Dos primórdios do estudo científico do Direito Administrativo, a partir do último quarto do século XIX até às décadas de 70 e 80 do século passado, a Administração foi vista, sobretudo, como poder. Poder esse, que por um lado era preciso limitar para que os direitos subjectivos públicos ou os interesses legítimos dos particulares se tornassem possíveis, mas que por outro, não deveria ter demasiados entraves na prossecução do interesse publico, que lhe cabia realizar. A construção científica que o sistematizava traduzia um compromisso entre as prerrogativas da Administração como “potentior persona” e as liberdades do cidadão.
Muitos publicistas portugueses, na esteira dos fundadores franceses,
alemães e italianos colocaram pedras angulares na construção processada até
então. O interesse público, estruturado como entidade homogénea de natureza
superior aos interesses dos particulares, bem como o acto administrativo, tido
como manifestação da vontade autoritária reguladora dos destinatários, deram
lugar a uma dessacralização do interesse público. Bem como os direitos
fundamentais, na sua dupla dimensão objectiva (institucional e de verdadeiros
direitos subjectivos – para alguns autores) eliminaram definitivamente a
concepção de particulares como súbditos, objecto do poder estadual, e
contribuíram também para dar relevo aos terceiros.
Em Portugal, a Constituição de 1976, com o estatuto
que atribuíu aos direitos, liberdades e garantias, e mais tarde com o desenvolvimento processado nesta matéria pelo Código do
Procedimento Administrativo, abandonou-se o modelo administrativo de tipo
francês, que enfileirávamos desde a legislação de Mouzinho da Silveira, e
aproximámo-nos do germânico.
Paradigma do novo Direito administrativo, sobretudo em
domínios do ambiente, urbanismo, consumo e cultura são as relações jurídicas
multilaterais. Actualmente, as relações jurídicas relacionadas com o exercício
de poderes de autoridade por parte da Administração são frequentemente
complexas, isto é, multipolares, pressupondo um conjunto alargado de pessoas
cujos interesses são afectados pela actuação, num sentido ou noutro da
Admininstração.
Assim, surgem situações, em casos concretos, em que existem
interessados que pretendem a anulação de um acto administrativo que consideram
ilegal ou a prática de um acto administrativo que consideram devido, e é normal
que existam interessados, que sendo beneficiários do acto ilegal ou podendo ser
afectados pelo acto devido, tenham interesse em que ele não seja anulado, e
pelo contrário que se mantenha na ordem jurídica, ou que ele não seja praticado.
É esta a situação que se analisará em seguida: os contra-interessados.
Impõe-se a tomada de atenção para esta questão, uma vez que, o autor, se conhecer, tem de determinar os sujeitos passivos do litisconsórcio necessário passivo, logo no momento da propositura da acção, sob pena de ilegitimidade com consequências gravosas (78º/2,f); 81º/1; 89º/1,f); 155/2).
Impõe-se a tomada de atenção para esta questão, uma vez que, o autor, se conhecer, tem de determinar os sujeitos passivos do litisconsórcio necessário passivo, logo no momento da propositura da acção, sob pena de ilegitimidade com consequências gravosas (78º/2,f); 81º/1; 89º/1,f); 155/2).
Situação Jurídica dos
Contra-Interessados
Em primeiro lugar, referir que é uma categoria expressamente
prevista nos artigos 10.º n.º1, 57.º e 68.º n.º2 do CPTA.
O artigo 10.º, n.º1 tem o cuidado de fazer referência à
eventual necessidade de a acção não ser apenas proposta “contra a outra parte
na relação material controvertida”, mas também “quando for caso disso, contra
as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos ao do autor”.
Já, da combinação dos outros dois artigos, uma vez que os
dois artigos caracterizam os contra-interessados do mesmo modo, poderá
retirar-se que se trata dos sujeitos a quem a procedência da acção possa
prejudicar ou que tenham interesse na manutenção da situação contra a qual se
insurge o autor, e que possam ser identificadas em função da relação material
em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo.
Quanto à inserção sistemática do tratamento desta matéria
nestes dois últimos artigos, considera-se muito pertinente, uma vez que é
tratada tal categoria a propósito da impugnação de actos administrativos e da
condenação à prática desse tipo de actos. Isto porque tratam-se de domínios, em
que a acção é proposta contra a Administração, contra a entidade que
praticou/omitiu/recusou o acto administrativo, mas em que existem sujeitos que
também são partes no litígio, na medida em que os seus interesses coincidem com
os da Administração e possam ser directamente afectados na sua consistência
jurídica, com a procedência de tal acção. Daí a especificidade, fase à previsão
genérica do art. 10º. E por outro lado, atenta-se também à presença do
propósito de objectivizar a operação de delimitação do universo dos titulares
aqui em causa.
Os contra-interessados são verdadeiras partes no litígio, e
para o efeito devem ser demandados em juízo, em situação de litisconsórcio
necessário passivo (unitário) com a entidade pública, em virtude da existência
do programa da norma que ‘une’ as posições matérias de autor e de réu.
Assim, torna-se conveniente lembrar que o objecto destes
processos não se define por referência às situações subjectivas dos
contra-interessados, mas à posição em que a Administração se encontra colocada,
no quadro do exercício dos seus poderes de autoridade. Portanto, sem retirar a
qualidade de parte ao contra-interessado.
Lembrar ainda que o CPTA separa, de modo nítido, a
participação destes, da dos restantes terceiros (10º/8 e 320ºss CPC).
Por último, a doutrina alemã aprofundou o conceito de
relação jurídica poligonal, da qual podem emergir os litígios que justificam as
posições dos contra-interessados. A conclusão a que chega a nossa doutrina,
sobre estas correntes é que se torna possível seguir, nas relações jurídicas
poligonais, um processo de individualização e concretização dos direitos
subjectivos públicos dos particulares, de que sejam titulares os autores ou
contra-interessados, em tudo semelhante as posições dos particulares nas
relações verticais com a Administração.
No tocante ao recurso à noção de relação horizontal, alguns
autores, a propósito da matéria dos contra-interessados defendem que a relação
material controvertida entre autor e o contra-interessado é a relação
horizontal, que não consubstancia uma relação concreta, equivalente as relações
verticais entre particular e autoridade administrativa, antes o juízo
comparativo de valoração realizado no plano normativo.
Para o futuro, o Professor Vasco Pereira da Silva propõe a
revalorização da posição dos ‘impropriamente chamados terceiros’ no CA, como
sujeitos principais dotados de legitimidade activa e passiva, tratados ao nível
das regras gerais do CPTA.
Bibliografia
Aroso de
Almeida, Mário, Manual de Processo Adiministrativo, Almedina, 2010.Aroso de Almeida, Mário, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos
Chancerelle de Machete, Rui, Estudos em Homenagem ao Professor Marcello Caetano
Pereira da Silva, Vasco, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Almedina, 2009
Joana Beirão 19656
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