a administração
pública e os interessados fixam o objecto e conteúdo do acto administrativo que
constituirá a decisão final de um determinado procedimento”[24],
sendo, assim, contratos de promessa.
Por sua vez, Paulo Otero trata precisamente da
temática do “enfraquecimento vinculativo
da legalidade”
[25],
referindo-se a dois fenómenos: a diferenciação da intensidade vinculativa da
legalidade (a chamada “soft law”) e a
actividade informal da Administração. Afirma, assim, que “A actividade informal da Administração aparece como expressão de
comportamentos administrativos dificilmente classificáveis dentro das diversas
formas tradicionais de actuação administrativa”[26],
como parece se aproximar este acordo com o Conselho Europeu, o Banco Central
Europeu e o Fundo Monetário Internacional. Há, assim, uma vinculação da
Administração à adopção de certos comportamentos, mas sem que lhe possa ser
imposto o seu cumprimento, e sem que haja responsabilidade pelo incumprimento.
Neste caso, o Memorando
de Entendimento foi negociado e assinado pelo Governo, sendo que segundo Paulo Otero, o art. 199.º, al. g),
Constituição da República Portuguesa é uma norma genericamente habilitadora do
exercício de uma actividade informal por parte do Governo, “permitindo-lhe, desde que isso se mostre necessário, a prática de
todos os actos e de todas as providências indispensáveis à realização dos
propósitos materiais e teleológicos definidos. Por isso mesmo, no domínio da
promoção do desenvolvimento económico-social e da satisfação das necessidades
colectivas, sem prejuízo do respeito pelos procedimentos e actos formais
previstos na lei, o Governo poderá ainda, desde que se depare com espaços sem
regulamentação jurídica específica, e em termos alternativos a emanar actos
formais directamente fundados nesta mesma disposição constitucional, produzir
uma actividade informal visando alcançar tais desideratos definidos pela
Constituição”[27].
Tendo em conta que o
art. 199.º, al. g), da Constituição da República Portuguesa é uma norma
genericamente habilitadora do exercício da actividade administrativa do
Governo, neste caso contrariamente, parece-nos verificar-se que a abertura da
mesma, fica muito comprimida face ao princípio da separação de poderes, artigo
111.º da Constituição da República Portuguesa, e acrescente-se ainda que Paulo Otero ressalva esta actividade
informal do Governo dizendo “…desde que
se depare com espaços sem regulamentação jurídica específica, …”, o que
face ao que se acaba de afirmar parece bastante duvidoso. Portanto parece-nos que na dúvida o governo não poderia através
do art.º 199.º n.º1, al. g) tomar a decisão de recorrer – ou melhor vincular-se
plenamente – à assistência financeira externa sem passar pela aprovação da
Assembleia da República e consequentemente “crivo”
do Presidente da República. No entanto, Jorge Miranda[28],
Gonçalves Pereira e Fausto de
Quadros[29] explicam que nos termos do art.
12.º, 27.º e 46.º da Convenção de Viena, Portugal ficou vinculado ao acordo, no
plano internacional, pela sua mera assinatura, visto que não ressalvou expressamente
que só se vincularia a ele depois da sua aprovação pelo órgão nacional
competente, não podendo agora invocar o incumprimento dessa formalidade, sem
prejuízo do que foi dito atrás, a propósito do artigo 46.º n.º 1 da Convenção
de Viena.
Concluindo, enquanto
convenção internacional, isto é, acordo de vontades entre o Estado Português, a
Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional, o
Memorando de Entendimento vincula o Estado Português a nível internacional,
embora não vigore na ordem interna[30].
Por fim, pelo que já
foi dito, podemos afastar liminarmente a ideia segundo a qual o acordo poderia
ser uma mera recomendação (iv) –
definida por Paulo Otero como uma ”exortação ou um convite para os respectivos
destinatários adoptarem certo comportamento, sem que isso signifique a
existência de qualquer obrigação de resultado”[31] -,
ou melhor, neste caso, uma lista de recomendações, feita pela Troika ao Governo português, para que o
país conseguisse restabelecer uma situação económica e financeira que lhe
permitisse restaurar a sua capacidade de se financiar nos mercados financeiros.
Recorde-se que uma recomendação, no sentido do Direito da União Europeia, é,
também, um acto que “encerra um convite
aos seus destinatários para adopção de um dado comportamento”[32].
Na medida em que em todo o período de negociações, assim como no próprio
Memorando de Entendimento, é inequívoca a intenção do Estado português se comprometer a algo, em troca de algo, e
é também inequívoco que, sem essa vontade firme de comprometimento, a Comissão,
o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional não teriam aprovado
este pacote de ajuda financeira. Neste sentido, é claro que não se tratam de
meras recomendações feitas pela Troika
ao Estado português, nem sequer de meras declarações de intenções feitas pelo
Estado português à Troika. Há, no
conteúdo do Memorando de Entendimento, um acordo de vontades, como já
referimos.
Tomás Arantes e
Oliveira Marques Maia
[1] Esta é a primeira
de duas partes de um pequeno estudo realizado no âmbito da disciplina de Contencioso
Administrativo e Tributário – sob a regência do Senhor Professor Vasco Pereira
da Silva, no ano 2012-2013 – sobre a vinculatividade do decisor político português
ao “Memorando de Entendimento da Troika”
e em especial a susceptibilidade ou não, de este vir a ser condenado à pratica
do acto legalmente devido.
[2] Seguimos de perto a descrição dos acontecimentos que levaram ao pedido de
ajuda externa que se encontra no preâmbulo da Resolução n.º 8/2011, disponível online em http://dre.pt/pdf2sdip/2011/05/095000000/2116421164.pdf (consultado em 21.10.2012).
[3] O Regulamento (UE) n.º 407/2010 do Conselho, de 21 de Maio de 2010, cria
um mecanismo europeu de estabilização financeira. O art. 3.º deste Regulamento
define o procedimento a adoptar para se obter o apoio financeiro, sendo que
este depende de uma decisão adoptada pelo Conselho, deliberando por maioria
qualificada, sob proposta da Comissão (n.º 5). Este
apoio financeiro pode assumir a forma de um empréstimo ou linha de crédito
concedido aos Estados-Membros. Essa decisão de conceder o empréstimo ou
a linha de crédito deve conter, nos termos dos n.ºs 3 e 4, para além de dados
concretos como o montante e a duração, as condições gerais de política
económica em que assenta o apoio financeiro da União, com o objectivo de
restabelecer no Estado-Membro em causa uma situação económica ou financeira sã
e restaurar a sua capacidade de se financiar nos mercados financeiros. De
acordo com as alíneas b) dos n.ºs 3 e 4, estas condições são definidas pela
Comissão, em processo de consulta com o BCE, sendo que, posteriormente, são
negociadas com o Estado-Membro. Destas negociações deve resultar um Memorando
de Entendimento do qual constam, de forma pormenorizada, essas condições gerais
(n.º 5), e que a Comissão apresenta ao Parlamento Europeu e ao Conselho. Este
último órgão, deliberando por maioria qualificada, sob proposta da Comissão,
decide introduzir quaisquer ajustamentos nas condições gerais iniciais de
política económica e aprova o programa de ajustamento revisto elaborado pelo
Estado-Membro beneficiário (n.º 7). Note-se que se, posteriormente, forem
feitos ajustamentos às referidas condições, estas terão também de ser aprovadas
pelo Conselho.
[4] Note-se que
depois da crise financeira de 2008, que teve repercussões na economia a nível
global, os Estados Membros da UE sofreram várias consequências desfavoráveis,
entre as quais, a desestabilização dos mercados financeiros, a
desaceleração do crescimento económico, e a deterioração dos défices orçamentais e das posições da dívida dos
Estados-Membros. Deste modo, sendo que as
dificuldades financeiras vividas por um Estado-Membro são uma séria ameaça para
a estabilidade económica da UE como um todo, começou a notar-se que o EFSF e o
EFSM – instrumentos de auxílio financeiro não permanentes – talvez não fossem
suficientes para manter uma permanente estabilidade na União Económica e
Monetária. Neste sentido, revogou-se o art. 122º, n.º 2, do TFUE, sendo
aditado um n.º 3 ao seu art. 136.º, substituindo-se os referidos EFSF e o EFSM
pelo mecanismo europeu de estabilidade
(european stability mechanism (ESM)) a entrar em vigor em 2013. Assim, cfr.
as Conclusões do Conselho Europeu (16--17
de Dezembro de 2010), onde se pode ler, neste sentido, o seguinte
preâmbulo: “Ao longo da crise, actuámos
com determinação para preservar a estabilidade financeira e promover o regresso
a um crescimento sustentável. Continuaremos a fazê-lo e a UE e a área do euro
sairão da crise mais fortes. Os instrumentos de estabilidade temporários implementados
no corrente ano provaram ser úteis, mas a crise demonstrou que não podemos
abrandar a vigilância. Foi por isso que chegámos hoje a acordo sobre o texto de
uma alteração limitada ao Tratado relativa à criação de um futuro mecanismo
permanente para salvaguardar a estabilidade financeira de toda a área do euro.
Essa alteração deverá entrar em vigor em 1 de Janeiro de 2013. Reiterámos
também o nosso empenhamento em chegar a acordo sobre as propostas legislativas
relativas à governação económica até finais de Junho de 2011, com o objectivo
de reforçar o pilar económico da União Económica e Monetária e em continuar a
implementar a estratégia Europa 2020”.
[5] Neste trabalho vamos-nos debruçar sobre o que a comunicação social apelida
de “Memorando de Entendimento da Troika”,
que, como acabámos de constatar, são na verdade, dois memorandos. No entanto,
visto terem praticamente o mesmo conteúdo, iremos nesta exposição considerá-los
como um só.
[6] Neste sentido, mais uma vez, o preâmbulo da Resolução n.º 8/2011.
[7] Por uma questão de facilidade de exposição trataremos o “Memorando
de Entendimento da Troika” apenas por
Memorando de Entendimento.
[8] Assim, não poderá nunca ser submetido a um tribunal administrativo o
controlo do mérito dessa decisão. Cfr. Amaral,
Diogo Freitas do, Curso
de Direito Administrativo, vol. II, 8.ª reimpressão da 1.ª ed., Almedina,
Coimbra, 2008, p. 93.
[9] No entanto, começam a surgir os primeiros estudos acerca
do conteúdo do Memorando de Entendimento. Assim, v. in Revista da Ordem dos
Advogados - Ano 71 - Abril / Junho 2011 – Baptista, Eduardo Correia, "Natureza Jurídica dos Memorandos com o FMI e com
a União Europeia"; v. a secção “O Memorando da Troika em análise”, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, n.º 2, ano IV,
Setembro de 2011, composto pelos seguintes estudos: Rodrigues, Nuno Cunha,
“Apreciação geral”, pp. 15-18; Silva,
Miguel Moura e, “Finanças Públicas e Concorrência e Regulação”, pp.
19-24; Cabral, Nazaré da Costa, “Administração Fiscal e Segurança Social;
Administração Pública”, pp. 25-36; Ferreira,
Rogério M. Fernandes, “Política Fiscal”, pp. 37-46; Santos, Luís Máximo dos, “Regulação e Supervisão do Sector Financeiro e
Sistema Judicial”, pp. 47-58; Ferreira, João
Pateira, “Sector Empresarial do
Estado”, pp. 59-70.
[10] V. idem, ibidem, p. 214.
[11] “…tem carácter geral. É obrigatório em todos os seus elementos e
directamente aplicável em todos os Estados-Membros.”
[12] “…vincula o Estado-Membro destinatário quanto ao resultado a alcançar,
deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos
meios.”
[13] Cfr. Quadros, Fausto de, Direito da União Europeia, Almedina,
Coimbra, 2009, p. 365.
[14] Cfr. Miranda, Jorge, Curso de Direito Internacional Público,
3.ª ed. revista e actualizada, Princípia, Estoril, 2006 p. 58. No mesmo
sentido, v. Pereira, André
Gonçalves; e Fausto de Quadros, Manual de
Direito Internacional Público, 3.ª ed., Almedina, 2007, p. 173, que as
definem como “um acordo de vontades, em
forma escrita, entre sujeitos de Direito Internacional, agindo nesta qualidade,
de que resulta a produção de efeitos jurídicos”.
[15] Sendo certo que não houve ratificação, dedicar-nos-emos apenas a
compreender se houve aprovação. Só se tiver havido aprovação é que importará,
eventualmente, compreender se esta matéria poderia ser regulada por acordo, ou
se estamos perante uma reserva de tratado. Caso contrário, de acordo com o art.
8.º, n.º 2, CRP essa questão torna-se irrelevante porque o Memorando não
vigorará na ordem interna de qualquer das formas.
[16] Como já referimos, esta Resolução está disponível online em: http://dre.pt/pdf2sdip/2011/05/095000000/2116421164.pdf (consultado em 26.09.2011),
sendo que consideramos ter utilidade transcrevê-la: “Nos termos do n.º 5 do artigo 186.º e da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o
Conselho de Ministros resolve:
1 — Considerar que, terminada a
negociação entre o Governo, a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o
Fundo Monetário Internacional e assegurada a participação das forças políticas
no processo negocial, estão reunidas as condições para:
a) Aprovar o projecto de programa de ajustamento,
constante do memorando de entendimento relativo às condicionalidades
específicas de política económica (memorandum
of understanding), negociado entre a Comissão Europeia, em colaboração
com o Banco Central Europeu, e o Governo português, bem como do memorando de
políticas económicas e financeiras (memorandum
of economic and financial policies) negociado com o Fundo Monetário
Internacional;
b) Aprovar o projecto de contrato de financiamento (loan facility agreement) a celebrar entre a União Europeia e a República
Portuguesa no âmbito do FSM, o contrato de financiamento (loan facility agreement) a celebrar
entre a EFSF e a República Portuguesa, bem como os instrumentos que formalizam
a assistência financeira por parte do Fundo Monetário Internacional.
2 — Delegar no Ministro de Estado e das
Finanças, nos termos do n.º 1 do artigo 8.º do Decreto -Lei n.º 321/2009, de 11
de Dezembro, a competência para, em nome do Governo e em representação da
República Portuguesa, outorgar o programa de ajustamento e os contratos de
financiamento, bem como quaisquer outros instrumentos necessários à
concretização da assistência financeira a que se refere a presente resolução,
após a sua aprovação pelo Conselho da União Europeia (Ecofin) a 17 de Maio de
2011.”.
[17] Cfr. Pereira, André
Gonçalves; e Fausto de Quadros, Manual…,
op. cit., p. 221.
[18] Dizemos “não parece ter-se verificado” e não “não se verificou” porque,
após o Conselho de Ministros em que foi aprovada a Resolução referida na nota
anterior, o Ministro das Finanças, em conferência de imprensa, anunciou que “O Conselho de Ministros aprovou o plano de
ajuda externa” (v., por exemplo, a notícia no Diário de Notícias, de 05 de
Maio de 2011, disponível online em: http://www.dn.pt/especiais/interior.aspx?content_id=1844773&especial=
Portugal%20pede%20ajuda%20externa&seccao=ECONOMIA (consultado em 9.12.2011)). No entanto, não há publicidade (nem oficial – Diário da República – nem não oficial) de ter sido de facto aprovado o plano de ajuda externa, mas sim apenas a já transcrita Resolução que diz que estão reunidas as condições para aprovar o programa de ajustamento. Essa aprovação é que nunca se verificou, embora a afirmação do Ministro à comunicação social suscite muitas dúvidas.
Portugal%20pede%20ajuda%20externa&seccao=ECONOMIA (consultado em 9.12.2011)). No entanto, não há publicidade (nem oficial – Diário da República – nem não oficial) de ter sido de facto aprovado o plano de ajuda externa, mas sim apenas a já transcrita Resolução que diz que estão reunidas as condições para aprovar o programa de ajustamento. Essa aprovação é que nunca se verificou, embora a afirmação do Ministro à comunicação social suscite muitas dúvidas.
[19] “Convenção de Viena sobre o Direito
dos Tratados entre Estados”, de 23 de Maio de 1969. Texto oficial português
constante da Resolução n.º 67/2003, de 7 de Agosto, que o aprova para
ratificação. E que para uma maior facilidade de exposição designá-la-emos
apenas por Convenção de Viena.
[20] E que de acordo com o seu art. 3.º, al. c): “O facto de a presente Convenção não se aplicar aos acordos
internacionais concluídos entre Estados e outros sujeitos de direito
internacional (…), não prejudica: A aplicação da Convenção às relações entre
Estados regidas por acordos internacionais nos quais sejam igualmente partes
outros sujeitos de direito internacional.”
[21] “…designadamente os tratados de participação de Portugal em organizações
internacionais, os tratados de amizade, de paz, de defesa, de rectificação de
fronteiras e os respeitantes a assuntos militares, …”
[22] V. idem, ibidem, p. 185.
[23] Cfr. Sousa, Marcelo Rebelo
de; e André Salgado de Matos, Direito
Administrativo Geral, Tomo III, Dom Quixote, Lisboa, 2007, p. 403.
[24] Cfr. idem, ibidem, p. 403.
[25] V. Otero, Paulo, Legalidade…, op. cit., pp. 908 ss.
[26] Cfr. idem, ibidem, p. 184.
[27] Cfr. idem, ibidem, p. 918.
[28] V. Miranda, Jorge, Curso…, op. cit., pp. 95 e 96, quando
refere que “a nível internacional, parece
que Portugal não poderá invocar a falta de aprovação (…), se não tiver
ressalvado expressamente no acto da assinatura que só ficará vinculado pelo
acordo depois da aprovação”.
[29] V. Pereira, André Gonçalves;
e Fausto de Quadros, Manual…, op. cit., p.
221. Estes autores explicam que “uma
especificidade do sistema constitucional português vigente reside no facto de
os acordos (…) não vincularem o Estado Português com a sua aprovação,
logicamente posterior à assinatura. (…) Trata-se, sem dúvida, de um desvio à
pureza dos princípios que, como vimos, estabelecem que os acordos sob a forma
simplificada obrigam com a sua mera assinatura, É certo que nada impede que a
Constituição portuguesa imponha, após a assinatura, a aprovação do acordo (…).
Mas, em face do art. 12.º, n.º 1, CV, caso Portugal não ressalve expressamente
no acordo que só se vinculará a ele depois da sua aprovação pelo órgão nacional
competente, ficará vinculado ao acordo no plano internacional pela sua
assinatura, não obstante o acordo só passe a vigorar na ordem interna após a
sua aprovação. (…) É isto assim porque o artigo 27.º CV, que já estudámos,
dispõe que nenhum Estado pode invocar as disposições do seu Direito interno
para se eximir ao cumprimento do tratado ao qual livremente se vinculou na cena
internacional”. Note-se que, neste caso, não se verificam os pressupostos
de aplicação do regime das ratificações imperfeitas, previsto no art. 46.º da
Convenção de Viena, por a violação não ser manifesta, quanto a dizer respeito a
uma norma fundamental do Direito português, maiores dúvidas nos surgem.
[30] Note-se, no entanto, que não se insere, propriamente, nos conteúdos
tradicionais das convenções internacionais.
[31] Cfr. Otero, Paulo, Legalidade e Administração Pública – o
Sentido da Vinculação Administrativa à Juridicidade, reimpressão da 1.ª
ed., Almedina, Coimbra, 2007, p. 910.
[32] Cfr. Quadros, Fausto de, Direito…, op. cit., p. 367.
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