OS DIREITOS
SUBJECTIVOS DOS PARTICULARES NO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO
PORTUGUÊS – BREVE ANÁLISE
O
direito subjectivo,(1) labor da dogmática jurídica do período da pandectista do
século XIX, e desenvolvida inicialmente por Savigny (2) e seus seguidores tais
como: Puchta, Windscheid, Kaser e Jhering foi o culminar de uma evolução
milenar do Direito Privado que reconheceu aos cidadãos uma tutela directa efectiva
e específica dos bens jurídicos de que estes são titulares enquanto pessoas singulares.
(3)
Tais
direitos subjectivos podem ter natureza patrimonial ou pessoal, podendo os
primeiros assumir uma feição material incorpórea , intelectual, creditícia etc.
Múltiplos
direitos subjectivos são tutelados nas Constituições dos Estados soberanos
sofrendo o seu catálogo um forte incremento se fizermos uma comparação entre as
primeiras Constituições modernas do Estado Liberal e as actuais Constituições
contemporâneas do Estado pós social.
Como
bem sabemos, a administração pública, está subordinada ao princípio da
legalidade, devendo respeitar as várias fontes de Direito que integram a ordem
jurídica do Estado, sendo a norma de valor hierárquico superior a Constituição.
Todavia,
os órgãos e agentes da Administração Pública, muitas vezes violam tal princípio
jurídico desrespeitando o bloco de legalidade ao qual estão sujeitos.
Quando
tal acontece, os cidadãos, têm a legitimidade de ver os seus direitos
subjectivos garantidos de forma plena e eficaz, podendo assim interpor uma
acção judicial contra o infractor. É aqui que tem uma palavra a dizer o
Contencioso Administrativo.
Em
Portugal, adoptou-se o modelo francês de contencioso administrativo, devido, à
forte influência deste ordenamento jurídico na doutrina portuguesa durante todo
o século XIX.
Este
tipo de contencioso surgiu após as Revoluções Liberais do século XVIII com o
objectivo de uma separação rígida das funções do Estado, contrariando assim, o
que se passava no Antigo Regime, em que o monarca concentrava nas suas mãos os
diversos poderes do Estado. Mas, até ao final do século XIX, o princípio da
separação de poderes não estava garantido pois funcionava o sistema do
“Administrador Juíz”, isto é a Administração Pública julgava-se a si própria.
Este regime é alterado nos primórdios do século XX com a jurisdicionalização do
contencioso administrativo, se bem que os juízes administrativos vissem a sua
área de competência limitada a determinadas matérias. Os poderes jurisdicionais
administrativos ganham apenas pleno fulgor, só nos anos 70 do século XX. (4)
Porém,
em Portugal, seria preciso esperar pela Constituição de 1976 e a revisão
Constitucional de 1989, para que houvesse uma jurisdicionalização efectiva da Justiça
Administrativa. (5)
No
período anterior à Revolução dos Cravos, os tribunais administrativos, não eram
verdadeiros tribunais, não pertencendo ao poder jurisdicional. Eram órgãos
independentes, pertencentes à Administração Pública que não apreciavam questões
de verdadeira relevância para os particulares, sendo estas questões tratadas
nos tribunais judiciais comuns.
Apesar
das reformas pós 1974, as amarras do Estado Novo continuaram em vigor, pois, os
cidadãos não viam os seus direitos subjectivos efectivamente tutelados (basta
lembrar que por exemplo até 2002 não existia procedimentos cautelares no que
dizia respeito à justiça administrativa. Por outro lado, a jurisprudência do
Supremo Tribunal Administrativo, continuou a seguir as directrizes do regime
anterior (basta lembrar a rigidez com que este tribunal tratava o manuseamento
da acção para reconhecimento de direitos e interesses ou a matéria da
atribuição da suspensão da eficácia de actos administrativos).
Era
assim imperativo alterar o arcaísmo a que estava sujeito o contencioso
administrativo português e respeitar inclusivamente normas constitucionais que
materialmente não eram aplicadas.
Todas
estas vicissitudes são objecto de análise profunda por parte da doutrina
administrativista portuguesa que realiza alguns anteprojectos com vista à
solução do problema.
Finalmente
em 2004 entra em vigor o Código de Processo nos Tribunais Administrativos e o
Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais que transforma o nosso
tradicional contencioso administrativo de origem francês, mais próximo da
Justiça Administrativa de origem germânica. (6)
Em
linhas gerais esta reforma incidiu sobre as normas processuais, bem como a
organização judiciária dos tribunais administrativos.
No
que diz respeito à competência dos tribunais administrativos o anacrónico,
pesado e irracional modelo da pirâmide invertida onde o Supremo Tribunal
Administrativo, dotado de um imenso número de juízes face aos tribunais de grau
inferior e que resolvia boa parte dos litígios contra a Administração deixando
para os restantes tribunais uma competência residual e apagada é alterado.
Esta
situação de “esquizofrenia patológica” é em boa parte resolvida com o ETAF de
2004 passando a maior parte dos litígios a serem dirimidos nos tribunais de
círculo, (ver artigo 44.º do ETAF que consagra uma competência residual destes
tribunais de 1ª instância, o que não invalide que tratem o grosso das acções
administrativas).
Acaba-se
com o recurso contencioso de anulação enquanto meio de impugnação de um acto
administrativo que tinha como intuito obter a anulação ou a declaração de
nulidade ou inexistência desse acto. É substituído por uma acção de impugnação
de actos e normas. São unificadas as acções relativas a contratos,
responsabilidade civil e reconhecimento de direitos ou interesses legalmente
protegidos. É permitida a cumulação de pedidos (artigos 4º e 47º/1,2,4 do CPTA),
de maneira a simplificar o acesso à justiça, bem como permitir uma tutela
jurisdicional efectiva. São ainda introduzidas providências cautelares comuns e
especificadas de maneira a que os cidadãos pudessem ver os seus direitos
subjectivos tutelados enquanto não fosse proferida uma decisão final com força
de caso julgado. Por fim passa a admitir-se a condenação judicial da
Administração pública de actos que a mesma legalmente deveria ter cumprido no
âmbito das suas funções. (7).
Todavia,
e apesar da profunda reforma impulsionada pelo novo regime que entrou em vigor
em 2004, até o leigo mais desatento, apercebe-se dos erros e excessos que a
Administração Pública comete, sendo um dos exemplos paradigmático o Contencioso Fiscal onde a Administração fiscal exige a título
meramente exemplificativo impostos que
já foram pagos, penhora bens antes de terminar o prazo para a contestação da
dívida, ou excede os prazo de resposta das reclamações do contribuinte. (8)
Recentemente
a Associação de Defesa do Consumidor
aferiu que os avaliadores da Administração Fiscal, devido a erros grosseiros
cometidos por falta de diligência avaliam os imóveis de forma excessiva,
fazendo com que os cidadãos paguem por exemplo o tripo do IMI que efectivamente
deveriam pagar.(9)
Desta
maneira, um dos mais importantes direitos subjectivos dos particulares numa
sociedade contemporânea, (o direito real de propriedade), é violado demasiadas
vezes pela Administração Pública portuguesa, não tendo os particulares em
muitas situações uma verdadeira tutela efectiva dos direitos subjectivos
constitucionalmente consagrados e normas como a do artigo 6º do CPTA que consagra
uma igualdade das partes no litígio muitas vezes são esquecidas pelos órgãos
que aplicam o Direito.
Em
suma, podemos aferir através desta breve análise introdutória e destes exemplos
concretos, que em Portugal, os cidadãos, face à Administração não se encontram
materialmente numa situação de paridade como sucede no Direito Privado, mas sim
numa situação de desigualdade efectiva em que a ideia de Estado, dotado de ius imperi, é ainda tantas vezes patente,
o que faz com que infelizmente, o Direito Administrativo, de Direito
Constitucional concretizado, tenha ainda muito pouco.
(1)
Em pormenor sobre o conceito de direito subjectivo, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português I Parte
Geral, 1ª edição pp 310 e ss.
(2)
Ver por todos PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria
Geral do Direito Civil, 4ª edição página 277
(3)
EDUARDO DOS SANTOS JUNIOR, na sua dissertação de doutoramento - Da responsabilidade civil de terceiros por
lesão de direito de crédito faz uma análise histórica pormenorizada desta
temática – ver pp 24 e ss.
(4)
Sobre a evolução histórica do
Contencioso Administrativo e as suas repercussões no modelo de Contencioso
actual veja-se VASCO PEREIRA DA SILVA, O Contencioso Administrativo no divã da
Psicanálise 2ª edição pp 9 e ss; MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO
MATOS, Direito Administrativo Geral I,
1ª edição pp 100 e ss; DIOGO FREITAS DO AMARAL Curso de Direito Administrativo volume I 3ª edição
pp 70 e ss.
(5) Vide VASCO PEREIRA
DA SILVA, O Contencioso Administrativo no
divã da Psicanálise 2ª edição pp 182
e ss;
(6)
Um dos primeiros escritos que analisou a reforma de 2002/2004 foi a monografia
de DIOGO FREITAS DO AMARAL e MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Grandes linhas da reforma do Contencioso Administrativo onde estes autores analisam as principais inovações do
Direito Processual Administrativo e as
vantagens que se alcançaram com tal reforma legislativa.
(7)
Veja-se em DIOGO FREITAS DO AMARAL e
MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Grandes linhas da
reforma do Contencioso Administrativo
páginas 117 a 119, o importante capítulo relativo às principais
inovações introduzidas pela reforma do Contencioso Administrativo em que o
autores de forma lapidar sintetizam em 3 página o que de realmente inovador
aconteceu com a reforma de 2002/2004
(8)
A referência a este fenómeno em http://economico.sapo.pt/noticias/erros-do-fisco-causam-danos-catastroficos-aos-contribuintes_70376.html
(9)
Entre um manancial de notícias ver a título meramente exemplificativo http://idealista.pt/news/arquivo/2012/05/16/07350-erros-nas-avaliacoes-de-imoveis-com-base-no-google-aumentam-imi-em-milhares-de-euros
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