terça-feira, 27 de novembro de 2012

"A prevenção contra a demora"


          Antes da Reforma de 1997, os processos cautelares reconduziam-se à suspensão da eficácia de actos administrativos. Posteriormente à Reforma, o método adoptado pelo legislador português foi inspirado em matriz latina e unificava todos os meios processuais. Assim foi concedido aos tribunais administrativos o poder de decretar todo o tipo de providências cautelares assegurando aos particulares o direito fundamental de acesso à Justiça Administrativa e o direito de obter atempadamente uma decisão favorável no que diz respeito à tutela cautelar – art. 2º. n.º 1 CPTA.
O princípio constitucional e fundamental da tutela judicial efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares é a pedra toque de todo o Direito Administrativo - art. 268º n.º 4 CRP, art. 2º n.º 2 e art. 2.º n.º 2 al m) CPTA - e consequentemente uma das formas de superação de alguns dos “traumas da infância difícil” do Contencioso que remontam à confusão entre Justiça e Administração.
As medidas cautelares administrativas são um processo judicial instaurado em momento anterior, simultâneo ou posterior à propositura da acção e que estabelecem um meio de tutela que pretende impedir que se constitua uma situação irreversível ou se produzam danos graves que ameacem o efeito útil da decisão – art. 112.º n.º 1 e art 114.º n.º 1 CPTA. Por outras palavras a providência cautelar visa compor de forma célere e provisória o conflito de interesses através de uma decisão de natureza sumária e instrumental até ser lograda a composição definitiva da lide principal. A finalidade do processo cautelar administrativo é pois uma providência definitiva que não pode dar mais do que a sentença nem antecipa-la.
A fim de evitar confusões futuras, cumpre distinguir tutela cautelar de intimação para a protecção de direitos liberdades e garantias prevista nos arts. 109.º a 111.º do CPTA. Ambas visam assegurar a protecção dos particulares face às investidas da Administração no entanto, a tutela cautelar, como explanado supra, necessita de uma decisão posterior. Já a intimação não necessita de uma decisão posterior do Tribunal uma vez que é um processo principal urgente.
Cumpre agora expor os traços fundamentais das medidas cautelares:
 
Instrumentalidade - As providências não têm finalidade ou objectivo em si mesmo mas existem em função de um determinado processo. Note-se que as medidas cautelares caducam se o processo principal estiver parado durante mais de três meses por negligência do interessado ou se nele vier a ser proferida decisão transitada em julgado desfavorável às suas pretensões – art. 123.º n.º 1 CPTA.

Natureza provisória - As medidas cautelares não visam compor definitivamente a lide caducando com a execução da decisão. Um dos exemplos legais desta provisoriedade consta do art. 124.º CPTA uma vez que o tribunal pode alterar, revogar, ou substituir a adopção de medidas cautelares.
 
Sumaridade – O Tribunal deve proceder à apreciação sumária da situação de facto e de direito. Em casos excepcionais, a providência cautelar pode ser decretada sem que tenha sido oferecida ao requerido a oportunidade para conhecer os argumentos e condutas assumidas pelo requerente e tomar posição sobre elas, ou seja, há o decretamento da providência independentemente da não audição do requerido em casos de urgência ou para garantir o efeito útil da acção. Prescinde-se assim de contraditório prévio nos termos do art. 131.º CPTA.
 
Urgência – As providências cautelares são tramitadas mediante uma sequência de actos que deve ser praticada de forma célere, ou seja, a obtenção de uma decisão provisória tem que ser feita no mais curto espaço de tempo. Esta urgência pode significar uma diminuição das garantias dos particulares uma vez que o julgador decide de forma mais rápida e há uma limitação do contraditório e dos meios de prova.
 
Dependência – As providências cautelares estão na dependência da acção principal.  
 
Nos termos do art. 112.º n.º 1 CPTA as providências podem ser conservatórias ou antecipatórias desde que adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal. As primeiras correspondem às situações em que o interessado pretende manter ou conservar um direito em perigo, antes da verificação do dano, ou seja, antes que o bem seja prejudicado por medidas eventualmente tomadas pela Administração. As segundas dizem respeito a um comando dado à Administração no sentido de adoptar medidas que minimizem ou minorem as consequências do retardamento da composição definitiva do litígio (relação de dependência funcional e estrutural).  
Como decorre do art. 120 n.º 1 alíneas b) e c), a providência cautelar só é concedida se houver a existência de um perigo de inutilidade total ou parcial de uma pronúncia administrativa. Daqui extrai-se que um dos requisitos para a que possa ser tomada uma decisão cautelar é a perigosidade, ou seja, o julgador ao decidir-se pela concessão da tutela cautelar deve avaliar o fundado receio do requerente de que será impossível proceder à reintegração da situação nos trâmites legais. A doutrina diverge quanto à avaliação deste fundado receio. Há quem entenda que este fundado receio pode ser baseado numa mera probabilidade (fumus boni iuris). Outra parte da doutrina entende que a avaliação do fundado receio se tem que basear numa certeza ou numa “quase certeza”. A adopção da primeira solução vai mais de encontro ao que se pretende com as medidas cautelares, mormente com o seu critério de urgência. Note-se que um juízo de certeza ou de quase certeza poderia pôr em risco a celeridade que se pretende na procedimento cautelar. 
No que diz respeito às providências cautelares conservatórias -  art. 120.º al. b) CPTA -, o requerente deverá provar que a pretensão que expressou no processo principal não é manifestamente infundada (fumus non malus iuris) e que existe um justificado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de danos de difícil reparação (periculum in mora). Já o requerido terá que invocar e demonstrar factos que culminem com a não concessão da providência cautelar, ou seja, deverá demonstrar que a pretensão do requerente é infundada. Em caso de dúvida deve decidir-se a favor do requerente.
Quanto às providências antecipatórias – art 120º n.º 1 al c) CPTA – o requerente deverá demonstrar, tal como acontece nas providências conservatórias, que existe fundado receio e ainda que o pedido que formulou no processo principal será julgado procedente (fumus boni iuris). Se o requerente não provar suficientemente os factos constitutivos, o risco corre por sua conta.
Atende-se ainda como quesito da concessão da medida cautelar à proporcionalidade prevista no art. 102.º n.º 2 CPTA. Este princípio do “equilíbrio” visa assegurar que o interesse público não prevaleça sobre o interesse particular e que as providências cautelares não deverão ser concedidas quando o prejuízo delas resultantes exceda consideravelmente o dano que se pretende evitar. Trata-se de um “dever jurídico” do reconhecimento que a intromissão na esfera privada de outrem é algo que se deve fazer com cautela. O julgador tem que auferir, num juízo de prognose póstuma, qual dos interesses preponderantes tem prevalência face ao outro (esta ponderação só tem lugar em situações de incerteza). O Professor Freitas do Amaral entende que em caso de dúvida insanável sobre o decretamento de uma providência cautelar, deverá analisar-se o conteúdo do direito em causa. De salientar que em princípio a garantia dos direitos fundamentais prevalece relativamente aos interesses públicos da competência da Administração Pública.
Nos termos do art. 120.º n.º 3 do CPTA o julgador pode decretar uma providência distinta daquela que lhe foi solicitada. Afirma-se que o juiz não se encontra vinculado a decretar a providência concretamente requerida, caso se convença do fundado receio de que o requerido possa causar grave lesão ao direito do requerente e que ocorre a probabilidade séria da existência do direito alegado por este.  
Na alínea a) do art. 120.º n.º 1 está patente uma relação de dependência. Pode ler-se, a contrario, que as providências cautelares caducam se a acção principal vier a ser julgada improcedente. Esta relação de dependência vai mais além uma vez que a providência cautelar condiciona e é condicionada pelo objecto da acção principal. Esta alínea tem carácter meramente exemplificativo não se aplicando só aos casos em que esteja em causa impugnação de actos administrativos. Assim, a aparência de bom direito é pois, neste tipo de casos, o critério decisivo para o decretamento da providência requerida, providência essa que tem que ser necessária e adequada a assegurar a utilidade da sentença a proferir.
A providência cautelar caduca nos termos do art. 123.º do CPTA.
Em suma, a medidas cautelares são “prevenções contra a demora” de natureza provisória, sumária e instrumental que visam assegurar a utilidade de uma lide principal.
 
 
Bibliografia:

ALMEIDA, Mário Aroso de - O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª edição.2004;

AMARAL, Freitas do - Providências cautelares no novo contencioso administrativo, Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 43, Janeiro/Fevereiro de 2004.

AMORIM, Tiago – As providências cautelares do CPTA: Um primeiro balanço, in Cadernos de Justiça Administrativa nº 47.

BRITO, Wladimir- Lições de Direito Processual Administrativo, 2ª edição. Coimbra Editora.2008

FREITAS, José Lebre de - Código de Processo Civil Anotado, 3ª edição, Vol. 1º, Coimbra Editora

SILVA, Vasco Pereira da, - O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2ª edição, Almedina,2009;

 
Liliana de Castro, nº 18219


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