Em tom de introdução, poderei dizer que o recurso trata-se de uma
discordância sobre uma decisão jurisdicional proferida por um tribunal
administrativo.
Desta forma, o CPTA introduz no título VII o
tema dos recursos jurisdicionais, que compreende os arts 140º a 156º.
O art. 140º CPTA estabelece duas regras: a de
que, sem prejuízo do disposto no CPTA e no ETAF, os recursos ordinários
regem-se, com as necessárias adaptações, pelo disposto no CPC; e a de que esses
recursos são processados como os recursos de agravo.
Acrescenta-se, entretanto, que a remissão do
art. 140º para a tramitação dos recursos de agravo se encontra, hoje,
prejudicada pelo facto de a figura do recurso do agravo ter sido eliminada do
CPC pela reforma dos regimes jurisdicionais, introduzida pelo DL 303/2007, de
24 de Agosto. Como determina o art. 4º deste DL, as referências feitas ao
recurso de agravo (nomeadamente em legislação avulsa), consideram-se feitas ao
recurso de apelação.
O CPTA, tem, pela primeira vez, o cuidado de
tornar claro, no contencioso administrativo português, que os recursos
ordinários podem ser de apelação (149º CPTA) e de revista (150º CPTA).
No plano da legitimidade para interpor
recurso, o art. 141/1º CPTA atribui legitimidade para recorrer, não só a quem
tenha ficado vencido, mas também ao Ministério Público, com fundamento na
“violação de disposições ou princípios constitucionais ou legais”.
O art. 141/1º CPTA, introduz, nos seus nºs 2
e 3, soluções inovadoras: permite que, nos processos impugnatórios, qualquer
das partes recorra de uma sentença que, embora lhe seja favorável quanto à
questão de anulação do ato, lhe possa ser desfavorável na parte em que se tenha
pronunciado pela procedência ou improcedência de determinada causa de
invalidade, produzindo assim um alcance preclusivo diferente daquele que a
parte desejaria.
Outra importante inovação decorrente da
reforma do contencioso administrativo, trata-se da introdução das alçadas
previstas no art. 6º do ETAF.
Assim sendo, a alçada dos Tribunais
Administrativos de Círculo corresponde à alçada prevista para os tribunais
judicias de 1º instância (6/3 ETAF; 31/1 LOFTJ 2008; 24/1 LOFTJ 1999), ou seja,
5.000€; e a alçada do Tribunal Central Administrativo e do Supremo Tribunal
Administrativo, nos processos que exerçam competências de 1º instância,
corresponde à dos Tribunais Administrativos de Círculo (6/5 ETAF), ou seja, de
5.000€, igualmente.
Assim, as decisões só serão passíveis de
recurso jurisdicional se o valor da causa a que se reportam, for superior ao
valor da alçada dos Tribunais Administrativos de Círculo (a determinar pelos
critérios dos arts 32º, 33º e 34º do CPTA), desde que proferidas em 1º grau de
jurisdição.
Não obstante, o art. 142/3 CPTA determina que
é sempre admissível recurso, independentemente do valor da causa, nos casos do
678º CPC, bem como, das alíneas a), b), c) e d) do art. 142/3º CPTA.
O art. 143/1º CPTA refere que os recursos
jurisdicionais têm efeito suspensivo da decisão recorrida, em regra. No
entanto, há que ter especial atenção ao nº2 do mesmo artigo, que atribui efeito
devolutivo às decisões referidas pelo mesmo.
Quanto à atribuição do efeito meramente
devolutivo às providências cautelares, a solução justifica-se, porque, para
atribuir ou recusar estas, o juiz já procedeu à ponderação referida no 143/5º
CPTA. Não se justifica, por isso, admitir que, nos casos em que a providência
cautelar tenha sido recusada, o recurso ter um efeito suspensivo. Ao invés,
admite-se a possibilidade de ser atribuído um efeito meramente devolutivo
mediante a apreciação dos critérios do art. 143/5º CPTA.
A solução também se justifica, porque, ao
permitir que as decisões que recusem a
suspensão da eficácia de atos administrativos, produzam imediatamente os
seus efeitos a partir do momento em que são proferidas.
Assim sendo, a atribuição do efeito meramente
devolutivo ao recurso jurisdicional depende da adequada ponderação dos
interesses em presença, segundo os critérios próprios da tutela cautelar. Desta
forma, o efeito devolutivo tem lugar quando essa ponderação permita concluir
que a recusa da execução provisória causaria ao interessado prejuízos
irreparáveis ou de difícil reparação e que a sua concessão não terá efeitos
irreversíveis nem produzirá prejuízos ainda mais gravosos para os interesses
contrapostos ao do interessado.
A pretensão deve ser assim recusada, se da
ponderação relativa ao art. 143/5º CPTA resultar o entendimento de que os danos
que resultariam da atribuição do efeito meramente devolutivo ao recurso se
mostram superiores àqueles que podem resultar da sua não atribuição.
O prazo para a interposição de recurso passa
a ser de 30 dias (144/1º e 144/2º CPTA).
É já no tribunal de recurso que tem lugar a
intervenção do Ministério Público, quando este não figure no processo (146/1º
CPTA). Contudo, tal situação só se justifica em
defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos
especialmente relevantes ou de algum dos valores constitucionais previstos no art. 9/2º CPTA.
Novidade absoluta no nosso contencioso
administrativo é a introdução dos recursos de revista para o Supremo Tribunal
Administrativo (150º e 151º CPTA). Por um lado, um recurso de revista de
decisões proferidas em 2º instância pelo Tribunal Central Administrativo (150º
CPTA), que pela primeira vez, permite um duplo grau de recurso no contencioso
administrativo português; por outro lado, um recurso per saltum de decisões
proferidas em 1º instância pelos Tribunais Administrativos de Círculo, limitado
à apreciação de questões de direito (151º CPTA).
Em princípio, das decisões que o Tribunal Central
Administrativo passa a proferir em sede de recurso de apelação não cabe recurso
de revista para o Supremo Tribunal Administrativo. Contudo, o art. 150º CPTA
admite a possibilidade da interposição de um excepcional recurso de revista
para o Supremo Tribunal Administrativo, de decisões proferidas em 2º instância
pelo Tribunal Central Administrativo. Requisito necessário para este recurso
não é o seu critério quantitativo, mas sim, qualitativo: apenas relativo a
matérias de importância fundamental, ou em que a admissão de recurso seja
necessária para uma melhor aplicação do direito.
Dado que o Tribunal Central Administrativo
passa a funcionar como instância normal de recurso de apelação, torna-se útil
que, em matérias de maior importância, o Supremo Tribunal Administrativo possa
ter uma intervenção que possa servir para orientar os tribunais inferiores, em
questões que, independentemente da alçada, considere mais importantes. Nunca
esquecendo que, ao Supremo Tribunal Administrativo, caberá dosear a sua intervenção,
por forma a permitir que esta via funcione como uma “válvula de segurança do
sistema”.
O outro recurso de revista para o Supremo
Tribunal Administrativo, trata-se de um recurso per saltum (151º CPTA) das
decisões de mérito proferidas pelos Tribunais Administrativos de Círculo, que é
admitido quando apenas sejam suscitadas questões de direito (relacionadas com a
violação da lei substantiva ou processual) e desde que preencham os requisitos
dos arts 151/1º e 151/2º CPTA. Não há, neste recurso, discussão sobre a
matéria de facto e, no caso de existir, haverá apelação para o Tribunal Central
Administrativo, que decidirá também as questões de direito.
O último dos recursos ordinários trata-se do
recurso para uniformização de jurisprudência, dirigido ao Supremo Tribunal
Administrativo: num conflito resultante da existência de contradições, sobre a
mesma questão fundamental de direito, entre dois acórdãos do Supremo Tribunal
Administrativo, ou entre um acórdão do Tribunal Central Administrativo e um
acórdão anteriormente proferido pelo mesmo tribunal ou pelo Supremo Tribunal
Administrativo, este recurso resolve-os, tendo em conta os requisitos necessários
dos arts 152/3º, 152/4º e 152/6º CPTA.
Bibliografia:
ALMEIDA, Mário Aroso de, O novo regime do processo nos tribunais administrativos, Ed. Almedina, 2005
CORREIA, Sérvulo, Reforma do contencioso administrativo, Volume I, O debate universitário (trabalhos preparatórios) Ed. Coimbra, 2003
ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Ed. Almedina, 2010
Sem comentários:
Enviar um comentário