terça-feira, 30 de outubro de 2012

Dependência constitucional do Direito Administrativo e dependência administrativa do Direito Constitucional


                   Uma das questões mais necessitadas de psicanálise (cultural) é a da “relação difícil” entre Administração e Constituição entre Direito Administrativo e Direito Constitucional, que se parece com a de “irmãos siameses”.
            A perspectiva tradicional segundo a qual o “Direito Constitucional passa e o Direito Administrativo fica”, encontra-se definitivamente superada.
            No entanto, há que existir um meio termo: não pode haver, em termos jurídicos, a impermeabilidade do Direito Administrativo em face dos valores constitucionais, bem como, não se pode afirmar que o Direito Administrativo depende do Direito Constitucional só porque a CRP se encontra no topo do ordenamento jurídico: tal equivaleria a reduzir o problema à simples proclamação do postulado do “Direito Administrativo como Direito Constitucional concretizado”.
            Vedel, por um lado, considerava que a Administração e o Direito Administrativo não podem, definir-se de uma forma autónoma, e que é, partindo da CRP que a sua definição pode ser dada. De outro lado, Giserman, desvalorizava a importância da questão, reconduzindo-a a um simples problema de hierarquia das fontes de direito e realçando a “autonomia” do Direito Administrativo.
            Em suma, a discussão acerca das “bases constitucionais do Direito Administrativo”, serviu para demonstrar que se escondiam duas concepções antagónicas: uma admitindo, a outra negando, a efetiva relevância da CRP para a Administração.
            Na verdade, desde os primórdios, nem a doutrina administrativa se tinha esquecido da referência à CRP (ainda que meramente formal e de reduzido alcance), nem a jurisprudência ignorava a supremacia das normas constitucionais (mesmo que a sua relevância para o domínio administrativo fosse limitada, ou mesmo nula). Ou seja, é a possibilidade da Administração atuar tendo por funções a realização da CRP e, por outro lado, da lei fundamental servir de “padrão” para aferição da validade e para o controlo da atuação administrativa.
            Do que se trata não é mais, portanto, de uma mera questão formal de subordinação da Administração à CRP, mas sim do problema material da realização continuada e permanente das normas fundamentais através do Direito Administrativo, bem como do “ancoramento” da atuação administrativa nessa mesma lei fundamental.
            Torna-se, assim, indispensável a “cooperação frutuosa entre a doutrina constitucional e a doutrina administrativa”, pois o “Direito Administrativo atual existe, modifica-se e desaparece, tanto em sentido formal como em sentido material, em conjugação com o Direito Constitucional”.
            Pensando agora no domínio processual, existe uma relação de “dependência constitucional” do Contencioso Administrativo, que faz dele “Direito Constitucional concretizado”. Todas as questões do processo administrativo (opções fundamentais em matéria de organização, de funcionamento, de procedimento, etc) foram “promovidas” à categoria de princípios e de regras fundamentais, no âmbito de um movimento de constitucionalização.
            Nasce, assim, uma fase em que, por um lado, é confirmada a natureza jurisdicional dos órgãos encarregados de julgar a administração e, por outro lado, é afirmada a função e a natureza subjetivas do Contencioso Administrativo.
            A “medida” da dependência constitucional do Direito Administrativo aumentou de uma forma extraordinária, uma vez que qualquer caso de Direito Administrativo é hoje um caso de Direito Constitucional e os tribunais administrativos têm na interpretação da CRP um quinhão tão grande como o do tribunal constitucional.
            Assim, a dependência constitucional do Direito Administrativo faz com que a jurisprudência administrativa desempenhe um papel decisivo na concretização do Direito Constitucional, da mesma forma que os tribunais administrativos têm uma enorme importância na realização do Direito Constitucional.
            Mas se há uma dependência constitucional do Direito Administrativo, a afirmação inversa é igualmente verdadeira: tal é evidente no Contencioso Administrativo, enquanto domínio privilegiado de realização dos direitos fundamentais.
            Em suma, a CRP depende do Processo Administrativo, pois os direitos fundamentais do domínio processual – para além da sua relevância própria, enquanto direitos fundamentais autónomos, e da sua importância instrumental, enquanto garantes da proteção judicial de todos os direitos das relações jurídicas administrativas – são também uma condição essencial da realização de todos os demais direitos fundamentais. Daí que a efetividade da CRP, dependa da existência e do adequado funcionamento dos tribunais encarregados de fiscalizar a administração. Mas, a efetividade da CRP também depende, igualmente, do Contencioso Administrativo, na medida em que as regras e os princípios fundamentais relativos à Administração Pública constituem também, parte integrante da Constituição material, cabendo aos tribunais garantir a respectiva aplicação.


Bibliografia:
PEREIRA DA SILVA, Vasco, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise - Ensaio sobre as acções no novo processo administrativo, Ed. Almedina, 2009
REBELO DE SOUSA, Marcelo, MATOS, André Salgado de, Direito Administrativo Geral tomo I - Introdução e Princípios Fundamentais, Publicações Dom Quixote, 2008


Sem comentários:

Enviar um comentário