segunda-feira, 22 de outubro de 2012


OS DIREITOS SUBJECTIVOS DOS PARTICULARES NO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO PORTUGUÊS – BREVE ANÁLISE


O direito subjectivo,(1) labor da dogmática jurídica do período da pandectista do século XIX, e desenvolvida inicialmente por Savigny (2) e seus seguidores tais como: Puchta, Windscheid, Kaser e Jhering foi o culminar de uma evolução milenar do Direito Privado que reconheceu aos cidadãos uma tutela directa efectiva e específica dos bens jurídicos de que estes são titulares enquanto pessoas singulares. (3)
Tais direitos subjectivos podem ter natureza patrimonial ou pessoal, podendo os primeiros assumir uma feição material incorpórea , intelectual, creditícia etc.
Múltiplos direitos subjectivos são tutelados nas Constituições dos Estados soberanos sofrendo o seu catálogo um forte incremento se fizermos uma comparação entre as primeiras Constituições modernas do Estado Liberal e as actuais Constituições contemporâneas do Estado pós social.
Como bem sabemos, a administração pública, está subordinada ao princípio da legalidade, devendo respeitar as várias fontes de Direito que integram a ordem jurídica do Estado, sendo a norma de valor hierárquico superior a Constituição.
Todavia, os órgãos e agentes da Administração Pública, muitas vezes violam tal princípio jurídico desrespeitando o bloco de legalidade ao qual estão sujeitos.
Quando tal acontece, os cidadãos, têm a legitimidade de ver os seus direitos subjectivos garantidos de forma plena e eficaz, podendo assim interpor uma acção judicial contra o infractor. É aqui que tem uma palavra a dizer o Contencioso Administrativo.
Em Portugal, adoptou-se o modelo francês de contencioso administrativo, devido, à forte influência deste ordenamento jurídico na doutrina portuguesa durante todo o século XIX.
Este tipo de contencioso surgiu após as Revoluções Liberais do século XVIII com o objectivo de uma separação rígida das funções do Estado, contrariando assim, o que se passava no Antigo Regime, em que o monarca concentrava nas suas mãos os diversos poderes do Estado. Mas, até ao final do século XIX, o princípio da separação de poderes não estava garantido pois funcionava o sistema do “Administrador Juíz”, isto é a Administração Pública julgava-se a si própria. Este regime é alterado nos primórdios do século XX com a jurisdicionalização do contencioso administrativo, se bem que os juízes administrativos vissem a sua área de competência limitada a determinadas matérias. Os poderes jurisdicionais administrativos ganham apenas pleno fulgor, só nos anos 70 do século XX. (4)
Porém, em Portugal, seria preciso esperar pela Constituição de 1976 e a revisão Constitucional de 1989, para que houvesse uma jurisdicionalização efectiva da Justiça Administrativa. (5)
No período anterior à Revolução dos Cravos, os tribunais administrativos, não eram verdadeiros tribunais, não pertencendo ao poder jurisdicional. Eram órgãos independentes, pertencentes à Administração Pública que não apreciavam questões de verdadeira relevância para os particulares, sendo estas questões tratadas nos tribunais judiciais comuns.
Apesar das reformas pós 1974, as amarras do Estado Novo continuaram em vigor, pois, os cidadãos não viam os seus direitos subjectivos efectivamente tutelados (basta lembrar que por exemplo até 2002 não existia procedimentos cautelares no que dizia respeito à justiça administrativa. Por outro lado, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, continuou a seguir as directrizes do regime anterior (basta lembrar a rigidez com que este tribunal tratava o manuseamento da acção para reconhecimento de direitos e interesses ou a matéria da atribuição da suspensão da eficácia de actos administrativos).
Era assim imperativo alterar o arcaísmo a que estava sujeito o contencioso administrativo português e respeitar inclusivamente normas constitucionais que materialmente não eram aplicadas.
Todas estas vicissitudes são objecto de análise profunda por parte da doutrina administrativista portuguesa que realiza alguns anteprojectos com vista à solução do problema.
Finalmente em 2004 entra em vigor o Código de Processo nos Tribunais Administrativos e o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais que transforma o nosso tradicional contencioso administrativo de origem francês, mais próximo da Justiça Administrativa de origem germânica. (6)
Em linhas gerais esta reforma incidiu sobre as normas processuais, bem como a organização judiciária dos tribunais administrativos.
No que diz respeito à competência dos tribunais administrativos o anacrónico, pesado e irracional modelo da pirâmide invertida onde o Supremo Tribunal Administrativo, dotado de um imenso número de juízes face aos tribunais de grau inferior e que resolvia boa parte dos litígios contra a Administração deixando para os restantes tribunais uma competência residual e apagada é alterado.
Esta situação de “esquizofrenia patológica” é em boa parte resolvida com o ETAF de 2004 passando a maior parte dos litígios a serem dirimidos nos tribunais de círculo, (ver artigo 44.º do ETAF que consagra uma competência residual destes tribunais de 1ª instância, o que não invalide que tratem o grosso das acções administrativas).
Acaba-se com o recurso contencioso de anulação enquanto meio de impugnação de um acto administrativo que tinha como intuito obter a anulação ou a declaração de nulidade ou inexistência desse acto. É substituído por uma acção de impugnação de actos e normas. São unificadas as acções relativas a contratos, responsabilidade civil e reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos. É permitida a cumulação de pedidos (artigos 4º e 47º/1,2,4 do CPTA), de maneira a simplificar o acesso à justiça, bem como permitir uma tutela jurisdicional efectiva. São ainda introduzidas providências cautelares comuns e especificadas de maneira a que os cidadãos pudessem ver os seus direitos subjectivos tutelados enquanto não fosse proferida uma decisão final com força de caso julgado. Por fim passa a admitir-se a condenação judicial da Administração pública de actos que a mesma legalmente deveria ter cumprido no âmbito das suas funções. (7).
Todavia, e apesar da profunda reforma impulsionada pelo novo regime que entrou em vigor em 2004, até o leigo mais desatento, apercebe-se dos erros e excessos que a Administração Pública comete, sendo um dos exemplos paradigmático  o Contencioso Fiscal  onde a Administração fiscal exige a título meramente exemplificativo  impostos que já foram pagos, penhora bens antes de terminar o prazo para a contestação da dívida, ou excede os prazo de resposta das reclamações do contribuinte. (8)
Recentemente a Associação de Defesa  do Consumidor aferiu que os avaliadores da Administração Fiscal, devido a erros grosseiros cometidos por falta de diligência avaliam os imóveis de forma excessiva, fazendo com que os cidadãos  paguem  por exemplo o tripo do IMI que efectivamente deveriam pagar.(9)
Desta maneira, um dos mais importantes direitos subjectivos dos particulares numa sociedade contemporânea, (o direito real de propriedade), é violado demasiadas vezes pela Administração Pública portuguesa, não tendo os particulares em muitas situações uma verdadeira tutela efectiva dos direitos subjectivos constitucionalmente consagrados e normas como a do artigo 6º do CPTA que consagra uma igualdade das partes no litígio muitas vezes são esquecidas pelos órgãos que aplicam o Direito.
Em suma, podemos aferir através desta breve análise introdutória e destes exemplos concretos, que em Portugal, os cidadãos, face à Administração não se encontram materialmente numa situação de paridade como sucede no Direito Privado, mas sim numa situação de desigualdade efectiva em que a ideia de Estado, dotado de ius imperi, é ainda tantas vezes patente, o que faz com que infelizmente, o Direito Administrativo, de Direito Constitucional concretizado, tenha ainda muito pouco.


(1) Em pormenor sobre o conceito de direito subjectivo, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português I Parte Geral, 1ª edição pp 310 e ss.

(2) Ver por todos PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição página 277

(3) EDUARDO DOS SANTOS JUNIOR, na sua dissertação de doutoramento - Da responsabilidade civil de terceiros por lesão de direito de crédito faz uma análise histórica pormenorizada desta temática – ver pp 24 e ss.

(4) Sobre a evolução histórica  do Contencioso Administrativo e as suas repercussões no modelo de Contencioso actual  veja-se VASCO PEREIRA DA SILVA, O Contencioso Administrativo no divã da Psicanálise 2ª edição pp 9 e ss; MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO MATOS, Direito Administrativo Geral I, 1ª edição pp 100 e ss; DIOGO FREITAS DO AMARAL Curso de Direito Administrativo volume I  3ª edição   pp 70 e ss.

(5) Vide VASCO PEREIRA DA SILVA, O Contencioso Administrativo no divã da Psicanálise 2ª edição pp 182  e ss;

(6) Um dos primeiros escritos que analisou a reforma de 2002/2004 foi a monografia de DIOGO FREITAS DO AMARAL e MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Grandes linhas da reforma do Contencioso Administrativo onde estes  autores analisam as principais inovações do Direito Processual Administrativo e   as vantagens que se alcançaram com tal reforma legislativa.

(7) Veja-se em  DIOGO FREITAS DO AMARAL e MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Grandes linhas da reforma do Contencioso Administrativo  páginas 117 a 119, o importante capítulo relativo às principais inovações introduzidas pela reforma do Contencioso Administrativo em que o autores de forma lapidar sintetizam em 3 página o que de realmente inovador aconteceu com a reforma de 2002/2004

(8) A referência a este fenómeno em http://economico.sapo.pt/noticias/erros-do-fisco-causam-danos-catastroficos-aos-contribuintes_70376.html

(9) Entre um manancial de notícias ver a título meramente exemplificativo http://idealista.pt/news/arquivo/2012/05/16/07350-erros-nas-avaliacoes-de-imoveis-com-base-no-google-aumentam-imi-em-milhares-de-euros

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