quarta-feira, 31 de outubro de 2012

O Pressuposto Processual Legitimidade: Situação Jurídica dos Contra-Interessados

Considerações Iniciais
Dos primórdios do estudo científico do Direito Administrativo, a partir do último quarto do século XIX até às décadas de 70 e 80 do século passado, a Administração foi vista, sobretudo, como poder. Poder esse, que por um lado era preciso limitar para que os direitos subjectivos públicos ou os interesses legítimos dos particulares se tornassem possíveis, mas que por outro, não deveria ter demasiados entraves na prossecução do interesse publico, que lhe cabia realizar. A construção científica que o sistematizava traduzia um compromisso entre as prerrogativas da Administração como “potentior persona” e as liberdades do cidadão.

Muitos publicistas portugueses, na esteira dos fundadores franceses, alemães e italianos colocaram pedras angulares na construção processada até então. O interesse público, estruturado como entidade homogénea de natureza superior aos interesses dos particulares, bem como o acto administrativo, tido como manifestação da vontade autoritária reguladora dos destinatários, deram lugar a uma dessacralização do interesse público. Bem como os direitos fundamentais, na sua dupla dimensão objectiva (institucional e de verdadeiros direitos subjectivos – para alguns autores) eliminaram definitivamente a concepção de particulares como súbditos, objecto do poder estadual, e contribuíram também para dar relevo aos terceiros.
Em Portugal, a Constituição de 1976, com o estatuto que atribuíu aos direitos, liberdades e garantias, e mais tarde com o desenvolvimento processado nesta matéria pelo Código do Procedimento Administrativo, abandonou-se o modelo administrativo de tipo francês, que enfileirávamos desde a legislação de Mouzinho da Silveira, e aproximámo-nos do germânico.
Paradigma do novo Direito administrativo, sobretudo em domínios do ambiente, urbanismo, consumo e cultura são as relações jurídicas multilaterais. Actualmente, as relações jurídicas relacionadas com o exercício de poderes de autoridade por parte da Administração são frequentemente complexas, isto é, multipolares, pressupondo um conjunto alargado de pessoas cujos interesses são afectados pela actuação, num sentido ou noutro da Admininstração.
Assim, surgem situações, em casos concretos, em que existem interessados que pretendem a anulação de um acto administrativo que consideram ilegal ou a prática de um acto administrativo que consideram devido, e é normal que existam interessados, que sendo beneficiários do acto ilegal ou podendo ser afectados pelo acto devido, tenham interesse em que ele não seja anulado, e pelo contrário que se mantenha na ordem jurídica, ou que ele não seja praticado. É esta a situação que se analisará em seguida: os contra-interessados.

Impõe-se a tomada de atenção para esta questão, uma vez que, o autor, se conhecer, tem de determinar os sujeitos passivos do litisconsórcio necessário passivo, logo no momento da propositura da acção, sob pena de ilegitimidade com consequências gravosas (78º/2,f); 81º/1; 89º/1,f); 155/2).

Situação Jurídica dos Contra-Interessados
Em primeiro lugar, referir que é uma categoria expressamente prevista nos artigos 10.º n.º1, 57.º e 68.º n.º2 do CPTA.
O artigo 10.º, n.º1 tem o cuidado de fazer referência à eventual necessidade de a acção não ser apenas proposta “contra a outra parte na relação material controvertida”, mas também “quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos ao do autor”.
Já, da combinação dos outros dois artigos, uma vez que os dois artigos caracterizam os contra-interessados do mesmo modo, poderá retirar-se que se trata dos sujeitos a quem a procedência da acção possa prejudicar ou que tenham interesse na manutenção da situação contra a qual se insurge o autor, e que possam ser identificadas em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo.
Quanto à inserção sistemática do tratamento desta matéria nestes dois últimos artigos, considera-se muito pertinente, uma vez que é tratada tal categoria a propósito da impugnação de actos administrativos e da condenação à prática desse tipo de actos. Isto porque tratam-se de domínios, em que a acção é proposta contra a Administração, contra a entidade que praticou/omitiu/recusou o acto administrativo, mas em que existem sujeitos que também são partes no litígio, na medida em que os seus interesses coincidem com os da Administração e possam ser directamente afectados na sua consistência jurídica, com a procedência de tal acção. Daí a especificidade, fase à previsão genérica do art. 10º. E por outro lado, atenta-se também à presença do propósito de objectivizar a operação de delimitação do universo dos titulares aqui em causa.
Os contra-interessados são verdadeiras partes no litígio, e para o efeito devem ser demandados em juízo, em situação de litisconsórcio necessário passivo (unitário) com a entidade pública, em virtude da existência do programa da norma que ‘une’ as posições matérias de autor e de réu.
Assim, torna-se conveniente lembrar que o objecto destes processos não se define por referência às situações subjectivas dos contra-interessados, mas à posição em que a Administração se encontra colocada, no quadro do exercício dos seus poderes de autoridade. Portanto, sem retirar a qualidade de parte ao contra-interessado.
Lembrar ainda que o CPTA separa, de modo nítido, a participação destes, da dos restantes terceiros (10º/8 e 320ºss CPC).
Por último, a doutrina alemã aprofundou o conceito de relação jurídica poligonal, da qual podem emergir os litígios que justificam as posições dos contra-interessados. A conclusão a que chega a nossa doutrina, sobre estas correntes é que se torna possível seguir, nas relações jurídicas poligonais, um processo de individualização e concretização dos direitos subjectivos públicos dos particulares, de que sejam titulares os autores ou contra-interessados, em tudo semelhante as posições dos particulares nas relações verticais com a Administração.
No tocante ao recurso à noção de relação horizontal, alguns autores, a propósito da matéria dos contra-interessados defendem que a relação material controvertida entre autor e o contra-interessado é a relação horizontal, que não consubstancia uma relação concreta, equivalente as relações verticais entre particular e autoridade administrativa, antes o juízo comparativo de valoração realizado no plano normativo.
Para o futuro, o Professor Vasco Pereira da Silva propõe a revalorização da posição dos ‘impropriamente chamados terceiros’ no CA, como sujeitos principais dotados de legitimidade activa e passiva, tratados ao nível das regras gerais do CPTA.

Bibliografia
Aroso de Almeida, Mário, Manual de Processo Adiministrativo, Almedina, 2010.
Aroso de Almeida, Mário, O Novo Regime do Processo  nos Tribunais Administrativos
Chancerelle de Machete, Rui, Estudos em Homenagem ao Professor Marcello Caetano
Pereira da Silva, Vasco, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Almedina, 2009

Joana Beirão 19656

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