sábado, 27 de outubro de 2012


Recurso Hierárquico Necessário

O recurso hierárquico é um mecanismo através do qual o superior hierárquico exerce os seus poderes de intervenção (supervisão e substituição) na actividade do subalterno.
Nos termos do artigo 166.º do CPA, podem ser objecto de recurso hierárquico todos os actos praticados por órgãos sujeitos a poderes hierárquicos de outros órgãos. Sendo que a lei distingue entre necessário e facultativo, consoante o acto a impugnar seja ou não insusceptível de recurso contencioso (artigo 167.º nº 1).
Desde a revisão constitucional de 1989, a Constituição passou a garantir a impugnabilidade de todos os actos administrativos lesivos de direitos dos particulares, independentemente do carácter definitivo e executório dos mesmos, conforme o disposto no artigo 268º, nº 4 CRP. Assim, a recorribilidade já não dependia da definitividade dos actos, mas antes da efectiva lesão provocada por estes.
Para a generalidade da doutrina e jurisprudência, esta alteração não significou a consagração do direito à imediata impugnação judicial dos actos lesivos, uma vez que é constitucionalmente admissível o prévio esgotamento das vias administrativas como forma de acesso aos meios contenciosos.
Deste modo, colocou-se o problema da admissibilidade do recurso hierárquico necessário legalmente consagrado.
A impugnação dos actos administrativos corresponde a um tipo de acção administrativa especial, prevista nos artigos 51º e seguintes. O artigo 51º tem uma formulação algo complexa, ao definir que “Ainda que inseridos num procedimento administrativo, são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos.”
A reforma do processo administrativo de 2004 veio prever impugnabilidade de actos administrativos com eficácia externa, lesivos de direitos dos particulares, não consagrando qualquer exigência de recurso hierárquico necessário para o efeito (artigo 51º, nº 1 do CPTA).
Nos termos do artigo 51.º, nº1, ficariam excluídos dos actos administrativos que podem ser objecto de impugnação contenciosa aqueles que contenham decisões de âmbito meramente interno, no sentido de que possuem um alcance estritamente intra-administrativo, esgotando os seus efeitos no estrito âmbito da entidade que os emite. O professor Mário Aroso de Almeida, refere que do ponto de vista estrutural, pode dizer-se que todos os actos administrativos podem ser objecto de impugnação contenciosa. Deste modo, segundo o professor, a eventual eficácia externa não é um requisito intrínseco de impugnabilidade dos actos administrativos, mas um requisito que está associado ao estatuto de quem impugna. Logo, podem ser susceptíveis de recurso hierárquico necessário, segundo o professor.
Neste sentido, discute-se a conformidade deste instituto com a Constituição. O professor Vasco Pereira da Silva, nega-a, na medida em que a CRP consagra o direito à tutela jurisdicional efectiva (artigo 268º/4), e com o recurso hierárquico necessário cria-se um obstáculo, causando uma perda de tempo para os particulares (que se agrava com as frequentes situações de inércia da Administração), e como tal afecta a possibilidade de defesa jurisdicional dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados. Refere ainda que a razão de ser do recurso hierárquico necessário era permitir a impugnação do acto administrativo e que agora ao consagrar a possibilidade de impugnação contenciosa imediata da decisão administrativa, não faz sentido que se mantenha o recurso hierárquico necessário.
 O professor defende ainda que o legislador procedeu à revogação de toda e qualquer previsão de recurso hierárquico necessário, confirmando, desta forma, a sua desconformidade constitucional – actos dos subalternos também podem ser lesivos de posições jurídicas dos particulares, não fazendo sentido limitar a sua impugnabilidade contenciosa.
O acórdão referente ao processo nº 0701 do STA, refere que a nova redacção deste artigo não veio alterar o regime vigente. É do entendimento do tribunal que este artigo coexiste em plena harmonia com impugnação administrativa necessária: quando a lei expressamente o disser e em todos os casos anteriores ao CPTA. O professor Mário Aroso de Almeida concorda com a posição deste acórdão, conforme o exposto anteriormente.
Em suma, não será de admitir o recurso hierárquico necessário, uma vez que parece evidente a sua desconformidade com a CRP, em particular com a direito à tutela jurisdicional efectiva, uma vez que se criam obstáculos à mesma, o que se agrava pela situação de inércia da Administração, e por outro lado, a análise do mérito pode ser mais favorável ao particular.



Bibliografia:
- ALMEIDA, Mário Aroso de, “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, 2010
- SILVA, Vasco Pereira da, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, Almedina, 2009

Elaborado por :
Vanessa Jacinto, nº 17814

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