Antes da Reforma de 1997,
os processos cautelares reconduziam-se à suspensão da eficácia de actos
administrativos. Posteriormente à Reforma, o método adoptado pelo legislador
português foi inspirado em matriz latina e unificava todos os meios
processuais. Assim foi concedido aos tribunais administrativos o poder de
decretar todo o tipo de providências cautelares assegurando aos particulares o
direito fundamental de acesso à Justiça Administrativa e o direito de obter
atempadamente uma decisão favorável no que diz respeito à tutela cautelar –
art. 2º. n.º 1 CPTA.
O princípio constitucional e fundamental da tutela judicial efectiva dos
direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares é a pedra toque de
todo o Direito Administrativo - art. 268º n.º 4 CRP, art. 2º n.º 2 e art. 2.º
n.º 2 al m) CPTA - e consequentemente uma das formas de superação de alguns dos
“traumas da infância difícil” do Contencioso que remontam à confusão entre
Justiça e Administração.
As medidas cautelares administrativas são um processo judicial
instaurado em momento anterior, simultâneo ou posterior à propositura da acção
e que estabelecem um meio de tutela que pretende impedir que se constitua uma
situação irreversível ou se produzam danos graves que ameacem o efeito útil da
decisão – art. 112.º n.º 1 e art 114.º n.º 1 CPTA. Por outras palavras a
providência cautelar visa compor de forma célere e provisória o conflito de
interesses através de uma decisão de natureza sumária e instrumental até ser lograda
a composição definitiva da lide principal. A finalidade do processo cautelar
administrativo é pois uma providência definitiva que não pode dar mais do que a
sentença nem antecipa-la.
A fim de evitar confusões futuras, cumpre distinguir tutela cautelar de
intimação para a protecção de direitos liberdades e garantias prevista nos
arts. 109.º a 111.º do CPTA. Ambas visam assegurar a protecção dos particulares
face às investidas da Administração no entanto, a tutela cautelar, como
explanado supra, necessita de uma
decisão posterior. Já a intimação não necessita de uma decisão posterior do
Tribunal uma vez que é um processo principal urgente.
Cumpre agora expor os traços fundamentais das medidas cautelares:
Instrumentalidade - As providências não têm finalidade ou objectivo em si mesmo mas
existem em função de um determinado processo. Note-se que as medidas cautelares
caducam se o processo principal estiver parado durante mais de três meses por
negligência do interessado ou se nele vier a ser proferida decisão transitada
em julgado desfavorável às suas pretensões – art. 123.º n.º 1 CPTA.
Natureza provisória - As medidas cautelares não visam compor definitivamente a lide
caducando com a execução da decisão. Um dos exemplos legais desta
provisoriedade consta do art. 124.º CPTA uma vez que o tribunal pode alterar,
revogar, ou substituir a adopção de medidas cautelares.
Sumaridade – O
Tribunal deve proceder à apreciação sumária da situação de facto e de direito.
Em casos excepcionais, a providência cautelar pode ser decretada sem que tenha
sido oferecida ao requerido a oportunidade para conhecer os argumentos e
condutas assumidas pelo requerente e tomar posição sobre elas, ou seja, há o
decretamento da providência independentemente da não audição do requerido em
casos de urgência ou para garantir o efeito útil da acção. Prescinde-se assim
de contraditório prévio nos termos do art. 131.º CPTA.
Urgência – As providências
cautelares são tramitadas mediante uma sequência de actos que deve ser
praticada de forma célere, ou seja, a obtenção de uma decisão provisória tem
que ser feita no mais curto espaço de tempo. Esta urgência pode significar uma
diminuição das garantias dos particulares uma vez que o julgador decide de
forma mais rápida e há uma limitação do contraditório e dos meios de prova.
Dependência –
As providências cautelares estão na dependência da acção principal.
Nos termos do art. 112.º n.º 1 CPTA as providências podem ser
conservatórias ou antecipatórias desde que adequadas a assegurar a utilidade da
sentença a proferir no processo principal. As primeiras correspondem às
situações em que o interessado pretende manter ou conservar um direito em
perigo, antes da verificação do dano, ou seja, antes que o bem seja prejudicado
por medidas eventualmente tomadas pela Administração. As segundas dizem respeito
a um comando dado à Administração no sentido de adoptar medidas que minimizem
ou minorem as consequências do retardamento da composição definitiva do litígio
(relação de dependência funcional e estrutural).
Como decorre do art. 120 n.º 1 alíneas b) e c), a providência cautelar
só é concedida se houver a existência de um perigo de inutilidade total ou
parcial de uma pronúncia administrativa. Daqui extrai-se que um dos requisitos
para a que possa ser tomada uma decisão cautelar é a perigosidade, ou seja, o
julgador ao decidir-se pela concessão da tutela cautelar deve avaliar o fundado
receio do requerente de que será impossível proceder à reintegração da situação
nos trâmites legais. A doutrina diverge quanto à avaliação deste fundado
receio. Há quem entenda que este fundado receio pode ser baseado numa mera
probabilidade (fumus boni iuris). Outra parte da doutrina entende que a avaliação do
fundado receio se tem que basear numa certeza ou numa “quase certeza”. A adopção da primeira solução vai mais de
encontro ao que se pretende com as medidas cautelares, mormente com o seu
critério de urgência. Note-se que um juízo de certeza ou de quase certeza
poderia pôr em risco a celeridade que se pretende na procedimento cautelar.
No que diz respeito às providências cautelares conservatórias - art. 120.º al. b) CPTA -, o requerente deverá
provar que a pretensão que expressou no processo principal não é manifestamente
infundada (fumus non malus iuris) e
que existe um justificado receio da constituição de uma situação de facto
consumado ou da produção de danos de difícil reparação (periculum in mora). Já o requerido terá que invocar e demonstrar
factos que culminem com a não concessão da providência cautelar, ou seja,
deverá demonstrar que a pretensão do requerente é infundada. Em caso de dúvida
deve decidir-se a favor do requerente.
Quanto às providências antecipatórias – art 120º n.º 1 al c) CPTA – o
requerente deverá demonstrar, tal como acontece nas providências
conservatórias, que existe fundado receio e ainda que o pedido que formulou no
processo principal será julgado procedente (fumus
boni iuris). Se o requerente não provar suficientemente os factos constitutivos,
o risco corre por sua conta.
Atende-se ainda como quesito da concessão da medida cautelar à
proporcionalidade prevista no art. 102.º n.º 2 CPTA. Este princípio do “equilíbrio”
visa assegurar que o interesse público não prevaleça sobre o interesse
particular e que as providências cautelares não deverão ser concedidas quando o
prejuízo delas resultantes exceda consideravelmente o dano que se pretende
evitar. Trata-se de um “dever jurídico” do reconhecimento que a intromissão na
esfera privada de outrem é algo que se deve fazer com cautela. O julgador tem
que auferir, num juízo de prognose póstuma, qual dos interesses preponderantes
tem prevalência face ao outro (esta ponderação só tem lugar em situações de
incerteza). O Professor Freitas do Amaral entende que em caso de dúvida
insanável sobre o decretamento de uma providência cautelar, deverá analisar-se
o conteúdo do direito em causa. De salientar que em princípio a garantia dos
direitos fundamentais prevalece relativamente aos interesses públicos da
competência da Administração Pública.
Nos termos do art. 120.º n.º 3 do CPTA o julgador pode decretar uma
providência distinta daquela que lhe foi solicitada. Afirma-se que o juiz não
se encontra vinculado a decretar a providência concretamente requerida, caso se
convença do fundado receio de que o requerido possa causar grave lesão ao
direito do requerente e que ocorre a probabilidade séria da existência do
direito alegado por este.
Na alínea a) do art. 120.º n.º 1 está patente uma relação de
dependência. Pode ler-se, a contrario, que as providências cautelares caducam
se a acção principal vier a ser julgada improcedente. Esta relação de
dependência vai mais além uma vez que a providência cautelar condiciona e é
condicionada pelo objecto da acção principal. Esta alínea tem carácter
meramente exemplificativo não se aplicando só aos casos em que esteja em causa
impugnação de actos administrativos. Assim, a aparência de bom direito é pois,
neste tipo de casos, o critério decisivo para o decretamento da providência
requerida, providência essa que tem que ser necessária e adequada a assegurar a
utilidade da sentença a proferir.
A providência cautelar caduca nos termos do art. 123.º do CPTA.
Em suma, a medidas cautelares são “prevenções contra a demora” de
natureza provisória, sumária e instrumental que visam assegurar a utilidade de
uma lide principal.
Bibliografia:
ALMEIDA, Mário Aroso de - O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª edição.2004;
AMARAL, Freitas do - Providências cautelares no novo contencioso administrativo, Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 43, Janeiro/Fevereiro de 2004.
ALMEIDA, Mário Aroso de - O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª edição.2004;
AMARAL, Freitas do - Providências cautelares no novo contencioso administrativo, Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 43, Janeiro/Fevereiro de 2004.
AMORIM, Tiago – As providências cautelares do CPTA: Um primeiro balanço, in Cadernos de Justiça Administrativa nº 47.
BRITO, Wladimir- Lições de Direito Processual Administrativo, 2ª edição. Coimbra Editora.2008
FREITAS, José Lebre de - Código de Processo Civil Anotado, 3ª edição, Vol. 1º, Coimbra Editora
SILVA, Vasco Pereira da, - O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2ª edição, Almedina,2009;
Liliana
de Castro, nº 18219
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